Cultura machista faz com que vítimas365 win betestupro não reconheçam violência, diz psicóloga:365 win bet

  • Camilla Costa
  • Da BBC Brasil365 win betSão Paulo
Protesto contra violência sexual365 win betBrasília

Crédito, Reuters

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Cultura machista faz com que homens "normais" que cometem violência não se enxerguem como agressores, diz Scarpati

Não existe o "grande monstro estuprador". Na maioria dos casos365 win betviolência sexual, os perpetradores são considerados "homens normais", que não acham que cometeram um ato violento. Mas o que exatamente eles pensam?

É o que investiga a brasileira Arielle Sagrillo Scarpati,365 win bet28 anos, que faz doutorado365 win betpsicologia forense na Universidade365 win betKent, na Inglaterra.

"Quando você olha a literatura sobre o tema, observa que a maioria dos casos365 win betestupro são cometidos por agressores que não têm nenhuma patologia. A gente tem essa noção365 win betque o estuprador é um monstro, um psicopata. Mas na verdade esses homens são o que chamamos365 win betnormais,365 win betgeral tidos como pessoas boas, salvo raras exceções. Isso sempre me chamou muito a atenção", disse à BBC Brasil.

Scarpati tenta entender o que faz com que pessoas que cometem violência sexual não reconheçam seus atos como violentos. E aponta valores culturais e os "mitos do estupro", tanto no Brasil quando na Inglaterra, como os principais responsáveis.

"A maioria das pessoas acha que estupro envolve o monstro, o beco escuro, a mulher jogada no chão ensanguentada. Por isso,365 win betmuitos dos casos, a própria vítima não reconhece o que sofreu como violência."

Segundo a pesquisadora, uma cultura machista também dificulta o acolhimento das vítimas pela polícia britânica, que enfrenta críticas365 win betculpabilização da vítima semelhantes à brasileira.

Confira os principais trechos da entrevista:

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365 win bet BBC Brasil: Quais são as principais diferenças e semelhanças que você encontrou entre Brasil e Inglaterra quando se trata365 win betviolência sexual?

365 win bet Scarpati: Enquanto no Brasil há uma cultura machista mais geral, que abarca qualquer faixa etária, aqui na Inglaterra o fenômeno parece mais forte nas universidades, que é o que eles chamam365 win bet"lad culture".

Para fazer parte365 win betum grupo na universidade e ser considerado um bom membro, é preciso fazer certas coisas. Isso inclui muita bebida e, frequentemente, abusar365 win betmulheres365 win betfestas. Há uma quantidade365 win betviolência sexual altíssima e muitos desses casos não são reportados. Isso dá a impressão365 win betque a violência sexual ocorre menos.

Tanto na Inglaterra quanto no Brasil a polícia ainda não está preparada para acolher bem essas vítimas. Aqui os casos andam mais rápido, os serviços funcionam melhor, mas o acolhimento inicial ainda é ruim.

Trabalhei como voluntária365 win betum centro365 win betacolhimento365 win betvítimas aqui365 win betCanterbury e muitas me diziam que preferiam não denunciar para não terem que ouvir perguntas como "que roupa você estava usando?", "será que você não provocou?" e "você vai denunciar mesmo, não quer voltar para casa e pensar melhor?'".

Por outro lado, o debate a respeito do assunto acontece há mais tempo por aqui e existe um sistema um pouco mais bem estruturado para dar assistência à vítima e tratamento ao agressor. Eu vejo muito, por exemplo, uma preocupação com o tratamento dos agressores - o que, infelizmente, a gente ainda negligencia no Brasil.

Além disso, aqui há diferenças culturais como menor desigualdade365 win betgênero, índices menores365 win betviolência e maior participação feminina no mercado, que se refletem na maneira como a violência é perpetrada aqui. Por exemplo: você nao vê - ou vê raramente - mulheres sendo "puxadas pelo braço ou pelo cabelo"365 win betuma festa, ou cantadas nas ruas.

365 win bet BBC Brasil: A comoção causada pelo caso da adolescente estuprada por diversos homens no Rio pode significar que a sociedade brasileira esteja menos tolerante à violência sexual?

365 win bet Scarpati: A gente está começando a olhar para o fenômeno da violência sexual agora. Ainda não enxergamos muito do que acontece.

Quando você tem casos envolvendo menores, tem a atenção das pessoas. Quando há casos envolvendo muita brutalidade, eles também chamam a atenção do público365 win betmodo geral, despertam indignação.

Mas para além desses casos, que envolvem grupos muito particulares, temos uma série365 win betcasos365 win betviolência que acontecem cotidianamente. E nós negligenciamos tanto a vítima quanto os diferentes tipos365 win betagressores.

Esse caso agora é definitivamente fora da curva. A violência contra a mulher no Brasil tem uma roupagem muito diferente. São principalmente mulheres que são vítimas365 win betviolência e sequer são capazes365 win betnomear como violência aquilo que elas vivenciaram.

365 win bet BBC Brasil: A lei brasileira considera que quaisquer "atos libidinosos" não consentidos são crime365 win betestupro. Por que existe essa dificuldade365 win betreconhecer a violência sexual365 win betsuas diversas formas?

365 win bet Scarpati: Porque a gente tem uma ideia na cabeça sobre o que é violência sexual, quem é o agressor e quem é a vítima.

São estereótipos que chamamos365 win bet"mitos365 win betestupro": o agressor é um monstro, a vítima é aquela que estava andando sozinha pelo beco escuro à noite, é atacada e deixada no chão ensanguentada ou é aquela que estava se vestindo365 win betmaneira tida como vulgar, que estava bêbada ou que "provocou".

Qualquer coisa que fuja desse padrão a gente tem muita dificuldade365 win betreconhecer. Por isso,365 win betmuitos dos casos, a própria vítima não reconhece o que sofreu como violência e o agressor também não reconhece.

É comum que as pessoas não entendam como violência sexual uma situação365 win betestupro dentro do casamento, por exemplo. Mas o que caracteriza o estupro é ausência365 win betconsentimento. Se a mulher está com o marido e diz não, mas ele força e o sexo acontece, isso é estupro.

Não interessa se os dois foram para o motel, se estavam pelados. Se a mulher diz: 'não, para'. E o homem continua, isso é estupro. Mas muitos não acreditam.

E isso não é algo apenas dos homens. Homens e mulheres acreditam nesses mitos e os endossam.

365 win bet BBC Brasil: O caso da adolescente no Rio gerou discussões, especialmente nas redes sociais, sobre o papel dos homens no combate ao que se chama365 win betcultura do estupro. Qual você acha que deve ser este papel?

365 win bet Scarpati: Se um homem não enxerga como violência e se posiciona diante365 win betuma piada sexista,365 win betum comportamento machista,365 win betum colega que diminui uma mulher, está indiretamente contribuindo para esta cultura365 win betviolência.

Há pesquisas aqui no departamento na Universidade365 win betKent que mostram uma relação entre aceitar piadas sexistas e concordar com "mitos do estupro".

E também há pesquisas mostrando que pessoas que concordam com mitos365 win betestupro têm mais chances365 win betvir a cometer algum tipo365 win betviolência. Não é uma relação direta365 win betcausa, mas é uma correlação. São coisas que caminham juntas.

Por isso defendo que não é uma questão365 win betpatologia. Por causa365 win betum ambiente muito propício - um caldo365 win betnormas e365 win betvalores,365 win betdiscursos e práticas - as pessoas passam a naturalizar e legitimar determinados tipos365 win betcomportamento365 win betrelação à mulher.

Quando há algo que você considera muito errado e você faz, você entra num debate consigo mesmo. Cognitivamente, você precisará entrar num acordo com365 win betconsciência. Mas se a365 win betação não é tida como equivocada, você não precisa lidar com a consciência. Faz e segue365 win betfrente.

365 win bet BBC Brasil: Se na maioria das vezes não é um caso365 win betpatologia, como você diz, o que passa pela cabeça365 win bethomens que cometem atos365 win betviolência sexual?

365 win bet Scarpati: Sabemos que,365 win betmaneira geral, a maioria dos agressores carregam uma hostilidade contra mulheres e365 win betalguma maneira apoiam "mitos365 win betestupro".

Segundo as teorias mais aceitas atualmente: agressores geralmente trazem dentro365 win betsi o sexismo ambivalente, os "mitos365 win betestupro" e o que chamamos365 win bet"crença num mundo justo".

A "crença num mundo justo" é a ideia365 win betque coisas ruins acontecem com pessoas ruins e coisas boas acontecem com pessoas boas. Então, cada um só tem o que merece. Isso é algo que ajuda a deixar esses homens tranquilos com aquilo que fizeram.

Outra coisa é o que chamamos365 win bet"sexismo ambivalente". Ele tem uma face mais agressiva - a ideia365 win betque mulher não presta,365 win betque, se provoca o homem, merece apanhar mesmo e365 win betque vale menos que o homem - e uma face benevolente - a ideia365 win betque a mulher é a rainha do lar,365 win betque é frágil e365 win betque o papel do homem é cuidar dela.

Arielle Scarpati

Crédito, Arquivo pessoal

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Arielle Scarpati: "Esse caso agora é definitivamente fora da curva. A violência contra a mulher no Brasil tem uma roupagem diferente."

Essa face benevolente tem uma cara muito bonita, mas o problema com isso é que o homem, ao pensar assim, continua diminuindo a mulher. Ao dizer que ela é frágil, sensível e delicada, ele também está dizendo que ela não é capaz365 win betfazer as próprias escolhas e que quando ela diz não, ela não sabe muito bem o que está dizendo.

Também está dizendo que o papel do homem é fazer as escolhas da mulher por ela. E que, se ela não tiver o comportamento365 win betprincesa esperado, ele pode puni-la por isso.

O sexismo ambivalente dá margem a achar que a mulher deve se comportar365 win betdeterminada forma: delicada, frágil, feminina, quieta.

Se alguma mulher não se comporta desse jeito, não merece cuidado. Assim, é mais fácil agir365 win betmaneira agressiva com uma mulher que não se encaixa nesse padrão365 win betmulher ideal. Por isso é frequente ouvir o discurso365 win bet"se ela não se comportasse365 win bettal maneira, isso não teria acontecido".

365 win bet BBC Brasil: Alguns dos suspeitos do crime disseram nas redes sociais que a garota teria pedido para ter relações sexuais com os homens, ainda que aparentasse não estar completamente consciente no vídeo. Seu perfil no Facebook também vem sendo criticado por referências a sexo e drogas. Que importância estas informações tem na compreensão sobre o que é estupro?

365 win bet Scarpati: Quando a gente fala365 win betviolência sexual tudo gira365 win bettorno da potencial vítima ou da vítima365 win betsi. A gente pensa na roupa que ela usando, no passado dela, se ela provocou ou não, se ela disse não claramente, se ela estava sob efeito365 win betdrogas.

Em nenhum momento, paramos para discutir porque não estamos focando nas ações do agressor, ou nos homens365 win betmodo geral.

Se ela estava sob efeito365 win betdrogas, o homem precisa entender que ela não está 100% consciente e não é capaz365 win betconsentir365 win betverdade um ato. Se ela está alcoolizada, não tem condições365 win betdizer sim ou não claramente.

Ao invés365 win betdizermos aos meninos: "se a menina estiver alcoolizada, ao invés365 win betlevá-la para a cama, você chama um táxi e a leva pra casa". Ao invés365 win betdizermos: "sexo envolve pessoas365 win betplena razão para consentir que aconteça", tiramos toda a responsabilidade do homem e colocamos na mulher.

Ela tem que estar sã, consciente, capaz365 win betdizer não e, mesmo quando diga não, tem que ser capaz365 win betfugir ou365 win betreagir se isso não for respeitado.

Esse tipo365 win betestratégia (de falar do comportamento da vítima) é muito eficaz. É por isso que se continua utilizando até hoje, no Brasil e aqui na Inglaterra também. Uma série365 win betcasos que foram para a Justiça tiveram exatamente esse argumento: ela bebeu, ela provocou, ela não gritou, não reagiu.

E a vítima é submetida a outra forma365 win betviolência: é desacreditada durante todo o processo. Para fechar com chave365 win betouro, o agressor é absolvido.