Proclamação da República: por que historiadores concordam que monarquia sofreu um 'golpe':beto esporte

"A proclamação foi um golpebeto esporteuma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo", disse à BBC News Brasil o empresário Luiz Philippebeto esporteOrleans e Bragança, tataranetobeto esporteD. Pedro 2º, o último imperador brasileiro, e militante do movimentobeto esportedireita Acorda Brasil.

Em 2018, ele recebeu 118.457 votos no Estadobeto esporteSão Paulo e se elegeu deputado federal pelo PSL, então partidobeto esporteJair Bolsonaro, também eleito presidente naquele ano.

"Quando há ilegitimidade na proclamaçãobeto esportequalquer modelobeto esportegoverno, não se consegue estabelecer autoridade e, dessa forma, não se tem ordem. É exatamente isso que aconteceu na República: removeram o monarca e, no momento seguinte, foi um caos", completa Orleans e Bragança, justificando a partir da história os solavancos recentes da democracia brasileira.

O processobeto esporteimpeachment da presidente Dilma Rousseff (PT),beto esporte2016, deu novo gás ao movimento pró-monarquia, impulsionado pelas redes sociais e pela presençabeto esportegrupos monarquistas nas manifestações contra o governo petista, entre 2015 e 2016 — muitos deles, empunhando bandeiras do Brasil Império.

Um movimentobeto esporteelites

A ideiabeto esporteque a Proclamação da República foi um "golpe" é engrossada pelo historiador José Murilobeto esporteCarvalho, que escreveu um livro sobre os períodos monárquico e republicano do Brasil: O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).

Um dos intelectuais mais respeitados no país, Murilo também admite que é possível discutir a legitimidade do processo, como reivindicam os monarquistas atuais.

"Para se sustentar (a reivindicaçãobeto esportelegitimidade da proclamação), ela teria que supor que a minoria republicana, predominantemente compostabeto esportebacharéis, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, alunos das escolas superiores, além dos cafeicultores paulistas, representava os interesses da maioria esmagadora da população ou do país todo. Um tanto complicado", avalia.

Aindabeto esporteacordo com Murilo, não apenas foi um golpe, como ele não contou com a participação popular, o que fortalece o argumentobeto esporteilegitimidade apresentado pelos atuais monarquistas. Para ele, a distância da maior camada da população das decisões políticas é um problema que perdura até hoje.

"Embora os propagandistas falassembeto esportedemocracia, o pecado foi a ausênciabeto esportepovo, não só na proclamação, mas pelo menos até o fim da Primeira República. Incorporar plenamente o povo no sistema político é ainda hoje um problema da nossa República. Pode-se dizer que as condições do país não permitiram outra solução e que os propagandistas eram sonhadores. Muitos realmente eram", conta.

Monarquia como opçãobeto esporteregime político?

Especialista no período, o jornalista e historiador Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do "golpe". Para ele, no entanto, o debate sobre a legitimidade da República é sobre "quem legitima o quê", o que está ligado ao processobeto esporteconsolidaçãobeto esportequalquer regime político.

"O termo 'legitimidade' é muito relativo. Depende do que se considera o instrumento legitimador da nossa República. Se ele for o voto, ela não é legítima, porque o Partido Republicano nunca teve apoio nas urnas. Agora, se considerar esse instrumento a força das armas, foi um movimento legítimo, porque foi por meio delas que o Exército consolidou o regime", diz.

Para Laurentino, a questão envolve a luta pelo direitobeto esportenomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideiabeto esporte"proclamação" e nãobeto esporte"golpe".

"O que aconteceubeto esporte1889,beto esporte1930 ebeto esporte1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Dependebeto esportequem legitima o quê. O movimentobeto esporte1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revoluçãobeto esporte1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.

Para o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdadebeto esporteFilosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidadebeto esporteSão Paulo (USP), é possível, sim, falarbeto esportegolpe na fundação da República. Já questionarbeto esportelegitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível.

"Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhadobeto esportereformas democratizantes e inclusivas", explica.

Segundo José Murilobeto esporteCarvalho, é possível afirmar que a proclamação foi obra quase totalmente dos militares, assim como conta o jornalista Laurentino Gomesbeto esporteseu livro 1889.

"Só poucos dias antes do golpe é que líderes civis foram envolvidos", explica Murilo. Para o professor Marcos Napolitano, porém, o fatobeto esporteter sido uma minoria a responsável por derrubar a monarquia não retira do movimento abeto esportelegitimidade.

"Qualquer processo político está ligado à capacidadebeto esporteminorias ativas ganharem o apoiobeto esportemaiorias, ativas ou passivas, e neutralizarem outros grupos que lhes são contra. Nem sempre um processo político que começa com uma minoria ativa redundabeto esportefaltabeto esportedemocracia. Esta é a medidabeto esportelegitimidadebeto esporteum processo político. Muitos processos políticos democratizantes, que mudaram a história mundial, começaram assim. O que não os eximebeto esporteserem processos muitas vezes traumáticos e conflitivos", explica Napolitano.

Orleans e Bragança expressa uma alternativa que já existe há algum tempo entre um grupo restritobeto esportehistoriadores. O mais militante deles é o professor Armando Alexandre dos Santos, da Universidade do Sulbeto esporteSanta Catarina (Unisul).

Frequentemente convidado pela Casa Real para palestras e eventos, ele é amigo pessoalbeto esporteD. Luiz Gastãobeto esporteOrleans e Bragança - que seria o imperador do país caso fosse uma monarquia - desde os anos 1980.

Para Santos, a República representou a instauraçãobeto esporteuma ditadura jamais vivida até então no Brasil.

"Foi uma quarteladabeto esporteuma minoria revoltosabeto esportemilitares que não teve nenhum apoio popular. A própria proclamação foi um showbeto esporteindecisões: Deodoro da Fonseca, por exemplo, só decidiu proclamá-la porque foi pressionado pelos membros do seu grupinho que precisavambeto esporteum militarbeto esportepatente para representá-los. Foi, acimabeto esportetudo, um modismo, uma imitação servil dos EUA", argumenta.

Santos, no entanto, não encontra apoio parabeto esportetese na maior parte da academia. Para os historiadores ouvidos pela BBC News Brasil, o retorno à monarquia não está definitivamente no horizonte político do país.

"O plebiscitobeto esporte1993 (para determinar a formabeto esportegoverno do país) mostrou que há sólida maioria favorável à República, apesar das trapalhadas do regime. Fora do Carnaval, a imagem predominante da monarquia ainda é abeto esporteregime retrógrado", afirma José Murilobeto esporteCarvalho, seguido por Gomes.

"Em um momentobeto esportediscussão da identidade nacional, se somos violentos ou pacíficos, corruptos ou transparentes, vamosbeto esportebuscabeto esportemitos fundadores. Um deles é D. Pedro, que era um homem culto e respeitado. Esse movimento monárquico atual é freudiano. É a buscabeto esportepai que resolva tudo sem que a gente se preocupe", finaliza.

*Esta reportagem foi originalmente publicadabeto esporte15beto esportenovembrobeto esporte2017.