'Não dá para culpar militares se intervenção no Rio der errado', diz ministra do Superior Tribunal Militar:estrela bet

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"A Justiça Militar é uma Justiça civil também. E é uma Justiça muito dura, muito rigorosa", afirma.
A magistrada é uma das cinco civis entre os 15 ministros da corte penal, que julga cercaestrela bet1,2 mil processos por ano.
Confira os principais trechos da entrevista:
estrela bet BBC Brasil - Você foi a primeira mulherestrela bet205 anos a tornar-se juíza do Superior Tribunal Militar e também a primeira a presidi-lo. Qual o impacto que você acha que teve no STM?
estrela bet Maria Elizabeth Rocha - Acho que minha principal contribuição foi levar o olhar da diferença e da alteridade para um plenário que é predominantemente masculino - como o ambiente da caserna também é.
A importância que tenho é levar minhas decisões jurídicas, que são técnicas, com meu olharestrela betmulher, que eu faço questão que prevaleça. Afinal, fui escolhida para fazer a diferença numa sociedade que ainda é sexista.
Também pesa o fatoestrela beteu ser uma civil. Não que seja melhor ou pior, mas é um olhar diferente. Temos um tribunal com magistrados civis e militares. O que eu acho proveitoso nessa composição é que os militares trazem para nós a experiência que têm da caserna e nós trazemos o nosso saber jurídico.

estrela bet BBC Brasil - Qual é a principal dificuldade que você enfrenta como juíza civilestrela betum tribunal militar?
estrela bet Rocha - Nosso código éestrela bet1969, e a Constituição éestrela bet1988. Eu acho que há vários dispositivos do código militar que foram revogados pela Constituiçãoestrela bet88 e ainda continuamestrela betvigor, porque não existe uma reforma legislativa eficiente para se expurgar dessa legislação uma sérieestrela betprincípios eestrela betnormas anacrônicas. E não se tem muita vontade, no Congresso,estrela betdiscutir o Direito Militar.
O Direito Militar, por exemplo, também não concede a progressãoestrela betregime - o condenado tem que cumprir a pena integralestrela betregime fechado, não interessa o tipoestrela betcrime. Mas se até para os crimes hediondos o Supremo entendeu que deve existir a progressãoestrela betregime, porque no Direito Militar não teria?
A questão dos direitos sexuais também está muito defasada. O estupro, que hoje adquiriu uma definição muito mais ampla que apenas a conjunção carnal entre homem e mulher, ainda é tipificado no nosso código dessa forma antiga. Até o ano passado, a Lei Maria da Penha era inaplicável à Justiça Militar, porque ela mescla questões cíveis - como as medidas protetivas - com questões penais.
Hoje já podemos julgar agressões domésticas quando praticadas por militar contra militar, mas não podemos aplicar as medidas protetivas, que sãoestrela betnatureza cível, já que somos apenas um tribunal penal. Então,estrela betcasos como esses, a mulher militar fica desprotegida.
estrela bet BBC Brasil - As Forças Armadas são consideradas um meio ainda conservador e machista. No entanto, você encampou a defesa dos direitos das mulheres e dos homossexuais desde que ingressou no STM. Acredita ter conseguido avançar no tema?
estrela bet Rocha - Acho que os avanços são significativos. Hoje a antiga política norte-americana do "Don't ask, don't tell" ("Não pergunte, não conte",estrela bettradução livre) que predominava nas Forças Armadas brasileiras acabou. A pessoa tem direito a assumir aestrela betidentidade e a não ser perseguida por causa disso.
Eu acho que quando eu iniciei essas discussões, há 11 anos, ainda existia uma resistência muito grande. Era uma resistência silenciosa, que é o pior tipo, porque você não tem como debater.
Mas eu me lembro que julguei o casoestrela betum oficial que era homossexual assumido e teve um problema sério. Antigamente, eles eram excluídos da Força, perdiam o posto e a patente por "indignidade". Eu fiz um longo voto, e não consegui mantê-lo na ativa, Mas ele não foi excluído, foi colocado na reserva compulsória remunerada.
Eu me lembro que fui acompanhada no meu voto vencido por um almirante. Um só. Mas considerei aquilo uma vitória. Os direitos civis são conquistados com muita luta. Ninguém te dá o direitoestrela betpresente, você tem que lutar por ele.
estrela bet BBC Brasil - O que exatamente a Justiça Militar pode julgar?
estrela bet Rocha - O artigo 9º do Código Penal Militar especifica todas as situaçõesestrela betque o crime éestrela betnatureza militar. Falandoestrela bettermos gerais, os crimes militares são aqueles que ofendem a administração militar e as Forças Armadas mesmo se aplicadas por civis. Por isso, nossa competência abarca não só militares contra militares ou militares contra civis, mas até civis contra civis.

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estrela bet BBC Brasil - Como vê a intervenção militar no Rioestrela betJaneiro?
estrela bet Rocha - Eu não vou discutir se a decisão política do Poder Executivo foi acertada ou não. Ela foi feita dentro dos parâmetros constitucionais - porque a nossa Constituição prevê e autoriza a intervenção federal e, como cidadã, espero que ela dê resultado.
Mas, para isso, precisa haver um planoestrela betintervenção que não seja simplesmente colocar as Forças Armadas nas ruas para combater a criminalidade. É preciso que haja comunicação entre as polícias e as Forças Armadas para conseguir salvar o Rioestrela betJaneiro.
estrela bet BBC Brasil - Alguns especialistas criticaram a faltaestrela betestratégias prévias à decisão da intervenção militar. O próprio general Braga Netto, nomeado como interventor, disse, ao assumir o posto, que agora começará o planejamento. A decisão foi apressada, emestrela betopinião?
estrela bet Rocha - Eu acho que a situação no Rioestrela betJaneiro é tão calamitosa que esse planoestrela betintervenção já deveria estar sendo gestado há algum tempo no governo federal, se é que a intervenção é a melhor resposta. Éestrela betse estranhar que ainda não haja plano.
Como todo cidadão brasileiro, eu estou aguardando pra ver. Vai ter que haver investimento, capacitação, porque a segurança pública acabou no Rio. Só acho que depois não dá para culpar os militares se não der certo. Os militares estão subordinados ao poder civil.
estrela bet BBC Brasil - Mas o interventor nomeado para o Rio é um militar. Não vai ser difícil para as pessoas não culparem os militares se algo der errado?
estrela bet Rocha - Pois é. Mas o militar cumpre ordens. Esse planoestrela betintervenção tem que virestrela betcima para baixo. Eles estão lá para cumprir a missão, mas é preciso dizer especificamente qual é a missão. Porque a missão não é sair com um fuzil no meio da rua e barbarizar o cidadão, não é sair com o fuzil e subir o morro.
Eu sempre fui contra as GLO (operaçõesestrela betGarantia da Lei e da Ordem, que permitem a atuação das Forças Armadas na segurança pública, excepcionalmente,estrela betmomentosestrela betgrave perturbação da ordem).
Sempre achei que o papel das Forças Armadas não é oestrela betcapitão do mato,estrela betfazer segurança pública. As Forças Armadas têm uma missão completamente diferente, estão lidando com a soberania do Estado. Defendem fronteiras, trabalhamestrela betmissões humanitárias, na defesa da nossa biodiversidade.
O Brasil está caminhando como o México, que colocou todos os seus militares para fazer papelestrela betpolícia. Isso me preocupa. Primeiro porque estou vendo que os militares estão sendo usados politicamente, o que é um problema. E depois porque os militares foram treinados para lidar com a guerra. Isso é diferente do papel da polícia, que tem uma interface comunitária,estrela bettentar apaziguar conflitos.

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estrela bet BBC Brasil - Críticos também dizem quem uma intervenção federalestrela betnatureza militar prejudicando a execuçãoestrela betoutras atividadesestrela betresponsabilidade das Forças Armadas. Isso pode realmente acontecer?
estrela bet Rocha - Com certeza. Os contingentes militares hoje não são muito grandes, sobretudo se considerarmos a dimensão do Brasil, as Forças Armadas não estão aparelhadas como deveriam, porque os cortes orçamentários são imensos, e ainda vão perder grande parte dos seus homens, que vão para uma missão que não é exatamente aquela para a qual eles foram preparados.
O policiamentoestrela betfronteiras pode ser prejudicado, mas é por isso que precisamos ver o planoestrela betação - para saber quais batalhões serão deslocados, quais militares vão participar da operação,estrela betonde vai sair o dinheiro, etc.
O gesto simbólicoestrela bettransferir a responsabilidade da segurança públicaestrela betum Estado inteiro para as Forças Armadas já é, por si só, o pior dos cenários. A intervenção tem que dar certo ou tem que dar certo. Não há outra alternativa.
E se der errado ou se começarem a acontecer mortes, os militares vão ser questionados e atacados.
estrela bet BBC Brasil - Um dos argumentos contra a nomeaçãoestrela betum general como interventor é oestrela betque ele só poderia ser julgado pela Justiça Militar, tida por muitos como corporativista. Você acha que isso pode ser um problema?
estrela bet Rocha - Pelo contrário, a Justiça Militar não tem nadaestrela betcorporativista. Eu falo isso com tranquilidade porque, alémestrela betser uma civil, sou um dos magistrados que mais absolve aqui nesse tribunal. É uma Justiça muito dura, muito rigorosa.
Eu acho os índicesestrela betcondenação da Justiça militar, sinceramente, muito altos. Acho que poderíamos usar maisestrela betpolítica criminal, absolver mais. Mas a quebra da hierarquia e da disciplina para os militares é algo impensável.
Até compreendo que eles pensem assim. Homens armados, dotados do monopólio da força legítima que o Estado investiu, se insubordinarem é o caos e a repetição do que não queremos mais que aconteça.
Muita gente se surpreende com o rigor das punições, até para falhas menores como um cigarrinhoestrela betmaconha, que na Justiça comum seriam desconsideradas. Aqui a pessoa deixaestrela betser réu primário, fica comprometida durante cinco anos, que é o tempo que ela precisa para frequentar a reabilitação e ter a ficha novamente limpa.
Veja a ironia. O Massacre do Carandiru foi julgado por um tribunal civil, mas somente 22 anos depois, quando vários crimes prescreveram. E o Tribunalestrela betJustiçaestrela betSão Paulo absolveu os comandantes. O mesmo aconteceu no Massacreestrela betEldorado dos Carajás -estrela betque 55 militares foram denunciados e dois foram condenados.
A Justiça civil absolve, não o tribunal militar.
estrela bet BBC Brasil - Mas numa operação sem precedentes como a do Rio, a Justiça Militar seria mais eficiente do que a comum para julgar possíveis crimesestrela betsoldados?
estrela bet Rocha - Eu acho que a nossa Justiça teria muito mais competência e expertise para julgar esse tipoestrela betcrime. Primeiro porque ela é célere. Nós não temos a quantidadeestrela betprocessos que a Justiça Federal tem. O assoberbamento lá é tão grande que muitas vezes os crimes prescrevem. Nós conseguimos, bem ou mal, condenar ou absolver.
Além disso, a experiência dos militares vai ser fundamental nesse momento para dizer, por exemplo, se um exercício militar ou uma operação foi correta ou não foi. Às vezes há questões que eu mesma preciso que militares me expliquem para que eu possa julgar alguns casos.

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estrela bet BBC Brasil - Mas teremos forças militares lidando diretamente com a população, fazendo algo que não éestrela betsua atribuição. Que garantia as pessoas podem terestrela betque a estrela bet corte estrela bet militar será imparcial?
estrela bet Rocha - Acho que nesse ponto a sociedade não precisa ficar preocupada, porque a Justiça Militar é independente. Ela não tem vinculação nenhuma com os comandos e nem com o Poder Executivo. É uma Justiça especializada, como a eleitoral.
Os militares que estão aqui como julgadores não são subordinados aos comandantes das Forças. Quando eles vêm para o STM, eles saem da Força. Só permanecem como militares na ativa porque, quando um militar vai para a reserva, ele passa a ser automaticamente mais novo do que um que está na ativa. E para um militar poder julgar outro, precisa ser mais antigo do que ele.
E se houver abusos eu não acredito que os militares não queiram punir. Muito pelo contrário. Porque às vezes por causaestrela betum mau elemento da corporação pode-se comprometer toda a farda. Acho que os militares seriam os primeiros e os mais interessadosestrela betum julgamento justo e imparcial caso haja abusos na intervenção.
estrela bet BBC Brasil - Na segunda-feira, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser necessário dar aos militares "garantia para agir sem o riscoestrela betsurgir uma nova Comissão da Verdade" no futuro. Como vê essa afirmação?
estrela bet Rocha - Eu não sei o que o comandante pensou quando disse isso, porque é difícil, às vezes, interpretar as palavras das pessoas. Mas posso dizer com certeza que impunidade ele não está buscando. A corte militar é séria e não é só composta por militares. E das nossas decisões cabe recurso no Supremo Tribunal Federal. Sequer somos a última instância.
Eu sempre fui a favor da Comissão da Verdade, mas é outra situação. Vivemos um regime constitucional, a intervenção foi decretada por um presidente civil democraticamente eleito - porque quando se elegeu a presidente Dilma se elegeu também Temer. E foi aprovada pelo Congresso Nacional, que é uma caixaestrela betressonância da sociedade.
estrela bet BBC Brasil - O que as pessoas deveriam saber sobre a Justiça M estrela bet ilitar?
estrela bet Rocha - Que a Justiça Militar é uma Justiça civil também. Acho que isso é fundamental explicar. Todo o Ministério Público Militar é concursado, os juízesestrela betprimeira instância também são todos civis, há cinco civis na composição do STM. Os advogados que atuam aqui são civis.
É completamente diferente da Justiça Militar norte-americana, onde os promotores e os advogadosestrela betdefesa são militares, onde é o comandante das Forças Armadas que decide se a ação penal vai prosseguir ou não e se a pena decidida será aplicada ou não.
Aqui é o Ministério Público Militar que propõe a ação penal. Nós somos independentes. A imparcialidade e seriedadeestrela betum magistrado se afere quando ele coloca a toga. E apesarestrela betnossos militares aqui ainda vestirem a farda, eles são magistrados. A toga está por cima da farda. E pode ter certeza, ela funciona muito bem.








