Anarcocapitalismo: o que é a ideologia que o novo presidente argentino Javier Milei diz seguir :estrelabet

Os pesquisadores dizem que mesmo que Milei se autoproclame um anarcocapitalista ele não conseguiria implantar um sistemaestrelabetgoverno assim — justamente porque uma pessoa eleita para ser chefe do Executivo do país não pode abrir mão da prerrogativaestrelabetser a autoridade máxima da nação constituída sob esse moldes.

Outro ponto importante é que mesmo as mudanças drásticas planejadas por Milei dependeriamestrelabetaprovação do Parlamento.

"Essa corrente defende na verdade a extinção completa do Estado e que a sociedade seja baseada no livre-mercado eestrelabetrelações pacíficas entre as pessoas", pontua a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises - O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil.

"Então a ideia é que todas as pessoas têm direito à propriedade privada e isso é o que organiza a sociedade para os anarcocapitalistas."

Rocha enfatiza que os ancaps são "completamente contrários à cobrançaestrelabetimpostos" e esta é uma "das principais defesas que eles fazem". Segundo a cientista política, se trataestrelabetuma corrente "idealista, no sentidoestrelabetque até o presente momento não há nenhum país anarcocapitalista".

Professora na Universidade Federal do RioestrelabetJaneiro (UFRJ), a cientista política Mayra Goulart explica que “o ponto central [da ideologia] é a postura crítica às instânciasestrelabetregulamentação”. E isto se baseia “na crençaestrelabetque a disposição dos livres interesses no mercado, pelo mecanismoestrelabetdemanda e oferta, são suficientes para distribuir e gerir a distribuiçãoestrelabetqualquer tipoestrelabetrecurso”.

“Subjacente a isso existe a ideiaestrelabetque a desigualdade nessa distribuiçãoestrelabetrecursos não é inerentemente problemática, já que a livre disposição dos interesses no mercado é a melhor formaestrelabetgerenciar a distribuição, ainda que ela ocasione desigualdade”, problematiza Goulart.

Esta ideia bateestrelabetfrente com o princípioestrelabetque o Estado, como regulador da sociedade, deve agir com o objetivoestrelabetimpedir que as desigualdades gerem “externalidades negativas para os mais fracos”. “Os que defendem o contrário acreditam que as desigualdades que venham a acontecer sãoestrelabetalguma maneira respaldadas pelo mérito”, diz ela.

Assim, o que para muitos é visto como injustiça, para os ancaps se trataestrelabetdarwinismo social. “Implicaestrelabetuma crençaestrelabetque aqueles que não são capazesestrelabetobter as coisas por meioestrelabetseu próprio esforço merecem ficar sem elas”, resume a cientista política.

Discurso versus prática

"Pelas declarações, Milei pode se autoconsiderar ancap. Mas, na prática, o que ele vai procurar ser é uma pessoaestrelabetum radicalismoestrelabetlivre mercado, o que se chama na imprensa brasileiraestrelabetultraliberal", comenta Rocha.

“Milei pode ser rotulado como ancap? Eu diria que ele é um libertário. Ancap ele pode ser pessoalmente, mas isso não significa que ele vá fazer um governo anarcocapitalista”, afirma o cientista político Leonardo Bandarra, pesquisador na UniversidadeestrelabetDuisburg-Essen, da Alemanha.

“Anarcocapitalismo é ausênciaestrelabetautoridade e governo é, por definição, uma autoridade. Um governo anarquista seria uma contradiçãoestrelabettermos.”

“Ele entra num espectro neoliberal, mas mais extremo, misturado com o populismo que a gente tem agora”, acrescenta ele, recorrendo a exemplos como os ex-presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos Estados Unidos, Donald Trump. “Ele quer uma motosserra para destruir tudo”, ilustra.

Embora concorde que o pensamento anarcocapitalista esteja presenteestrelabetdeclarações e na plataformaestrelabetMilei, o jurista e cientista político Enrique Natalino, pesquisador do Centro BrasileiroestrelabetAnálise e Planejamento (Cebrap), ressalta que “há algumas ideias nas quais seu pensamento se encaixa mais dentroestrelabetuma direita conservadora e até ultrarradical”. “É o casoestrelabetsuas visõesestrelabetliberação do usoestrelabetarmas, que o aproximam muito do ex-presidente Bolsonaro”, exemplifica ele.

Da Islândia medieval aos teóricos do século 20

Os anarcocapitalistas recorrem a um modelo histórico para argumentar que uma sociedade organizada a partir da propriedade seria possível. No livro As Engrenagens da Liberdade,estrelabet1973, o economista americano David Friedman afirma que se aplicado a uma sociedade muito maior e mais complicada, o modoestrelabetorganização da Islândia entre 930 e 1264 seria um exemplo práticoestrelabetanarcocapitalismo.

Segundo registros históricos, existiu ali um governo sem poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, onde nem burocracia nem leis criminais eram necessárias. A chefia era completamente baseada na lei do mercado. Os chefes, chamadosestrelabetgodi, tinhamestrelabetautoridade baseada na propriedade privada — quem quisesse liderar uma comunidade precisava comprar um conjuntoestrelabetdireitos chamadoestrelabetgodoro.

Mesmo sendo entusiasta do anarcocapitalismo, o próprio Friedman identificou o problema inerente à essa organização: os mais ricos estavam automaticamente impunes. O economista escreveu que “onde o poder está suficientemente concentrado isto pode ser verdade” e admitiu que “este foi um dos problemas” que acabaria resultando no colapso desse sistema islandês.

Na Argentina, Milei pretende privatizar completamente saúde, educação e até o Banco Central, dolarizar a economia e instituir um sistemaestrelabetvouchers para que cada cidadão escolha o prestadorestrelabetserviço essencial que preferir.

Para o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor na Fundação EscolaestrelabetSociologiaestrelabetSão Paulo e da Escola SuperiorestrelabetPropagandaestrelabetMarketing (ESPM), os ricos seriam os grandes privilegiados. “A tendência desse Estado anarcocapitalista é o favorecimento dos empresários industriais. Seria um Estado com feiçõesestrelabetdefesa dos interesses econômicos das elites”, diz.

Mas se a inspiração histórica é respaldada por uma longínqua experiência islandesa, a teoria do anarcocapitalismo é mais recente. Acredita-se que o primeiro a utilizar o termo tenha sido o economista americano Murray Rothbard (1926-1995), que defendia a soberania do indivíduo, respeitando o princípio da não agressão.

“Ele foi aluno da chamada escola austríaca [de economia] e teve uma militância nesse sentido. O pensamento ganhou notoriedade nos Estados Unidos na décadaestrelabet1940”, contextualiza Natalino.

Entre as principais referências da escola austríaca estão os economistas — da Áustria, evidentemente — Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich A. Hayek (1899-1992). “Eles se opunham à intervenção do Estado na economia e defendiam o livre mercado como ideia central”, resume Natalino.

Autor do livro Da ProduçãoestrelabetSegurança, o economista belga GustaveestrelabetMolinari (1819-1912) é considerado um precursor do anarcocapitalismo porque foi um dos primeiros teóricos a ousar misturar as ideias anarquistas com o pensamento capitalista. O economista era crítico dos monopólios estatais e entusiasta dos direitosestrelabetpropriedade e da ideia da iniciativa privada tomando conta da segurança.

O filósofo e economista teuto-americano Hans-Hermann Hoppe, um dos maiores pensadores contemporâneos do anarcocapitalismo, bebe nessa fonte — sempre fazendo referências elogiosas ao trabalhoestrelabetMolinari.

“O ancap tem duas bases: uma econômica, influenciada pela escola austríaca, outra política que se vale da influência do anarquismo clássico do século 19, que se opunha à ideiaestrelabetEstado, pregava a destruição do Estado”, complementa Natalino. “O anarcocapitalismo bebe nessa fonte, mas ele se diferencia do anarquismo classe pela defesa do capitalismo.”

Contradiçãoestrelabettermos

Na opiniãoestrelabetalguns teóricos, é justamente nessa junção que residem os principais problemas. “Anarcocapitalismo é um termo polêmico. Na visãoestrelabetanarquistas, não existe anarcocapitalismo”, defende Ramirez. “O movimento anarquista é contra a existência do Estado eestrelabetqualquer formaestrelabetexploração ou organização política que tenha como mandantes terceiros, como o Estado judiciário ou seja lá o que for. Dessa forma, existe a críticaestrelabetque não existe anarcocapitalismo, porque anarquia é oposto à existência do Estado.”

O sociólogo lembra, contudo, que no caso dos ancaps, a defesa é “pelo extremo radicalismo do liberalismo, constituindo a ideiaestrelabetque o Estado sequer é mínimo, ele é zero”. “Desta forma, todas as relações econômicas seriam regidas pelo próprio indivíduo a partir da lei da oferta e da procura, sem a participação do Estado.”

Segundo a análiseestrelabetBandarra, há ainda outra incongruência ideológica presente no futuro governo argentino. E esta é personificada pela figura da vice eleita, a atual deputada Victoria Villarruel. “A anarquia é oposta ao totalitarismo, porque prega a ausênciaestrelabetautoridade. Então há uma complexidade o fatoestrelabetum presidente supostamente libertário, ancap, ter uma vice que apoia memorar positivamente a ditadura militar argentina, uma das mais autoritárias que houve na América Latina”, argumenta o pesquisador.

“O capitalismo só existeestrelabetfunçãoestrelabetum Estado, um Estado burguês. Por isso há uma contradição na ideiaestrelabetanarcocapitalismo”, acredita Ramirez. “No caso do neoliberalismo, por mais que se diga que o Estado é mínimo ou zero, isso é uma falácia: a esquerda diz que na verdade o Estado é mínimo ou zero para o povo, mas máximo para as elites.”