'Quebrei o braço e fiquei sem dinheiro para comida': os limites da PEC das Domésticas, 10 anos depois:slot freebet 30k

O MEI garante alguns direitos como aposentadoria por idade, salário maternidades e auxílio-doença — ao qual Jocelene perdeu acesso após terslot freebet 30kperícia negada —, mas não outros previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como férias remuneradas, 13º salário, hora extra, entre outros.

Demanda histórica dos movimentosslot freebet 30ktrabalhadoras domésticas, feminista e negro, a PEC foi apresentadaslot freebet 30k2012 pelo deputado federal Carlos Bezerra (MDB/MT) e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) no ano seguinte.

Transformadaslot freebet 30klei, garantiu às domésticas direitos que os demais trabalhadores brasileiros já tinham, como o recolhimentoslot freebet 30kFGTS (Fundoslot freebet 30kGarantia do Temposlot freebet 30kServiço), limiteslot freebet 30khoras para a jornadaslot freebet 30ktrabalho, pagamentoslot freebet 30khoras extras e acesso ao seguro-desemprego.

Mas, passados dez anos – marcados por uma crise econômica, uma pandemia e mudanças demográficas no país –, o mercadoslot freebet 30ktrabalho doméstico brasileiro mudou, e muitos dos direitos conquistados com a PEC já não respondem à realidade da maior parte das trabalhadoras domésticasslot freebet 30katividade.

Há cada vez menos mensalistas, principais beneficiárias da lei, e um número crescenteslot freebet 30kdiaristas, como Jocelene. A maioria delas trabalha na informalidade, sem qualquer proteção trabalhista e previdenciária.

Atualmente, trêsslot freebet 30kcada quatro trabalhadoras domésticas no Brasil trabalham sem carteira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiroslot freebet 30kGeografia e Estatística).

E mesmo quem trabalha como MEI não está completamente protegida, como mostra o caso da faxineira que quebrou o braço e se viu sem renda.

Levantamento exclusivo feito pela LCA Consultores a pedido da BBC News Brasil revela ainda outras mudanças nesses dez anos: entre as trabalhadoras domésticas, aumentou a proporçãoslot freebet 30kmulheres mais velhas,slot freebet 30knegras (pretas ou pardas),slot freebet 30kchefesslot freebet 30kfamília e essas mulheres estão contribuindo cada vez menos para a Previdência Social.

Entenda todas essas mudanças e os desafios que elas colocam para a proteção social e trabalhista das trabalhadoras domésticas, dez anos após a aprovação da PEC das Domésticas.

'Nova Lei Áurea': a importância da PEC das Domésticas

Após 70 anos da CLT e 25 anos da Constituiçãoslot freebet 30k1988, a PEC das Domésticasslot freebet 30k2013 finalmente deu a essas profissionais direitos já assegurados para outros trabalhadores – ainda que nãoslot freebet 30kforma totalmente igual.

"Os direitos das trabalhadoras domésticas foram concedidosslot freebet 30kforma muito paulatina”, observa Cristina Vieceli, economista do Dieese (Departamento Intersindicalslot freebet 30kEstatística e Estudos Socioeconômicos)

“Na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho,slot freebet 30k1943], as trabalhadoras domésticas foram excluídas, junto com os trabalhadores rurais. E na Constituiçãoslot freebet 30k1988, foram relegados a elas somente alguns direitos”, acrescenta a pesquisadora.

Somente 30 anos depois da CLT, uma lei (Lei 5.859slot freebet 30k1972) garantiu às domésticas o direito à carteira assinada, férias remuneradas e acesso a benefícios da Previdência Social.

Maisslot freebet 30kuma década depois disso, a Constituiçãoslot freebet 30k1988 garantiu alguns direitos a mais para a categoria: salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade e direito ao aviso prévio.

“Na Constituinte, iniciamos um processo para que as trabalhadoras domésticas fossem reconhecidas tal qual os demais trabalhadores. Conseguimos algumas coisas, mas outras não conseguimos”, lembra Benedita da Silva, deputada federal (PT-RJ), que já foi um dia trabalhadora doméstica e uma das 26 mulheres entre os 559 deputados constituintes.

“A PEC das Domésticas foi chamadaslot freebet 30k‘nova Lei Áurea’ porque ela garantiu direitos que vínhamos reivindicando há muito tempo – há décadas”, lembra Luiza Batista, coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).

“Garantiu o FGTS, jornadaslot freebet 30ktrabalho, seguro-desemprego, adicional noturno, abono família, comunicaçãoslot freebet 30kacidenteslot freebet 30ktrabalho. Infelizmente, depois levou dois anos e três meses para ela ser regulamentada”, observa a liderança sindical, lembrando que a regulamentação da lei só viriaslot freebet 30kjunhoslot freebet 30k2015.

Resistência e limitações da lei

À época, a PEC sofreu forte resistênciaslot freebet 30ksetores da classe política e da classe média. Os críticos argumentavam que ela iria encarecer e burocratizar a contratação dessas trabalhadoras, gerando desempregoslot freebet 30kmassaslot freebet 30kdomésticas eslot freebet 30kmulheres que não poderiam mais contar com a ajuda dessas profissionais para o cuidado da casa e dos filhos.

Ana Luiza Nevesslot freebet 30kHolanda Barbosa, economista e pesquisadora do Ipea (Institutoslot freebet 30kPesquisa Econômica Aplicada), participouslot freebet 30kestudo que analisou os impactos da PEC anos depoisslot freebet 30ksua aprovação.

“Não encontramos resultados muito adversos, houve algum aumento da informalidade, mas não encontramos resultados tão alarmantes quanto se advogava à época”, afirma. (Veja dados sobre informalidade abaixo)

Luiza Batista destaca que, mesmo após a EC 72/2013, alguns direitos ainda são diferentes para as trabalhadoras domésticas.

Por exemplo, as domésticas só têm direito a três parcelas do seguro-desemprego, no valorslot freebet 30kum salário mínimo nacional, enquanto as demais categorias têm direito a cinco parcelas, até o teto máximo do seguro-desemprego (queslot freebet 30k2023, estáslot freebet 30kR$ 2.230.97, conforme tabela).

Outro exemplo é o atestado médico. Para os trabalhadoresslot freebet 30kgeral, após 15 diasslot freebet 30kafastamento mediante atestado, os custos salariais passam à Previdência. Já para as domésticas, caberia ao INSS pagar desde o 1º diaslot freebet 30kafastamento – o que na prática não acontece, criando um jogoslot freebet 30kempurra entre patrão e Previdência sobre quem paga.

Mesmo com essas desigualdades, Batista afirma que a PEC das Domésticas não deixaslot freebet 30kser uma grande conquista da categoria.

“Foi uma luta histórica das trabalhadoras domésticas, juntamente com o movimento feminista e o movimento negro. Dessa luta, despontam várias lideranças, como Laudelinaslot freebet 30kCampos Melo, Creuza Mariaslot freebet 30kOliveira e Luiza Batista”, observa Cristina Vieceli, do Dieese.

“Teve uma força muito grande dessas trabalhadoras domésticasslot freebet 30kassegurar que esse trabalho fosse considerado um trabalho como qualquer outro. Porque, historicamente, a doméstica era considerada como uma pessoa que 'fazia parte da família’ e que por isso não deveria receber os mesmos direitos da totalidade dos trabalhadores”, diz a economista.

“Essa noção permanece até os diasslot freebet 30khoje e tem raízes no trabalho escravo.”

O que mudouslot freebet 30k10 anos: avanço da informalidade

Em dez anos, a mudança mais marcante no mercadoslot freebet 30ktrabalho doméstico no Brasil é o avanço da informalidade.

A parcelaslot freebet 30ktrabalhadores domésticos sem carteira passouslot freebet 30k69% para quase 75% entre dezembroslot freebet 30k2013 e igual mêsslot freebet 30k2022.

A mudança se acentuou após a pandemia, mostram dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostraslot freebet 30kDomicílios) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiroslot freebet 30kGeografia e Estatística), compilados pela LCA Consultores a pedido da BBC News Brasil.

“A PEC das Domésticas teve toda uma boa intenção quando foi implementada. As pessoas que estavam mais tempo trabalhandoslot freebet 30kcasasslot freebet 30kfamília foram bastante beneficiadas. Só que o que aconteceu anos depois não estava dentro do previsto, e a tendência foi outra”, observa Bruno Imaizumi, economista especializadoslot freebet 30kmercadoslot freebet 30ktrabalho da LCA Consultores.

“A ideia era formalizar, garantir benefícios e que elas tivessem carteira assinada. Mas o que aconteceu é que tivemos duas crises após a implementação da PEC – a criseslot freebet 30k2015-2016 e a pandemia”, afirma.

O economista explica que, quando crises acontecem, as famílias perdem renda e acabam trocando funcionárias mensalistas por diaristas.

Além disso, com a pandemia, muitas pessoas passaram a trabalharslot freebet 30kesquema híbrido e, ao passar tempo maiorslot freebet 30kcasa, assumiram parte das tarefas domésticas antes desempenhados por estas profissionais.

Cristina Vieceli, do Dieese, aponta ainda um fator demográfico que contribui para a mudança: a redução das famílias numerosas e avançoslot freebet 30kfamílias pequenas eslot freebet 30kpessoas morando sozinhas também favorece a contrataçãoslot freebet 30kdiaristas,slot freebet 30kdetrimento das mensalistas.

Maria Conceição Santos Afonso,slot freebet 30k60 anos e doméstica mensalista há 20 deles, cita ainda um outro fator que explica a mudança: a busca das trabalhadoras domésticas por ganhar mais.

“Tem diarista que ganha R$ 3 mil, R$ 4 mil, e a mensalista muitas vezes não ganha tudo isso. Então elas vão pelo salário, mas se você for ver, é mais desgastante”, diz Maria Conceição.

Apesar dessa busca por maiores rendimentos,slot freebet 30kdez anos desde a aprovação da PEC das Domésticas, a renda dos trabalhadores domésticos pouco avançouslot freebet 30ktermos reais.

Em 2013, os com carteira ganhavamslot freebet 30kmédia R$ 1.460 e os sem carteira, R$ 912. Em 2022, esses valores passaram a R$ 1.495 e R$ 932.

Segundo a economista do Dieese, a renda das domésticas está muito atrelada ao valor do salário mínimo, cujos reajustes perderam força na última década,slot freebet 30kmeio à crise econômica e ao abandono, a partirslot freebet 30k2019,slot freebet 30kpolítica que atrelava o reajuste do mínimo ao crescimento do PIB.

Mais velhas, mas contribuindo menos para a Previdência

Embora a informalidade tenha aumentado, o númeroslot freebet 30ktrabalhadores domésticos no Brasil permaneceu praticamente estável nesses dez anos:slot freebet 30ktornoslot freebet 30k5,8 milhões, dos quais maisslot freebet 30k90% são mulheres. Mas o perfil destes trabalhadores mudou bastante neste período.

Em 2013, pouco mais da metade dos trabalhadores domésticos brasileiros (53%) tinham 40 anos ou mais, percentual que chegou a 65%slot freebet 30k2022.

Embora esses trabalhadores estejam pela idade mais próximos da aposentadoria, com o avanço da informalidade, eles estão contribuindo menos para a Previdência. O percentualslot freebet 30kcontribuintes caiuslot freebet 30k38,6% para 36,2% nestes dez anos, segundo os dados da Pnad do IBGE.

Com o envelhecimento dessas trabalhadoras, também cresce a parcelaslot freebet 30kchefesslot freebet 30kfamília entre elas,slot freebet 30k40%slot freebet 30k2013, para 53%slot freebet 30k2023.

O avanço da educação no país e a busca das mulheres mais jovens por outros tiposslot freebet 30ktrabalho explicam o envelhecimento das trabalhadoras domésticas, diz Vieceli, do Dieese.

“Desde os anos 2000, há uma participação menor das trabalhadoras jovens [no trabalho doméstico], porque há um acesso dessas trabalhadoras a outros postosslot freebet 30ktrabalho, onde elas têm melhor remuneração e mais direitos trabalhistas”, afirma a economista.

'Filha e netaslot freebet 30kdomésticas, rompi a corrente'

Camila Silva Passos,slot freebet 30k31 anos e moradoraslot freebet 30kBarra do Piraí, no interior do Rioslot freebet 30kJaneiro, é um exemplo dessa mudança. Com avó e mãe domésticas, ela é farmacêutica pós-graduada.

“Minha avó casou aos 22 anos e sofreu muita violência doméstica. Depois que se separou, ela criou sozinha oito filhos. Todos esses oito filhos passaram fome e necessidade. Assim, minha mãe começou a trabalhar aos 9 anos, cuidandoslot freebet 30koutras crianças”, conta Camila.

“Ela estudou até a quarta série e foi mãe solteira. Trabalhando como empregada doméstica, ela conseguiu pagar minha van para eu fazer faculdade, o que eu consegui através do Prouni”, diz farmacêutica, que conseguiu pelo programa uma bolsa integral para estudar numa universidade privada na cidade vizinhaslot freebet 30kVassouras.

Assim, ela se tornou a primeira pessoaslot freebet 30ksua família a se formar numa universidade.

“Decidi fazer o Enem para ter uma vida melhor, receber mais do que um salário mínimo e ter mais direitos. Eu queria uma coisa melhor para mim”, afirma.

Diante da queda recente na buscaslot freebet 30kjovens pelo Enem e nas inscriçõesslot freebet 30kinstituiçõesslot freebet 30kensino superior, Camila defende a importância das políticas públicasslot freebet 30keducação, para que mais pessoas como ela tenham alternativas ao trabalho doméstico.

“Os programas sociais são importantes para quebrar esse ciclo: o Sisu [Sistemaslot freebet 30kSeleção Unificada], cotas raciais, Prouni. Tudo isso facilita que nós tenhamos oportunidades que nossas mães não tiveram”, diz a farmacêutica.

Com mais mulheres buscando outras profissões, o percentualslot freebet 30kdomésticas entre o totalslot freebet 30ktrabalhadoras ocupadas recuouslot freebet 30k14,9% para 12,8%slot freebet 30kdez anos. Mas, enquanto 8,8% das brancas trabalham atualmente como domésticas, esse percentual chega a 16,4% das negras.

Camila, que como mulher preta foi na contramão dessas estatísticas, ao romper o cicloslot freebet 30ktrabalho doméstico das mulheresslot freebet 30ksua família, avalia que os dados mostram como as oportunidades são diferentes paras brancas e negras.

“Assim como todas as subocupações, o trabalho doméstico é o que resta para uma mulher negra, que está na base da pirâmide social”, diz a farmacêutica.

“Assim como tudo no Brasil, a mulher branca, mesmo sendo pobre, tem mais oportunidadeslot freebet 30ksair desse tiposlot freebet 30ksubemprego e, por exemplo, encontrar emprego numa loja.”

Desafios atuais para proteção das domésticas

Como então proteger os direitos das trabalhadoras domésticas, dez anos depois da PEC, nessa nova realidadeslot freebet 30kque há um número crescenteslot freebet 30ktrabalhadoras diaristas, sem carteira assinada; que estão ficando mais velhas, mas contribuindo menos para a Previdência? E onde as desigualdades raciais e baixa remuneração persistem, apesar dos avanços na educação das mulheres?

Aqui, não há respostas fáceis, segundo os entrevistados, mas um consenso entre os especialistas éslot freebet 30kque é preciso avançar na proteção dos trabalhadores informaisslot freebet 30kforma geral,slot freebet 30kmeio ao avanço da automação e das novas tecnologias.

Para Luiza Batista, da Fenatrad, é necessário também aprofundar as conquistas da PEC das Domésticas, igualando os direitos conquistados aos dos demais trabalhadores – como no caso do seguro-desemprego e do atestado médico.

Para que haja melhora na remuneração dessas profissionais, ela também defende que mais Estados avancemslot freebet 30kconvenções coletivasslot freebet 30ktrabalho para trabalhadoras domésticas, a exemplo do que já acontece hojeslot freebet 30kSão Paulo.

Também são prioridades para a categoria uma maior ofertaslot freebet 30kcreches,slot freebet 30kescolasslot freebet 30ktempo integral e a retomada do TDC (Trabalho Doméstico Cidadão), programa criadoslot freebet 30k2006, que oferecia elevação da escolaridade, qualificação profissional e formaçãoslot freebet 30klideranças sindicais.

Para Batista, apesarslot freebet 30kser uma alternativa para contribuição à Previdência para as trabalhadoras sem carteira, o MEI não é a solução ideal para a formalização dessas trabalhadoras, queslot freebet 30kgeral não têm característicasslot freebet 30kempreendedoras.

“Tem patrão usandoslot freebet 30kmá-fé e inscrevendo a trabalhadora no MEI para se desobrigar dos encargos sociais eslot freebet 30kpagar salários, férias, 13º”, afirma Batista.

“E ela não sabe que tem que fazer relatório anual para a Receita Federal, pode acabar se complicando, contraindo uma dívida, por não ter consciênciaslot freebet 30kque, ao se inscrever no MEI, ela vira uma pessoa jurídica.”

Para Maria Conceição, doméstica mensalista há 20 anos na mesma casa, é preciso também fazer cumprir os direitos previstos na PEC das Domésticas.

“Há 20 anos, qual era o direito da empregada doméstica? Nenhum. Ela saía [de um trabalho] como ela entrou, com as mãos vazias”, diz a doméstica.

“Hoje nós temos direito ao INSS, ao Fundoslot freebet 30kGarantia, ao seguro-desemprego. Tudo isso foi uma conquista grande para a gente. E nós temos que continuar na luta, porque eu fico triste quando vejo companheira nossa trabalhando três dias numa mesma casa e o patrão não assina a carteira dela. Ainda tem muito patrão que não cumpre a lei.”