'Ala dos suicidas': como a antiga tradiçãoroulette gold clubcemitérios judaicos foi pouco a pouco abandonada:roulette gold club

Um perito avaliou não ter ficado comprovado o suicídio e laudos mostraram que Iara morreu durante um cerco policialroulette gold clubSalvador, na Bahia.

Em 2006, a psicóloga foi enterrada novamente no mesmo cemitério, mas, desta vez, fora da ala dos suicidas e ao lado do túmulo do pais.

Um dos irmãosroulette gold clubIara, o fotógrafo Samuel Iavelberg,roulette gold club78 anos, conta à BBC News Brasil que a disputa judicial foi necessária porque o cemitério relutouroulette gold clubpermitir a exumação, alegando motivos religiosos que impediriam o procedimento.

Samuel e Iara eram muito próximos, ele conta, do tiporoulette gold clubirmãos que não brigam. Iara era cercaroulette gold clubum ano mais velha que ele.

Os dois, inclusive, começaram a militância universitária no mesmo período e na mesma faculdade, ingressando juntos na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop).

Quando ela morreu, aos 27 anos, Samuel estava no exílio, no Chile, e não pôde acompanhar o enterro

"Lógico, ficamos muito tristes, mas a gente estava como que contando com essa possibilidade, porque as organizaçõesroulette gold clubesquerda que faziam a luta armada estavam sendo dizimadas", lembra o fotógrafo.

O enterro na ala dos suicidas causou revolta, conta Samuel, porque endossava a versão do regime militar, mas a existência dessa parte do cemitério não trouxe surpresa.

"Toda criança judaica sabe que existe uma ala dos suicidas. Toda criança sabe que não pode se suicidar segundo a religião porque não se pode renegar a vida que Deus deu", diz o fotógrafo, que hoje se considera ateu.

Como a tradição da ala dos suicidas foi abandonada

O casoroulette gold clubIara Iavelberg eroulette gold cluboutros militantesroulette gold clubfamílias judias durante a ditadura lançou luz sobre a antiga tradição desta religiãoroulette gold clubseparar os suicidasroulette gold clubalas próprias nos cemitérios.

Um dos casos mais notórios foi do jornalista Vladimir Herzog, mortoroulette gold club1975. Segundo afirmaram os militares na época, Herzog teria se matado nos porões do DOI-CODI, principal órgãoroulette gold clubrepressão da ditaduraroulette gold clubSão Paulo.

O rabino Henry Sobel também teve um papel central neste episódio, confrontando a versão oficial após ver o corpo e identificar marcasroulette gold clubtortura.

Sobel conduziu então o sepultamentoroulette gold clubHerzog no centro do mesmo cemitério onde Iara foi posteriormente enterrada, e não na ala dos suicidas. Em 2018, a Corte Interamericanaroulette gold clubDireitos Humanos condenou o Estado brasileiro pelo assassinatoroulette gold clubHerzog.

A família do jornalista foi procurada pela BBC News Brasil, mas não quis se manifestar a respeito.

A existênciaroulette gold clubuma ala para enterroroulette gold clubpessoas que se mataram é simbólica da histórica rejeição do judaísmo ao suicídio — um tabu compartilhado por outras religiões, como a BBC News Brasil vem mostrando na sérieroulette gold clubreportagens "Suicídio e Fé".

Essa prática começou a ser abandonada no século 20, segundo representantes e estudiosos do judaísmo consultados pela BBC News Brasil.

No Estadoroulette gold clubSão Paulo, onde está a maior população que segue o judaísmo no Brasil (51.050,roulette gold clubum totalroulette gold club107.329 no país,roulette gold clubacordo com o Censo 2010), a organização que administra os quatro cemitérios judaicos existentes, a Associação Cemitério Israelitaroulette gold clubSão Paulo (Chevra Kadisha), afirma que não há mais essa separação.

Segundo Shie Pasternak, rabino da Chevra Kadisharoulette gold clubSão Paulo, há cercaroulette gold club20 anos essa prática mudou — mas ele explica por que o judaísmo historicamente rejeitou os suicidas.

"Não somos donos do nosso corpo e temos a obrigaçãoroulette gold clubcuidar do corpo que Deus nos deu. O corpo é sagrado. Por isso, antigamente, judeus que cometiam suicídio eram sepultados próximos aos muros do cemitério,roulette gold clubforma a serem isolados por terem tirado a própria vida."

O rabino afirma que, devido ao conhecimento atual sobre o papelroulette gold clubdistúrbios mentais no suicídio, isso foi abandonado.

"Entendemos, portanto, judeus do mundo todo, que não podemos julgar quem comete suicídio. Cabe apenas a Deus julgar."

Porroulette gold clubvez, Marcos Zalcman, presidente da Chevra Kadisha do Rio — o segundo Estado com mais seguidores do judaísmo no país (24.451 pessoas) —, diz não ter registrosroulette gold clubque os cemitérios locais já tenham tido uma ala separada para suicidas.

"Mesmo um evento ocorrido na décadaroulette gold club1930, noticiado no jornal da época como suicídio, foi enterradoroulette gold clubum local como qualquer outro, escolhido pelos familiares", diz Zalcman.

O rabino Ruben Sternschein, representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso, afirma tampouco ter ficado sabendoroulette gold clubcasos recentes, no Brasil e no mundo,roulette gold clubsuicidas que tenham sido enterradosroulette gold clubuma ala separada.

Sternschein diz perceberroulette gold clubseu dia a dia um aumento do númeroroulette gold clubpessoas que o buscam por ter perdido alguém que se matou, por terem tentado se matar ou por apresentarem questõesroulette gold clubsaúde mental preocupantes.

"Eu me deparei, infelizmente, com vários casos. Acho que cada vez mais,roulette gold clubdiversas idades e diferentes contextos socioeconômicos", conta o rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP), apontando que frequentemente recomenda que pessoas que buscamroulette gold clubajuda procurem ajuda especializada, com psicólogos e psiquiatras.

Sternschein diz que a antiga separação da ala dos suicidas nos cemitérios, dizendo que ela tinha um foco "mais na valorização da vida do que na condenação do suicídio" e defende que haja maior empatia nas religiões com o assunto.

"Não deveria haver no suicídio nada relacionado com culpa, pecado e condenação. A sociedade tem que se perguntar, e a religiosidade tem que se perguntar, se soube ajudar o suficiente", defende o rabino.

Na população brasileira como um todo, a taxaroulette gold clubsuicídios por 100 mil habitantes aumentou nos últimos anos, segundo um estudo publicadoroulette gold clubfevereiro na revista científica The Lancet Regional Health Americas.

De 2011 a 2021, a taxaroulette gold clubsuicídios no Brasil teve crescimento médioroulette gold club3,7% ao ano.

Números absolutosroulette gold clubsuicídios contabilizados pelo Fórum Brasileiroroulette gold clubSegurança Pública mostram aumento ano após anoroulette gold club2016 a 2022.

Karen Scavacini, doutoraroulette gold clubpsicologia e fundadora do Instituto Vita Alereroulette gold clubPrevenção e Posvenção do Suicídio, diz "não ter dúvidas"roulette gold clubque há um aumento real no númeroroulette gold clubsuicídios no país.

"Há um aumento, especialmente no período pós-pandêmico. Eu vejo pela experiênciaroulette gold clubtrabalhar com psicólogos eroulette gold clubter contato com muitos psiquiatras. Os números têm aumentado,roulette gold clubtentativa eroulette gold clubsuicídio completo", diz, acrescentando que os números devem ser até "muito maiores", devido à subnotificação.

Segundo os psicólogos, cientistas sociais e enlutados pelo suicídio entrevistados pela BBC News Brasil na série Suicídio & Fé, esse fenômeno deixaroulette gold clubevidência o tabu cultural com o assunto — para o qual as religiões têm contribuído há séculos.

No passado, a Igreja Católica Apostólica Romana determinou que suicidas não recebessem os ritos funerários como outras pessoas, deixandoroulette gold clubter missasroulette gold clubsétimo dia, por exemplo.

As igrejas evangélicas, mesmo com toda aroulette gold clubdiversidade, têm como postura comum a interpretação do suicídio como um pecado, e há relatosroulette gold clubdenominações que até hoje não realizam velórios para quem se matou.

Porroulette gold clubvez, obras consideradas fundamentais no espiritismo já previam que os suicidas passariam por períodoroulette gold clubsofrimento no mundo espiritual, uma crença reforçada por livros que propagaram a crençaroulette gold clubum "Vale dos Suicidas".

O catolicismo apostólico romano (religiãoroulette gold club64,6% dos brasileiros), as igrejas evangélicas (22,1%) e o espiritismo (2%) são as religiões com mais seguidores no Brasil segundo o Censo 2010.

Mas a BBC News Brasil decidiu abordar também o judaísmo, que apesarroulette gold clubnão ter tantos adeptos quanto esses outros grupos, por anos praticou algo tão simbólico do tabu com o suicídio quanto a ala dos suicidas nos cemitérios.

O último Censo mostrou que os seguidores do judaísmo são 0,06% da população brasileira.

Scavacini afirma que há muitas evidências científicas mostrando que a religião pode ser um fatorroulette gold clubproteção contra o suicídio — por trazer experiênciasroulette gold clubcomunidade, atividades sociais e esperança, entre outros fatores.

"Masroulette gold clubalguns casos, a religião pode ser um fatorroulette gold clubrisco, especialmente se ela traz vergonha, exclusão. Se traz esse valorroulette gold clubque foi algo errado,roulette gold clubalgo moral. Isso vai trazer dor", afirma, apontando que a religião pode fazer mal para quem pensaroulette gold clubou tentou suicídio, além daqueles que perderam uma pessoa querida para o suicídio.

"As religiões têm mudado com o tempo, mas [o tabu] ainda está muito forte no imaginário popular."

O que dizem os textos judaicos sobre o suicídio

Os pesquisadores Israel Orbach e Aron Rabinowitz, que analisaram como o judaísmo encara o suicídio, afirmam que, na Bíblia hebraica (a Tanakh), não há menção direta ao suicídio — embora vários personagens expressem a vontaderoulette gold clubmorrer ouroulette gold clubfato se matem.

Essas passagens muitas vezes não são apresentadasroulette gold clubforma condenatória — pelo contrário, há casosroulette gold clubque o suicídio é visto como uma saída honrosa, como o do rei Saul, que preferiu morrer a ser aprisionado e torturado pelos filisteus.

Com o tempo, os rabinos que estudaram a Tanakh fizeram interpretações da proibição ao suicídio a partirroulette gold clubalguns trechos, como os Dez Mandamentos, importantes também para o cristianismo.

A ordem "Não matarás" está na Bíblia hebraica (a base do Antigo Testamento para os cristãos).

Orbach e Rabinowitz concluíram que, apesarroulette gold clubexistirem muitos exemplos na Bíblia hebraicaroulette gold clubhistóriasroulette gold clubque o suicídio é uma saída honrosa quando forças externas ameaçam princípios da religião, os textos que se acumularam ao longo dos séculos formam uma proibição “categórica” ao suicídio.

De acordo com a pesquisadora Ranana Dine, judia e doutorandaroulette gold clubÉtica Religiosa na Universidaderoulette gold clubChicago, o tratado Semachot é a fonte judaica mais antiga a tratar explicitamenteroulette gold clubritos funerários para suicidas.

A dataroulette gold clubpublicação desse tratado é debatida entre os pesquisadores, mas provavelmente ocorreu entre os séculos 3 e 8.

"Para um suicídio, nenhum rito deve ser observado", diz um trecho do tratado (em tradução livre).

"A regra geral é: o público deve participarroulette gold clubtudo o que for feito por respeito aos vivos; não deve participarroulette gold clubnada que seja feito por respeito aos mortos", diz, indicando reverência às pessoas que ficam e não ao suicida.

Não se sabe ao certo, porém, quando começou a separação, nos cemitérios,roulette gold clubuma ala para os suicidas. Frequentemente, ao serem colocados nessa parte, os corposroulette gold clubpessoas que se mataram ficavam longe das lápidesroulette gold clubseus familiares.

Segundo Orbach e Rabinowitz, há textos antigosroulette gold clubautoridades rabínicas determinando também que suicidas não deveriam receber ritos funerários comuns a outros judeus, como a purificação do corpo, o hábitoroulette gold clubenlutados rasgarem um pedaçoroulette gold clubsua roupa como demonstraçãoroulette gold clubdor e os sete diasroulette gold clubluto, período chamadoroulette gold clubshivá.

No final do século 19, começam a aparecer os primeiros escritos com uma abordagem mais compreensiva do suicídio, segundo a pesquisaroulette gold clubDine, que no mestrado estudou como o judaísmo e o catolicismo lidaram no passado e lidam no presente com o suicídio.

Ruben Sternschein reconhece ser difícil precisar desde quando e quão disseminada é a decisãoroulette gold clubsepultar suicidasroulette gold clubforma convencional, sem uma separação.

Isso porque, diferente por exemplo da Igreja Católica Apostólica Romana, que tem um poder centralizado — e decidiuroulette gold clubum documentoroulette gold club1983 mudar suas práticas para ritos funeráriosroulette gold clubsuicidas —, os rabinos têm relativa autonomia local.

"Não existe uma estrutura no judaísmoroulette gold clubque saia um edito e todo mundo tenha que fazer isso. É impossível. Não poderia haver uma única autoridade no judaísmo, porque o judaísmo é contrário a isso", explica o rabino, apontando que essa religião é uma "tradiçãoroulette gold clubdiscussões".

"Aparece uma interpretação que vai passando para o outro, alguém contesta essa interpretação, ou amplia essa interpretação... Assim foi o judaísmo sempre. O mais tradicional no judaísmo é a transformação, a discussão", diz Sternschein.

Ele se define como um rabino liberal, pertencendo a uma corrente mais flexível a reformas no judaísmo. Já o judaísmo ortodoxo tende a ser mais conservador quanto a mudançasroulette gold clubinterpretação sobre escrituras antigas.

Entretanto, entrevistados ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram não ter notíciasroulette gold clubque haja mais condutas diferentesroulette gold clubrelação ao enterroroulette gold clubsuicidas, independente da corrente judaica.

Ranana Dine ratifica que, atualmente, não se pratica mais a separaçãoroulette gold clubuma ala para suicidas — e ela responde que essa é uma conduta comum aos rabinos do mundo, dos mais ortodoxos aos mais reformistas.

"É bastante homogênea a percepçãoroulette gold clubque o suicídio é algo ruimroulette gold clubse fazer, por conta da perspectiva teológicaroulette gold clubque Deus tem o domínio da vida. O judaísmo é uma religião que realmente valoriza a vida", aponta Dine.

"Mas acredito que todos os rabinosroulette gold clubtodo o espectro diriam que, uma vez que um suicídio aconteceu, ele deve ser tratado com compaixão. Mesmo que haja nos livros e que haja um precedente histórico para não sepultar normalmente suicidas."

*Caso seja ou conheça alguém que apresente sinaisroulette gold clubalerta relacionados ao suicídio, ou caso você tenha perdido uma pessoa querida para o suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:

- O Centroroulette gold clubValorização da Vida (CVV), por meio do roulette gold club telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opçãoroulette gold clubconversa por chat, e-mail e busca por postosroulette gold clubatendimento ao redor do Brasil;

- Para jovensroulette gold club13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;

- Em casosroulette gold clubemergência, outra recomendaçãoroulette gold clubespecialistas é ligar para os Bombeiros ( roulette gold club telefone roulette gold club 193) ou para a Polícia Militar ( roulette gold club telefone roulette gold club 190);

- Outra opção é ligar para o SAMU, pelo roulette gold club telefone 192;

- Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centrosroulette gold clubAtenção Psicossocial (CAPS),roulette gold clubUnidades Básicasroulette gold clubSaúde (UBS) e Unidadesroulette gold clubPronto Atendimento (UPA) 24h;

- Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimentoroulette gold clubsaúde mental gratuitoroulette gold clubtodo o Brasil.

- Para aqueles que perderam alguém para o suicídio, a Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) oferece assistência e gruposroulette gold clubapoio.