‘Vivo melhor no Capão Redondo do que nos EUA’:betsul e ame


Pouco tempo antesbetsul e amemudar para o Brasil, Jordan vivenciou a experiência que agora usa para comparar os dois lugares: ao sair da festabetsul e ameum amigo durante uma madrugada, precisou pararbetsul e ameuma rua vazia após uma pane do veículo que dirigia. Em vezbetsul e ametentar consertá-lo ou sair para pedir ajuda, Jordan preferiu dormir dentro do veículo até o dia amanhecer. "Se eu saísse do carro talvez não estivesse aqui agora."
Negros americanos
Apesarbetsul e ameter passado a infância e a adolescênciabetsul e amePlainfield, Jordan Fields nasceubetsul e ameNewark, também no subúrbio do estadobetsul e ameNova Jersey, a 20 minutosbetsul e ameJersey City e 40 minutos da Times Square, no coraçãobetsul e ameNova York.
A cidade é conhecida nos Estados Unidos pela rebeliãobetsul e amejulhobetsul e ame1967, quando, após um taxista afro-americano ser agredido por dois policiais sem que tivesse cometido crime algum, as ruas foram tomadas por negros revoltados que desconheciam o paradeiro dele (ou do seu corpo). Naquele momento, a luta pela igualdadebetsul e amedireitos no país estavabetsul e ameseu auge.

O episódio ficou marcado como um dos mais tensos da história da luta racial no país: 26 pessoas morreram após quatro diasbetsul e ameconfronto entre civis e o Exército - e um número não oficial indica que, desses, 16 eram moradores negros. "Todos os brancos saíram da cidade e não voltaram nunca mais", conta Jordan.
Um dos rebeladosbetsul e ameNewark era o seu pai, que, na ocasião, chegou a ser atingido por um tirobetsul e ameraspão na cabeça disparado por um soldado. A históriabetsul e ame1967 foi contada exaustivamente por ele até abetsul e amemorte,betsul e amejunhobetsul e ame2014. Ao jornal The New York Times, o líder do movimento negrobetsul e ameNewark à época, Robert Curvin, mortobetsul e ame2015, disse que o conflito foi "a coisa mais dolorosa e traumática que ele viu na vida".
Jordan, dabetsul e ameforma, também se rebelou: formadobetsul e ameHistória pela New Jersey City University, foi contratado como professor substitutobetsul e ameuma escolabetsul e ameensino médio da periferiabetsul e amePlainfield. Acreditou que poderia ajudar a mudar o destino dos meninos negros contando-lhes sobre o que representavam os episódiosbetsul e ame1967 e a própria história dos afro-americanos que havia culminado nos protestos. Não teve êxito.
"Os meninos precisam passar por um 'batismo' nas gangues afro-americanas para provar que são homens. É algo que remete à africanidade deles: na África, são comuns rituais que marcam uma passagem da vida", compara.

"Lembro especialmentebetsul e ameum aluno meu que foi assassinado por uma gangue rival: ele era um menino bom, estava sempre com o sorriso no rosto, não era um criminoso. Um dia, voltandobetsul e ameuma aula a que ele tinha faltado, passeibetsul e ameuma rua e vi a polícia isolando o corpo dele na calçada", lamenta.
Hoje, as cidadebetsul e amePlainfield está lidando com um grande conflito entre negros e latinos, que desde os anos 1980 migrarambetsul e amemassa à costa leste dos EUA. Segundo dados do governobetsul e ameNova Jersey, 19% da população do Estado é hispânica - na maioria salvadorenhos, guatemaltecos e mexicanos. Assim comobetsul e ameLos Angeles, na Califórnia, foi nessa época que nasceram gangues violentas como a Mara Salvatrucha (MS-13), que passaram a brigar pelos territórios com os grupos ali já estabelecidos pelos negros, como os Bloods e Crips.
"Duas minorias se matando. É um absurdo", lamenta Jordan. Em 2009, ele criou,betsul e ameparceria com um amigo o grupo "Negros Americanos", que tentava unir latinos e negros na periferiabetsul e ameNova Jersey cantando rapsbetsul e ameespanhol.
Apesar da dificuldadebetsul e ameaprender o idioma, o simbolismobetsul e amever um negro cantando um estilo musical identificado com o cotidiano periférico negro dos EUAbetsul e ameum idioma hispânico atraiu a atenção da cidade. Conseguiu a façanhabetsul e ameter entradas entre os dois grupos e chegou a abrir shows para rappers famosos como Naughty By Nature, Redman e Styles P.

"Em Plainfield, todo mundo quer ser rapper ou jogadorbetsul e amebasquete. São os clichês. Quando os caras me viam rimandobetsul e ameespanhol, eles falavam: 'Pô, isso aí é diferente'", conta. O projeto chegou a levá-lo ao Panamá, onde passou um ano estudando o idioma e organizando showsbetsul e amerap na periferia da Cidade do Panamá, alémbetsul e ameproduzir um documentário sobre a guerra entre negros e latinosbetsul e amePlainfield.
O trem
Jordan não sabe se foi um sonho ou um fato que lhe apresentou o Brasil. Certo dia, um brasileiro perdido na página "Negros Americanos" do Facebook lhe enviou o vídeobetsul e ame"Negro Drama", clássico do grupo paulistano Racionais MC's, pedindo para que ele gravasse uma versão própria. Disse ainda que o trabalho delebetsul e amePlainfield tinha muitas semelhanças com o que acontecia nas periferias das grandes cidades brasileiras.
"Eu só não tenho certeza se essa conversa existiu. Eu a procurei muito no histórico do Facebook, mas nunca a encontreibetsul e amenovo. Às vezes, realmente acredito que foi algo do destino para eu chegar aqui, que esse diálogo nunca aconteceu."
Como já sabia falar espanhol, Jordan passou a estudar português ouvindo rap brasileiro - os próprios Racionais MC's, Sabotage e Facção Central -, alémbetsul e amealgumas influências que chegavam ocasionalmente, como um disco do Trio Mocotó que caiubetsul e amesuas mãos. No finalbetsul e ame2015, ele atendeu ao pedido e postou uma pequena versãobetsul e ameportuguêsbetsul e ame"Negro Drama"betsul e ameseu perfil no YouTube.

À época, Jordan já namorava à distância a fotógrafa e também rapper Lena Silva, uma das líderesbetsul e ameum coletivo negro do Capão Redondo. Eles se conheceram quando ele procurava movimentos semelhantes ao seu no Brasil. "Ela teve muita paciência me ensinando português pelo Facebook e, para mostrar a ela que eu estava realmente empenhado, comecei a gravar os vídeos". Em janeiro do ano passado, eles se casaram, meses depoisbetsul e amesua chegada ao Brasil e, enfim,betsul e ameconhecê-la pessoalmente.
Em abrilbetsul e ame2016, quando ainda viviabetsul e amePlainfield, Jordan publicou outra músicabetsul e ameportuguês na plataforma: "O Trem", clássico do rap brasileiro gravado pelo RZObetsul e ame1999. Ao contrário da primeira, porém, ele queria não apenas cantar, mas produzir um clipe alternativo.
Copiando o vídeo original,betsul e ameque os membros do grupo brasileiro registraram imagens do cotidiano dentro e fora dos trens que passam por Pirituba, bairro periférico da zona oestebetsul e ameSão Paulo, a versãobetsul e ameJordan tem cenas filmadas por ele mesmobetsul e ameNewark, à beira da ferrovia, cujo cotidiano é preenchido por pobreza e violência.
"Minha intenção era mostrar como, longe da ideia encantada que os brasileiros têm dos EUA, a vida lá também pode ser muito complicada. Principalmente para os negros", diz.
Para Helião, um dos membros do RZO, a gravaçãobetsul e ameJordan reproduziu com perfeição o processobetsul e ameprodução da própria música. "Na época que fizemos 'O Trem' estávamosbetsul e ameuma batalha pesada para sermos rappers. Essa música tem muito sofrimento, suor, sangue mesmo, e eu acho que ele sentiu essa força", diz.

"Quando eu vi pela primeira vez achei demais: um negro bonito, dreads no cabelo, mostrando a linha do trem. A música é muito forte mesmo, cara", completa.
A versãobetsul e ame"O Trem"betsul e ameJordan explodiu na cena hip-hopbetsul e ameSão Paulo: tinha 201 mil visualizações até janeiro e lhe rendeu uma fama que, agora que vive aqui, chega a incomodar. "É meu vídeo mais assistido no YouTube, mas é complicado: vou fazer shows aqui ebetsul e amealgum momento os caras me pedem pra cantar a música, mas não quero ficar marcado só por ela", completa.
Inglês na quebrada
No ano passado, quando já trabalhavabetsul e amealgumas escolasbetsul e ameinglês da zona sulbetsul e ameSão Paulo e dava aulas particularesbetsul e ameempresas, Jordan conheceu o coletivo Desenrola Não Me Enrola, no Jardim Ângela, formado por jornalistas que tentam produzir reportagens sobre a periferia da cidade com visões diferentes das dos grandes jornais.
Já no primeiro encontro surgiu a ideiabetsul e ameJordan elaborar um cursobetsul e ameinglês para os moradores da região, que se transformoubetsul e amerealidadebetsul e ameagosto do ano passado. Ao custobetsul e ameR$ 65 por mês, ele encerrou a primeira turma no finalbetsul e ame2017 com 25 alunos que se encontram duas vezes por semana na sede do coletivo, no Centrobetsul e ameMídia e Comunicação Popular M'boi Mirim, na zona sul da cidade.
"Quando o curso começou, eram 40 pessoas. Muitas delas saíram porque tinham que trabalhar, estudar etc.", conta Lena. "Houve até quem conseguiu emprego por causa do inglês que aprendeu nas aulas", completa Jordan.

"O curso tem uma perspectiva diferente dos comuns: não se trata apenas do estudobetsul e ameinglês, masbetsul e ameaprender o idioma a partirbetsul e amerodasbetsul e ameconversa sobre questões que envolvem o cotidiano do periférico, usando a experiência dele nos EUA como negro e, claro, como periférico", comenta o jornalista Ronaldo Matos, editorbetsul e ameconteúdo do Desenrola Não Me Enrola.
Neste ano, o projeto deve ganhar uma novidade: a presençabetsul e ameativistas do movimento negro dos Estados Unidos para rodasbetsul e ameconversabetsul e ameinglês com os alunos. Jordan quer mais: ao ladobetsul e ameLena, formou o grupobetsul e amerap "UmSoh", que já lançou a música "A Periferia Pede Socorro" no ano passado. O vídeo no YouTube, gravado no Capão Redondo, tem 9 mil visualizações. Novas canções devem ser lançadas neste ano.
"Também quero criar codornas", conta Jordan, e antes que a surpresa da reportagem da BBC Brasil se torne uma nova pergunta, ele emenda: "Para quem nunca teve nada, ter meu lugar para viver aqui e para criar minhas codornas já é um paraíso".




