Quem são os policiais que querem a legalização das drogas e o fim da violência na corporação:blaze download celular

Policiais que se dizem "antifascistas" são contrários à militarização da segurança pública

Crédito, AP

Legenda da foto, Policiais que se dizem "antifascistas" são contrários à militarização da segurança pública

"O que me levou a despertar foi tentar entender que mundo era esse. Percebi o comportamento dos meus colegas e isso foi me angustiando. Queria saber por que se transformavam naquilo", diz França, que então decidiu fazer mestrado e doutoradoblaze download celularSociologia.

"Procuramos que a PM se reencontre com as instituições democráticas."

Anderson Duarte é tenente e criou o site Policial Pensador

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Anderson Duarte é tenente e criou o site Policial Pensador

Para fazer esse debate, o grupo se organiza há alguns anos pela internet eblaze download celulareventosblaze download celularassociações como a Leap (agentes da lei contra a proibição das drogas). Um dos sites que concentra essa discussão, o Policial Pensador, teve 200 mil visualizações desde que entrou no ar,blaze download celular2014. Criada pelo tenente Anderson Duarte, do Ceará, a página reúne artigos sobre temas como redução da maioridade penal.

Duarte,blaze download celular33 anos, diz que a convergência dessas ações nos últimos anos foi provocada pelo maior acesso dos profissionaisblaze download celularsegurança à educação e pelo fortalecimentoblaze download celularum discurso conservador, que gerou a necessidadeblaze download celularum contraponto.

"Muitos pares têm pensandoblaze download celularforma diferente e faltava um espaço para discussão. Sempre partimos do pontoblaze download celularque não existe democracia sem polícia, e aí perguntamos: que polícia nós queremos?"

Guerra às drogas

Um dos principais tópicos discutidos por esse grupo é o combate ao tráficoblaze download celulardrogas. Para eles, esses confrontos provocariam muitas mortes e seriam ineficazes.

"Não se tratamblaze download celularações contra as drogas, que são inanimadas, mas contra as pessoas. A polícia brasileira é a que mais mata e a que mais morre no mundo. Temos númerosblaze download celularguerra", diz Duarte, que também é doutorandoblaze download celularEducação.

Caminho para acabar com a guerra ao tráfico seria legalizar as drogas, dizem policiais

Crédito, EPA

Legenda da foto, Caminho para acabar com a guerra ao tráfico seria legalizar as drogas, dizem policiais

A guerra às drogas estaria ligada à militarização das instituições, diz o delegado e diretor do Leap Orlando Zaccone.

De acordo com ele, seguindo a lógica militar, a polícia é voltada para embates e precisa estabelecer um inimigo: o traficante. Zaccone questiona a prioridade que o Estado dá a um crime que, pela lei, não ameaça à vida.

"O tráfico é o crime que mais encarcera mulheres e o que deixa mais tempo preso hoje. E isso é estranho, porque não tem vítima (na legislação). O que se defende na lei é um bem jurídico, uma questãoblaze download celularsaúde pública. A importância que dão a ele tem a ver com a militarização, que precisablaze download celularum oponente para se manter."

Militarização

Um dos caminhos apontados por Duarte e Zaccone para acabar com o conflito é a legalização das drogas, com venda e uso regulamentados pelo governo. No entanto, dizem, para chegar ao cerne do problema - a desmilitarização - é necessária uma mudança profunda: rever o papel da polícia. Do viésblaze download celularrepressão, ela deveria passar para oblaze download celularproteção e mediação.

O capitão Fábio França afirma que a origem da polícia brasileira está no século 19, quando foi usada para reprimir revoltas contra o Império.

O casamento entre polícia e Exército se consolidou na Constituiçãoblaze download celular1934, quando a primeira passa a ser subordinada ao último. Na ditadura, os policiais militares, que atuavam só no casoblaze download celulardistúrbios civis, saíram dos quartéis e foram para o dia a dia das ruas.

De acordo com os entrevistados, a lógica militar,blaze download celularcombate e aniquilação do adversário, ajudaria a explicar o comportamento violentoblaze download celularpoliciais.

Para grupo, é preciso rever o papel da polícia,blaze download celularrepressora para mediadora

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Para grupo, é preciso rever o papel da polícia,blaze download celularrepressora para mediadora

Tais ideias, no entanto, não são consenso. Para José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da Polícia Militar e ex-secretário Nacionalblaze download celularSegurança, a proximidade com o Exército é necessária para manter uma estruturablaze download celularcontrole e disciplina.

Uma polícia desmilitarizada, pondera, poderia se corromper com mais facilidade.

"Uma estruturablaze download celularcontenção é importante para quem está sujeito a muito estresse no dia a dia profissional."

Treinamento

Outro tema questionado por esses policiais é o treinamento.

França, que estuda a formação desses profissionais, diz que os recém-chegados têm dois currículos: o formal, que inclui direitos humanos, e o "oculto", com práticas que têm mais força. O discurso progressista, afirma, fica na teoria numa rotinablaze download celularxingamentos e castigos.

"A pedagogia militar incute um processoblaze download celularque a humilhação é a tônica central, alunos apanham dos instrutores. Os policiais não veem o que é direitos humanos porque não têm seus direitos respeitados."

Segundo levantamentoblaze download celular2014, realizado pelo Fórum Brasileiroblaze download celularSegurança Pública, Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacionalblaze download celularSegurança Pública, 28% dos policiais ouvidos afirmaram ter sido "vítimablaze download celulartorturablaze download celulartreinamento ou fora dele" e 60% narraram situaçõesblaze download celulardesrespeito ou humilhação por superiores.

Para entrevistados, treinamento militar tem humilhação como tônica central

Crédito, Tomaz Silva/ Agência Brasil

Legenda da foto, Para entrevistados, treinamento militar tem humilhação como tônica central

Para João*, sargento da Polícia Militar do Ceará, ao viverem sob esse regulamento estrito, os policiais querem reproduzi-lo com os civis.

"Quando privamblaze download celularliberdade por causablaze download celularuma farda amarrotada oublaze download celularum atraso, você transfere essa lógica para a sociedade. Acha que a população tem que ser subserviente a você. Nossa formação é voltada para guerra - existe nós e os inimigos. E às vezes são os cidadãos que juramos defender."

Na contramão desse pensamento, o coronel José Vicente considera que deve haver pressão nos exercícios, porque eles preparam os profissionais para uma rotinablaze download celularmedo.

"O treinamento para lidar com estresse não é feito com PowerPoint. Tem que colocar sob estresse para o agente saber lidar com as circunstâncias."

Entretanto, o ex-secretárioblaze download celularsegurança pondera que é preciso melhorar as relações entre chefes e subordinados, impedindo lideranças muito autoritárias.

Sangue nos olhos

Segundo esses policiais, a imagemblaze download celularviolência que o treinamento e a atuação da polícia geram atrai pessoasblaze download celularperfil agressivo, que desejam usar a farda para exercer essa brutalidade.

O investigador da Polícia Civil da Bahia Denilson Neves,blaze download celular47 anos, diz que precisou acalmar os ânimos várias vezes, quando estava participandoblaze download celulardiligências, porque "as pessoas estavam com sangue nos olhos".

Neves, que é militanteblaze download celularesquerda há 30 anos, afirma que parte dos recém-chegados tem uma visão equivocada da profissão.

"Eles entram para fazer justiça com as próprias mãos. Reprimir e matar têm sido a lógica da polícia e muitos vão lá porque identificam com a ideia."

Para os entrevistados, também há influênciablaze download celularum discurso conservador, que estaria se expandindo no Brasil, sobre esses profissionais. Como uma esquerda que renega o policial, diz o delegado Orlando Zaccone, seções ligadas à direita ganham adeptos.

Delegado Orlando Zaccone é hare krishna e autorblaze download celularlivros sobre segurança pública

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Delegado Orlando Zaccone é hare krishna e autorblaze download celularlivros sobre segurança pública

"Os policiais têm pouca ou nenhuma atenção das esquerdas. Quando a direita aparece e diz que ninguém cuida da vida dos policiais, que são heróis, tem uma recepção grande."

O sargento João falablaze download celularum "glamour" que existe na militarização. Setores mais tradicionalistas, afirma, acham que as organizaçõesblaze download celularsegurança vão dar alguma "pureza moral" para o país.

"Teria vergonhablaze download celularalguém querer tirar foto comigo (em um protesto), porque não seria pela minha missãoblaze download celularproteger a sociedade. Seria pelo uso da força."

Há 15 anos na PM, João diz que, por ser ter uma visão crítica, é hostilizado pelos colegas.

O policial conta que virou persona non gratablaze download celulargrupos no WhatsApp e tem suas postagens no Facebook ridicularizadas. Num dos posts, ele reprova a açãoblaze download celularPMs acusadosblaze download celularcometer uma chacina para vingar a morteblaze download celularum amigo.

"Todos disseram 'como você faz isso? O cara (assassinado) era paiblaze download celularfamília'. E as famílias dos meninos mortos não estão sofrendo, não? Sou visto como uma anomalia. Muitos dizem que sou um lixo."

Para inspetor, selfies com policiais valorizam apenas uso da força

Crédito, PMSP

Legenda da foto, Para inspetor, selfies com policiais valorizam apenas uso da força

Casos como esse não se restringem à PM. A escrivã Cecilia*, da Polícia Civilblaze download celularSão Paulo, conta que, ao fazer qualquer questionamento, é considerada inocente.

"Existe uma ideiablaze download celularque há um inimigo dentro da sociedade. E, a meu ver, a função éblaze download celularproteção."

Para Cecilia,blaze download celular41 anos, é difícil para seus superiores compreenderem isso.

"Quando digo que não quero uma polícia opressora, respondem que estou fazendo carinhoblaze download celularbandido."

Convencimento

Com tantos empecilhos eblaze download celularmenor número, os policiais desses grupos buscam influenciar os companheirosblaze download celulartrabalho aos poucos.

Antes das operações, o investigador Denilson Neves, da Bahia, pergunta aos colegas: "o que ganhamos ao tirar a vidablaze download celularalguém?".

"Um ou outro policial pode fazer essa reflexão crítica, o que destrói a possibilidadeblaze download celularfazerem algo no automático."

Além do boca a boca, o grupo se organiza para entrar num debate amplo sobre esses temas - e atrair simpatizantes. Parteblaze download celularseus integrantes negocia a publicaçãoblaze download celularum livro.

Inspetor no Rio, Hildebrando Saraiva diz que instituição não precisa ser violenta

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Inspetor no Rio, Hildebrando Saraiva diz que instituição não precisa ser violenta

O primeiro passo para a mudança, afirmam, é acelerar a profissionalização do policial como um agente protetor. Para eles, um PM deveria ser especialistablaze download celularnegociaçãoblaze download celularconflitos, e nãoblaze download celulartécnicasblaze download celularguerra.

"A polícia sempre será um instrumentoblaze download celularmanutenção da ordem, mas não significa que seja reacionária ou fascista. Ela vai continuar defendendo a vida e a propriedade privada, mas não precisa ser no paublaze download celulararara", afirma o inspetor da polícia civil do Rioblaze download celularJaneiro Hildebrando Saraiva, 35 anos.

"A ideia é criar métodos modernos e democráticos."

O objetivo proposto, explica o delegado Orlando Zaccone, é aproximar a corporação das pessoas e buscar mais independência do poder político, o que exige mudar o entendimento do Estado sobre segurança.

Longe dos ideiais almejados, os policiais do grupo se dizem otimistas.

"Acho que vivemos um momentoblaze download celulartransição. Se você comparar com 20 anos atrás, melhorou muito. Até tem gente rejeitando imagensblaze download celularchacina no WhatsApp", conta o inspetor Neves.

*Os nomes foram substituídos a pedido dos entrevistados