Intervenção no Rio: Procuradoria diz que mandado coletivo pressupõe que moradoresbet charlesbairros pobres são 'naturalmente perigosos':bet charles

  • André Shalders - @shaldim
  • Da BBC Brasilbet charlesSão Paulo
Militarbet charlesfavela
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Militar do Exército nesta terça-feira na Favela Kelson's, na Penha, zona norte do Rio | Foto: Fernando Frazão/Ag. Brasil

bet charles Na última segunda-feira, o decreto da intervenção federal na segurança pública do Rio rendeu uma vitória política muito importante ao Palácio do Planalto. Foram 340 votos favoráveis na Câmara dos Deputados - até deputadosbet charlespartidosbet charlesoposição, como PDT, PSB e Rede, apoiaram a proposta. E na noite desta terça, o Senado aprovou definitivamente a medida.

Mas há um lugar a poucos metros do Congresso no qual a iniciativabet charlesMichel Temer (MDB) não foi tão bem recebida: a Procuradoria-Geral da República (PGR).

No começo da noite desta terça-feira, a procuradora Deborah Duprat distribuiu aos colegas um texto no qual faz críticas duras ao decreto, anunciado pelo governo na última sexta-feira. Ela é a chefe da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

A peça é uma "nota técnica conjunta", assinada por Duprat e mais três procuradores, incluindo a coordenadora da 2ª Câmara do Ministério Público Federal (que trata da área criminal), Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.

Quatro pontos chamaram a atenção dos procuradores, mas as críticas mais duras foram ao ministro da Defesa, Raul Jungmann. No começo da semana, ele defendeu o usobet charlesmandadosbet charlesbusca e apreensão "genéricos", isto é, destinados a várias casasbet charlesuma mesma rua, bairro ou favela.

"Na realidade urbanística do Riobet charlesJaneiro, você muitas vezes sai com uma busca e apreensão numa casa, numa comunidade, e o bandido se desloca. Então, você precisa ter algo que é exatamente o mandadobet charlesbusca e apreensão e captura coletiva, que já foi feitobet charlesoutras ocasiões. Ele precisa voltar para uma melhor eficácia do trabalho a ser desenvolvido tanto pelos militares como pelas polícias", disse.

Para a chefe da Procuradoria dos Direitos do Cidadão, porém, o procedimento é "ilegal".

Ministro Raul Jungmann
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Raul Jungmann (centro,bet charlesóculos escuros) deve voltar a comentar o assunto no começo da tardebet charleshoje | Foto: Tânia Rego/Ag. Brasil

"Mandadosbet charlesbranco, conferindo salvo conduto para prender, apreender e ingressarbet charlesdomicílios, atentam contra inúmeras garantias individuais, tais como a proibiçãobet charlesviolação da intimidade, do domicílio", diz o texto.

Segundo os procuradores signatários da nota, os mandados contra os moradoresbet charlesbairros e comunidades seriam uma medida discriminatória. A ideiabet charlesum mandadobet charlesbusca coletivo, diz eles, "faz supor que há uma categoriabet charlessujeitos 'naturalmente' perigosos e/ou suspeitos,bet charlesrazãobet charlessua condição econômica e do lugar onde moram".

Além disso, algumas autoridades teriam defendido violações aos direitos humanosbet charlesentrevistas à imprensa, dizem os procuradores. Acesse a íntegra da nota aqui.

"Os signatários desta nota técnica não a podem concluir sem manifestarbet charlesperplexidade com as declarações atribuídas ao Comandante do Exército (general Eduardo Villas Bôas), no sentidobet charlesque aos militares deveria ser dada 'garantia para agir sem o riscobet charlessurgir uma nova Comissão da Verdade', e ao ministro da Justiça (Torquato Jardim), o qual,bet charlesentrevista ao jornal Correio Braziliense, fez uso da expressão 'guerra'", diz o texto.

"Guerra se declara ao inimigo externo. No âmbito interno, o Estado não tem amigos ou inimigos. Combate o crime dentro dos marcos constitucionais e legais que lhe são impostos", conclui.

Deborah Duprat
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Deborah Duprat chefiará a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão até maio deste ano | Foto: Ag. Brasil

O decretobet charlesintervenção federal estábet charlesvigor desde que foi assinado, na sexta-feira passada. A medida significa que o controle da segurança pública no Rio passa a ser do general do Exército Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste.

A intervenção federal está prevista para durar até o dia 31bet charlesdezembro deste ano. Polícia Militar, Civil, Bombeiros e administração dos presídios estão sob controlebet charlesNetto.

Suavização

Nesta terça, o ministro Torquato Jardim (Justiça) suavizou as declaraçõesbet charlesRaul Jungmann sobre a necessidadebet charlesmandadosbet charlesbusca coletivos.

Segundo ele, pode ser que algumas operações precisembet charlesbuscasbet charlesvários locais, mas nãobet charlesforma indiscriminada.

Torquato Jardim
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Torquato Jardim (Justiça) tentou amenizar as declaraçõesbet charlesRaul Jungmann | Foto: Wilson Dias/Ag. Brasil

"Não há mandado coletivo. Há mandadobet charlesbusca e apreensão, que conforme a operação, se dedicará a um número maiorbet charlespessoas", disse Jardim.

"O mandadobet charlesbusca não pode ser genérico, isso a Constituição não permite (...). Portanto, esses mandadosbet charlesbusca e apreensão conterão um número maior ou menorbet charlespessoasbet charlesrazão do objetivo do inquérito que estará sendo realizado", disse ele.

A reportagem da BBC Brasil falou com a assessoriabet charlesimprensabet charlesRaul Jungmann na noite desta terça-feira, mas não foi possível obter comentários do ministro.

O titular da Defesa deve abordar o assunto novamente nesta quarta-feira, após um evento marcado para as 14h30,bet charlesBrasília.

Outras preocupações

Além dos mandados genéricos, há outros três pontos da intervenção que são apontados como motivobet charlespreocupação pelos procuradores signatários da nota técnica:

Jungmann na Câmara
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Jungmann (centro) esteve na Câmara na noite da votação do decreto, na segunda | Foto: Ag. Brasil

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- bet charles O decreto não especifica quais ações serão tomadas, e fixa um prazo longo demais. A Constituição, dizem os procuradores, manda que intervenções deste tipo sejam feitas com "amplitude, prazo e condições" já definidas no decreto. A peça feita pelo Planalto "não cumpre com essa exigência". A proposta tratariabet charles"competências genéricas" do general Braga Netto, sem detalhar "as providências específicas que serão adotadas".

- bet charles O texto aprovado no Congresso diz que Braga Netto "não está sujeito" às leis estaduais do Rio que entrarembet charlesconflito com o cumprimento dos objetivos da intervenção. Para Duprat e seus colegas, Braga Netto precisa cumprir também as leis locais, integralmente,bet charlesmodo a respeitar o Poder Legislativo do Rio e a separaçãobet charlesPoderes. A "imunidade" às leis estaduais "violenta um dos pilares do regime democrático e abre grave precedente", dizem os procuradores.

- bet charles Para os procuradores, o general Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste, atuará como um interventor civil, e seus atos devem ser julgados (se for o caso) pela Justiça comum, não pela Justiça Militar. A própria intervenção deve ser considerada civil, e não militar. "Qualquer interpretação que tente vincular o exercício da funçãobet charlesinterventor com o desempenhobet charlesfunção estritamente militar será inconstitucional", diz a nota técnica.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão é o braço do Ministério Público que existe para representar os cidadãos frente aos órgãos públicos, protegendo direitos individuais e também aqueles chamadosbet charles"direitos coletivos" e "difusos", isto é, que dizem respeito a grande númerobet charlespessoas.

Soldados na favela Kelson's, Zona Norte do Rio
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Para os procuradores, as falas 'colocam sob suspeita os propósitos democráticos' da intervenção | Foto: Fernando Frazão/Ag. Brasil

Deborah Duprat foi nomeada para a chefia do órgão por Rodrigo Janot, antecessorbet charlesRaquel Dodge no comando do Ministério Público Federal. Ela foi também vice-procuradora-geral na gestãobet charlesRoberto Gurgel (2009-2013).

A reportagem da BBC procurou Duprat por meio da assessoriabet charlesimprensa na noite desta terça-feira, mas não conseguiu contato com ela.

Tiroteio

A peça assinada por Duprat é a primeira manifestação oficial do Ministério Público Federal sobre a intervenção federal no Riobet charlesJaneiro. Mas desde que o tema começou a ser discutido, vários procuradores já fizeram críticas à iniciativa do Palácio do Planalto nas redes sociais.

"Se essa autorização (dos mandadosbet charlesbusca) for dada, será bom usá-la tambémbet charlesbuscas coletivas nas avenidas Paulista e Luís Carlos Berrini,bet charlesSP, na avenida Vieira Souto, no Rio, e no Lago Sul,bet charlesBrasília. Afinal, a lei é para todos", escreveu o procurador Wellington Saraiva no Twitter, citando endereços nobresbet charlesRio, São Paulo e Brasília.

"Imaginem um mandadobet charlesbusca e apreensão genérico no setorbet charlesmansõesbet charlesBrasília para combater a corrupção. Não dura duas horas antes do STF (Supremo Tribunal Federal) cassar. Se não vale para os ricos, não vale para os pobres", argumentou um procurador da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, no Facebook.