Estado e fé: STF permite ensino confessionalcassino com pixreligião nas escolas:cassino com pix

Bíblia com crucifixo

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Legenda da foto, Procuradoria-geral da República diz que permissãocassino com pixensino religioso deve ser mais restrita, para evitar favorecimentocassino com pixreligiões mais poderosas

Atualmente, a Leicassino com pixDiretrizes e Bases da Educação Nacional prevê que as escolas ofereçam obrigatoriamente o ensino religioso para crianças. No entanto, a disciplina é facultativa, e os alunos só participam se eles (ou seus responsáveis) manifestarem interesse.

Mesmo assim, a Procuradoria-Geral da República argumentou que, por não determinar se as aulas podem ser confessionais (ligadas a uma confissão religiosa) ou não, a lei dá espaço para que predomine o ensino da religião católica nas escolas municipais e estaduais - o que violaria o princípiocassino com pixque o Estado é laico.

Mas no julgamento, que começoucassino com pixagosto e foi retomado nesta quarta-feira, seis ministros da Corte (Alexandrecassino com pixMoraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia) entenderam que a laicidade do Estado não significa que ele deve atuar "contra" religiões, mesmo nas instituições públicas.

A favor do pedido da PGR votaram Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio Melo e Celsocassino com pixMello.

No "votocassino com pixMinerva", Cármen Lúcia argumentou que não via, nas leis brasileiras, autorização para o proselitismo e para o catequismo nas escolas. Ao mesmo tempo, disse também não ver proibiçãocassino com pixque se ofereça ensino religioso orientado por princípioscassino com pixuma denominação específica.

Ela afirmou, no entanto, que todos os ministros estãocassino com pixacordo com "a condiçãocassino com pixEstado laico do Brasil, a liberdadecassino com pixcrença, a importância da tolerância, a pluralidade das ideias e a garantia da liberdadecassino com pixexpressão e manifestação".

O debate pôs,cassino com pixum lado, associações católicas e evangélicas e,cassino com pixoutro, órgãos tão díspares quanto a Federação das Associações Muçulmanas e a Liga Secular Humanista do Brasil.

Limites

Na primeira sessão do julgamento, Barroso (que é relator da ação), Fux e Weber concordaram com o argumento da Procuradoriacassino com pixque o ensino religioso, mesmo que facultativo, pode expor crianças a constrangimentos, caso elas escolham não frequentar as aulas, por exemplo.

Esta também é a posição da maior parte das associaçõescassino com pixeducadores, ONGscassino com pixdireitos humanos e congregações religiosas que pediram para que seus argumentos fossem ouvidos pelo tribunal.

"Defendemos que o STF estabeleça limites negativos à presença do ensino religioso nas escolas públicas, limites do que não pode ser", disse à BBC Brasil Denise Carreira, relatora nacionalcassino com pixDireitos Humanos da Plataforma Brasileiracassino com pixDireitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHesca), ligada à Unesco (órgão da ONU para a educação, ciência e cultura).

"Entre outros, que não podemos ter matrícula automática na aulacassino com pixreligião, que hoje é o casocassino com pixmuitas redescassino com pixensino. A família que não quer tem que passar por um procedimento longo para tirar a criança. Também defendemos que o ensino religioso não pode ser oferecidocassino com pixhorárioscassino com pixdisciplinas obrigatórias - aulas no meio período, por exemplo. Muitas escolas fazem isso para forçar a barra."

Para Carreira, o STF deveria ir mais longe. Alémcassino com pixdefinir o tipocassino com pixensino religioso que deve ser oferecido às crianças, também deveria discutir se este deve ser custeado pelo poder público, como a lei atual permite. "No momentocassino com pixque o país está, com a dificuldade da implementação do Plano Nacionalcassino com pixEducação por faltacassino com pixrecursos, não tem cabimento investir dinheiro públicocassino com pixensino religioso", afirma.

Túlio Vianna, professor da faculdadecassino com pixdireito da UFMG, advogado que representa a Liga Humanista Secular do Brasil (LHiS) - que congrega pessoas sem religião (como agnósticos e ateus) -, acredita que ação da PGR buscava,cassino com pixcerto modo, corrigir uma contradição dentro da própria Carta Magna.

"Ao prever o ensino religioso, a Leicassino com pixDiretrizes e Bases da Educação quase prevê uma exceção dentro da regra da laicidade do Estado. Então isso precisa ser interpretadocassino com pixforma restritiva. Ou o Estado financia uma espéciecassino com pixcatecismocassino com pixsalacassino com pixaula ou oferece uma disciplina que daria ao aluno uma visão geral das várias religiões. Sem proselitismo. Isso nos parece maiscassino com pixacordo com a visão que a Constituiçãocassino com pix1988 consagrou", disse à BBC Brasil.

Do outro lado, o advogado da Conferência Nacionalcassino com pixBispos do Brasil (CNBB), Fernando Neves, enfatiza que a Igreja Católica - defensora do ensino confessional - não quer necessariamente um "catecismo" nas escolas públicas.

"Defendemos o ensinocassino com pixtodas as religiões, como a Constituição diz. Por exemplo, aulascassino com pixreligião na sexta-feira, no último horário. As crianças manifestariamcassino com pixpreferência e as próprias congregações religiosas se encarregariam, como parceiras das escolas,cassino com pixmandar seus representantes voluntariamente para dar aula", disse à BBC Brasil.

"Pode-se falar da história e dos valores das religiõescassino com pixaulascassino com pixhistória e filosofia, sem privilegiar nenhuma delas. Mas ensino religioso é aprimoramentocassino com pixdeterminada fé. Claro que a CNBB quer que todo mundo tenha aula da religião católica, mas admite que possam existir pessoas que queiram religiões africanas, das evangélicas, do judaísmo."

No Censo 2010, 64,6% dos brasileiros se declararam católicos e 22,2% protestantes (o que inclui igrejas evangélicas tradicionais, pentecostais e neopentecostais). Mas também há espíritas, testemunhascassino com pixJeová, seguidorescassino com pixreligiõescassino com pixmatriz africana como candomblé e umbanda, budistas, judeus, muçulmanos, baha'í, seguidores do Santo Daime e outros.

Como garantir que todas elas possam estar representadas, mesmo sob demanda, na grade curricular?

"Reconheço que essa dificuldade possa existir, mas dependecassino com pixas congregações mandarem as pessoas para as escolas. Dificilmente elas terão todas essas aulas, mas dependecassino com pixcada região. Na Bahia, por exemplo, onde há influência maior das religiões africanas, pode ter mais aulas delas. Ou até uma disciplina interconfessional,cassino com pixcurrículo combinado entre duas religiões", sugere Neves, da CNBB.

"Não posso imaginar que isso fomente a discriminação e, sim, ensine a tolerância. Se você tem seis classes no mesmo horário, cada um indo para onde quiser, isso ajuda. Quem não quiser vai jogar bola, vai para casa mais cedo."

Crianças rezandocassino com pixsalacassino com pixaula

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Legenda da foto, Associações cristãs defendem que ensino confessional ensina valores morais a crianças, mas juristas temem aumento da intolerância

Quem paga?

A ideiacassino com pixque as escolas públicas consigam manter diversas aulascassino com pixreligiões diferentes, no entanto, é vista como utópica por outros especialistas.

"Nossas escolas já não têm salas suficientes para todo mundo. Imagine se no dia do ensino religioso tiver pelo menos cinco ou sete aulas diferentes? E como será o pagamento desse pessoal se for pelo poder público? Continuamos dizendo que o melhor lugar para a defesa do ensino religioso é na sociedade civil. As igrejas têm televisões, Twitter, têm as famílias, as igrejas, os templos", disse à BBC Brasil Carlos Roberto Jamil Cury, professor da PUC-Minas, ex-membro do Conselho Nacionalcassino com pixEducação e um dos principais especialistas legislação educacional no país.

Já Túlio Viana, da Liga Humanista, diz que seria impossível, a rigor, manter o ensino religioso sem o dinheiro do contribuinte.

"Mesmo com parcerias, as aulas não seriam gratuitas. Há o aluguel do prédio público, eletricidade, água, limpeza, estrutura onde as aulas serão dadas. O Estado acaba pagandocassino com pixqualquer forma. Isso viola a laicidade do Estado", afirma.

Cury relembra que a Leicassino com pixDiretrizescassino com pixBases da Educaçãocassino com pix1996,cassino com pixseu artigo 33, deixava claro que o ensino religioso nas escolas fundamentais poderia ser confessional,cassino com pixacordo com as preferências dos alunos ecassino com pixsuas famílias, mas que ele não deveria ser custeado pelos cofres públicos.

Sete meses depois, no entanto, o artigo foi alterado e deixoucassino com pixmencionar tanto o ônus ao poder público quanto o ensino confessional. Atualmente, ele diz apenas que é proibida qualquer formacassino com pixproselitismo religioso e que o conteúdo das aulas e as normas para a admissão dos professores devem ser regulamentados pelos sistemascassino com pixensino.

Com essa mudança, diz o especialista, abriu-se o espaço para que municípios e Estados pagassem a conta dessas disciplinas - e as oferecessem da maneira como quisessem.

"Eu estava no Conselho Nacionalcassino com pixEducação na época. Não conseguimos dar orientações aos Estados e municípios, então ficou livre para que eles assumissem ou não esse ônus. Em muitos Estados, já havia uma tradição vinda do regime militarcassino com pixremunerar os professorescassino com pixreligião", diz.

Catolicismo 'e outras'

Hoje, segundo Cury, a maior parte dos Estados brasileiros custeia aulascassino com pixreligião nas escolas públicas -cassino com pixmuitos casos, disciplinas ligadas a uma religião específica, geralmente cristã.

Soma-se a isso o fatocassino com pixque,cassino com pix2010, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano (Decreto 7.107/2010), que previa o "ensino católico, aberto também a outras confessionalidades" para crianças do ensino fundamental. A ação da PGR também pedia que o STF considerasse esta parte do acordo inconstitucional.

"O acordo assinado do Brasil com o Vaticano é inferior, superior ou igual à Leicassino com pixDiretrizes e Bases? Eu acredito que é inferior. A Constituição está acimacassino com pixum acordo assinado com uma só denominação religiosa", afirma o jurista.

Mas para o presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), Uziel Santana dos Santos, professor da Universidade Federalcassino com pixSergipe, seria "ingratidão" impedir o ensino confessional nas escolas.

"Entendemos que,cassino com pixprimeiro lugar, o ensino público foi criado no país historicamente a partir do século 16 com a chegada dos primeiros jesuítas, ou seja, por cristãos. No século 19, houve as primeiras escolas protestantes. É uma certa ingratidão histórica querer extirpar do ensino público o ensino religioso", disse à BBC Brasil.

Santos acredita que não deve haver privilégiocassino com pixnenhuma religião, mas admite que professores cristãos podem acabar sendo contratados com mais frequência nas escolas.

"O IBGE diz que maiscassino com pix90% da população é cristã. Então o recrutamento das religiões que representam o povo brasileiro estaria decidido aí. Não estou dizendo que só haveria professores cristãos, mas isso não seria problema, porque reflete a demografia do povo brasileiro."

"Mas não seria difícil encontrar professores para religiões minoritáriascassino com pixtodos os municípios do país?", indaga a reportagem. "É difícil achar professores para outras disciplinas também", responde o jurista.

"Se numa próxima Assembleia Constituinte se decidir extirpar o ensino religioso, é possível. Mas não foi esse o modelo aprovadocassino com pix1988. Nesse sentido, nós precisamos resgatar a estabilidade do texto constitucional."

Cerimôniacassino com pixreligião afro-brasileira

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Legenda da foto, Segundo especialistas, tem aumentado os episódioscassino com pixdiscriminação religiosacassino com pixescolas, especialmente com religiões africanas

Intolerância

De acordo com Carlos Roberto Cury, no entanto, o que estavacassino com pixjogo no julgamento do STF era uma questão anterior à pergunta sobre "quem paga" pelas aulascassino com pixreligião nas escolas municipais e estaduais.

"Esse debate é um termômetro do nível da sociedade brasileiracassino com pixtolerância ao diferente. E esse nível está muito baixo", afirma. Segundo ele, houve um aumentocassino com pixepisódioscassino com pixintolerância religiosa entre criançascassino com pixescolas públicas nos últimos anos.

Até mesmo a Grande Loja Maçônica do Riocassino com pixJaneiro (GLMRJ) pediu para participar do processo, motivada por episódioscassino com pixintolerância contra religiões africanas no Estado.

"Maçonaria não é religião. Por isso, não tem nenhum posicionamento favorável ou contrário a qualquer religião. Mas maçonaria defende as liberdades, e se posiciona contrária a qualquer preconceito e intolerância religiosa. O Estado é laico e deve permanecer laico", disse à BBC Brasil o coronel da PM Ubiratan Angelo, mestre maçom, espírita kardecista e membro da comissão permanentecassino com pixdireitos humanos da GMLRJ.

Para Vianna, da Liga Humanista, a ideiacassino com pixseparar os alunos do ensino fundamentalcassino com pixturmascassino com pixreligiões diferentes, mesmo que pontualmente, também pode ser um estímulo à intolerância.

"Temos que pensar que tipocassino com pixsociedade queremos construir. Um modelocassino com pixque a convivência religiosa só é possível com a separação ou um modelocassino com pixque as crianças aprendem desde cedo que existe uma diversidadecassino com pixcrenças e que elas podem conviver?", indaga.

"Com um precedente desses, podemos começar a ter conflitos religiosos que não tínhamos."

O debate do STF não incluiu as escolas privadas. O próprio ministro Barroso, relator da ação no tribunal, disse na primeira sessão que "as escolas privadas podem estar ligadas a qualquer confissão religiosa, o que é legítimo".