A luta dos caiçaras para não perder heranças do passado após ver terras virarem reservas ou condomínios:bet7k trabalhe conosco

Nerci perdeu o direito à casa e ao uso da área com a criação da reserva ecológica por parte do governo federal, ainda nos anos 1980, quando se planejava construir usinas nucleares no local.

"A gente não podia mais abrir roças, caçar ou retirar palmito. Só sobrou a pesca", diz ela. A ideia das usinas não prosperou, mas a região se tornou um parquebet7k trabalhe conoscopreservação ambiental.

Quem vive cercado

Caiçara é um termobet7k trabalhe conoscoorigem tupi, que faz referência a cercas que protegiam aldeias. Os caiçaras são descendentesbet7k trabalhe conoscoíndios,bet7k trabalhe conoscoportugueses que chegaram ao Brasil a partir do século 16 e,bet7k trabalhe conoscoalguns casos,bet7k trabalhe conosconegros trazidos ao país como escravos. Por viverembet7k trabalhe conoscoáreas isoladas, acabaram preservando muito da culturabet7k trabalhe conoscoseus antepassados, como o modobet7k trabalhe conoscoprodução, festas com músicas e danças próprias e o ritmobet7k trabalhe conoscovida.

Eles não têm, por exemplo, a culturabet7k trabalhe conoscoacumulação. Alémbet7k trabalhe conoscoindígenas e quilombolas, existembet7k trabalhe conoscoterritório nacional outros povos tradicionais como faxinalenses, pomeranos, seringueiros, extrativistas, quebradeirasbet7k trabalhe conoscococo babaçu e ciganos.

Hoje, o caiçara é alguém que vive cercado – por fronteiras naturais do mar e da serra, e por imposições como a industrializaçãobet7k trabalhe conoscoáreas pesqueiras, a especulação imobiliária e a criaçãobet7k trabalhe conoscoreservas florestais, outro obstáculo ao modobet7k trabalhe conoscovida tradicional.

Ainda que protejam a natureza, as reservas são vistas por alguns críticos como uma outra face da especulação imobiliária.

"Alémbet7k trabalhe conoscotirar os caiçarasbet7k trabalhe conoscosuas terras para a criaçãobet7k trabalhe conoscocondomínios, é preciso expulsá-los das reservas também,bet7k trabalhe conosconome do mito da natureza intocada?", questiona Antonio Carlos Diegues, coordenador do Núcleobet7k trabalhe conoscoApoio à Pesquisa sobre Populações Humanasbet7k trabalhe conoscoÁreas Úmidas Brasileiras da USP (Nupaub-USP).

Ele critica "o conceitobet7k trabalhe conoscoreserva florestal que exclui o ser humano que vive dentro daquela região e faz uso sustentável daqueles bens naturais". Além da relação forte com o mar e rios que desembocam ali, os caiçaras ligam também seu modobet7k trabalhe conoscovida à caça, à coletabet7k trabalhe conoscoprodutos da floresta e à agricultura. Não há estimativas oficiais do tamanho dessa população.

Isolamento e cultura

O território tradicional dos caiçaras vai do litoral sul do Riobet7k trabalhe conoscoJaneiro até o Paraná. Como o isolamento favorece a manutenção desses povos e suas tradições, a cultura tem mais forçabet7k trabalhe conoscoregiões como o extremo sul e o norte do litoral paulista, isoladas por mais tempo do que as áreas que vivenciaram avanço da rede rodoviária, a exemplo das cidades ligadas à capital paulista pelo sistema Anchieta-Imigrantes (que começou a ser construído nos anos 1940) - antes, já havia a estrada velhabet7k trabalhe conoscoSantos e a ligação férrea da Santos-Jundiaí.

Com a urbanização, tradições culturais também correm o riscobet7k trabalhe conoscose perder, como o fandango caiçara, música folclórica com viola e pandeiro tocadabet7k trabalhe conoscorodas feitasbet7k trabalhe conoscocasa. É considerado patrimônio imaterial nacional desde 2012.

Nize, por exemplo, afastou-se das festasbet7k trabalhe conoscofandango por contabet7k trabalhe conoscosua religião evangélica, mas seu marido ainda organiza as rodas.

Ao mesmo tempo, busca-se o reconhecimento oficialbet7k trabalhe conoscooutros aspectos típicos dessa cultura, como a canoa caiçara, feita a partirbet7k trabalhe conoscoum único tronco. Segundo o pesquisador Antonio Carlos Diegues, os saberes parabet7k trabalhe conoscoconstrução incluem a escolha da árvore, o momento do corte e o ângulo certobet7k trabalhe conoscocorte da madeira para a formaçãobet7k trabalhe conoscocada uma das partes da embarcação.

Hoje, muitos dos antigos fabricantes caiçaras abandonaram a atividadebet7k trabalhe conoscorazão das dificuldades impostas, e a maioria dos pescadores usa embarcaçõesbet7k trabalhe conoscooutros materiais.

Em nota, a Secretaria Estadual do Meio Ambientebet7k trabalhe conoscoSão Paulo afirma que a preservação ambiental é prioritáriabet7k trabalhe conoscorelação aos direitos culturais dos povos tradicionais e que a proteção da fauna e da flora beneficia a todos, inclusive os descendentes dos caiçaras.

O Ministério do Meio Ambiente, porbet7k trabalhe conoscovez, diz levarbet7k trabalhe conoscoconsideração o papel dos povos tradicionais na conservação da natureza, como defendem os especialistas, e incentivarbet7k trabalhe conoscocaráter experimental o manejobet7k trabalhe conoscoáreasbet7k trabalhe conoscoreservasbet7k trabalhe conoscoproteção integral.

Pesca

No antigo território caiçara, foram construídos diversos condomínios residenciais, maisbet7k trabalhe conoscouma dezenabet7k trabalhe conoscoparques, estações ecológicas e áreasbet7k trabalhe conoscoproteção ambiental, além dos portosbet7k trabalhe conoscoSão Sebastião e Santos,bet7k trabalhe conoscoSão Paulo, e Paranaguá-Antonina, no Paraná, e da baciabet7k trabalhe conoscoextraçãobet7k trabalhe conoscopetróleo e gás naturalbet7k trabalhe conoscoSantos, a segundabet7k trabalhe conoscoprodução do país.

Em Santos, existem duas comunidades caiçaras, ambas longe da orla, na parte continental: Ilha Diana e Monte Cabrão. Outra comunidade, chamada Ilha Caraguatá, ficabet7k trabalhe conoscoCubatão, cidade do litoral paulista que não tem praias.

As três têmbet7k trabalhe conoscocomum a áreabet7k trabalhe conoscopesca: o estuáriobet7k trabalhe conoscoSantos, trechobet7k trabalhe conoscomar que fica atrásbet7k trabalhe conoscoSantos, São Vicente e Guarujá.

Nascido e criadobet7k trabalhe conoscoilha Diana, Eduardo Hipólito Filho, 47, é da terceira geraçãobet7k trabalhe conoscopescadores dabet7k trabalhe conoscofamília radicados lá. "Comecei a pescar aqui quando era criança, a gente ia num barco a remo pegar camarão", conta.

Hoje, segundo ele, dos cercabet7k trabalhe conosco200 moradores da ilha, apenas cinco vivem exclusivamente da pesca. "Mas quem tem outra profissão pesca para complementar a renda, pois a maioria tem profissões simples, com remuneração baixa."

Eduardo afirma que a pesca está cada vez mais difícil. "O grande negócio que ainda há é a pesca do robalo, mas diminuiu muito a quantidadebet7k trabalhe conoscopeixes e frutos do mar aqui." O problema, segundo ele, está na qualidade da água, por causa das indústrias instaladasbet7k trabalhe conoscoCubatão, e da movimentaçãobet7k trabalhe conoscoembarcações do portobet7k trabalhe conoscoSantos, instalado no estuário.

Alémbet7k trabalhe conoscovender peixes e frutos do mar para entrepostosbet7k trabalhe conoscoSantos, Eduardo também fornece camarõesbet7k trabalhe conoscopequeno porte como isca na pesca esportiva. A rotinabet7k trabalhe conoscopescador, segundo ele, não começa na saída para o mar.

"No dia anterior, eu estudo o mar para saber qual tipobet7k trabalhe conoscoequipamento vou levar. Uma boa pescaria dependebet7k trabalhe conoscoacertar essa análise e sair com o equipamento correto para determinado tipobet7k trabalhe conoscopresa e ir para o local certo capturá-la", diz.

Ele ressalta que a comunidade tem dificuldadebet7k trabalhe conoscoencontrar outras formasbet7k trabalhe conoscosobrevivência. "A gente aqui não tem espaço para lavouras e sabe que a água não é boa para fazermos criaçõesbet7k trabalhe conoscofrutos do marbet7k trabalhe conoscocativeiro", diz. As empresas próximas acabam contratando eles apenasbet7k trabalhe conoscomomentos específicos, para trabalhos pouco especializados ebet7k trabalhe conoscocurta duração.

Vagas informais

Adriano da Silva Alves, 72, tiobet7k trabalhe conoscoEduardo, mantém seus laços com a cultura caiçara, mas desistiu da pesca para trabalharbet7k trabalhe conoscoobrasbet7k trabalhe conoscoinfraestrutura das prefeituras locais.

Ele conta a pressão que faz junto aos prefeitosbet7k trabalhe conoscoSantos por melhorias na ilha Diana. Uma das principais demandas hoje é pela reconstrução da capela local.

"Estamos há alguns anos sem o cortejo marítimobet7k trabalhe conoscoBom Jesusbet7k trabalhe conoscoIguape, porque o nosso padroeiro está sem sede", conta. "Os santos da nossa capela estão guardados nas casas dos moradores."

Na saída do estuário, do lado do Guarujá, o portuário Odair Marcelino, 74, também fala com saudades das festas profanas e religiosas que eram dadas na casabet7k trabalhe conoscoseus avós, na praia do Góes. "Aqui sempre tinha as festas juninas, o reisado e na época da tainha (setembro). O pessoal tocava pandeiro, viola e rabeca."

Conhecida na cidade pelo apelido Pouca Farinha, a praiabet7k trabalhe conoscoSanta Cruz dos Navegantes, no Guarujá, é um dos pontosbet7k trabalhe conoscoacesso às terras caiçaras da região. Tem construções precárias, que se espalham até o mar.

Entre trabalhadores com funções menos qualificadasbet7k trabalhe conoscoSantos e Guarujá, a comunidade ainda tem aqueles que vivem da pesca, como Rodrigo Gianeta,bet7k trabalhe conosco40 anos, conhecido como Birigui.

"Meu pai era pescador aqui e saiu para o interior, onde nasci. Mas ele não se acostumou e voltamos quando eu tinha quatro anos. São 36 anosbet7k trabalhe conoscoPouca Farinha", afirma Birigui.

Ele trabalhabet7k trabalhe conoscopequenas embarcações que pescam camarão no mar aberto. "Na água, a gente sofre com a concorrência deslealbet7k trabalhe conoscoembarcações maiores, que passam vários diasbet7k trabalhe conoscoalto mar e pescam irregularmente na área destinada aos pequenos", diz.

Na época do defeso do camarão no litoral paulista (períodobet7k trabalhe conoscoque é proibida a pesca do crustáceo na região para garantirbet7k trabalhe conoscoreprodução), entre o começobet7k trabalhe conoscomarço e o fimbet7k trabalhe conoscomaio, Birigui recebe o salário mínimo do seguro-defeso, pago pelo governo, e complementabet7k trabalhe conoscorenda com pequenos serviçosbet7k trabalhe conoscopedreiro e pintor.

Isolamento do Guarujá

Apesarbet7k trabalhe conoscoser próxima a Santos, a cidade do Guarujá tinha até os anos 1970, quando foi construída a rodovia Cônego Domenico Rangoni, a balsa como principal ligação com as outras cidades do litoral sul. Com isso, apesar da forte especulação imobiliária a partirbet7k trabalhe conoscoentão, algumas comunidades tradicionais conseguiram se manter na orla.

Sãos os casos do Perequê e da Prainha Branca, ambas no norte da ilha. Assim como o Góes, a Prainha Branca também só tem acesso por meiobet7k trabalhe conoscotrilhas ou embarcações.

Em outras praias, a pesca com pequenas embarcações continua, apesarbet7k trabalhe conoscoos pescadores terem saído da orla. Uma das soluções para a vendabet7k trabalhe conoscoseus produtos foi a construçãobet7k trabalhe conoscomercadosbet7k trabalhe conoscopescados, como o da praia das Astúrias, inauguradobet7k trabalhe conosco1999. Thainara Ricardo Bezerra, 22, trabalha ao lado do paibet7k trabalhe conoscoum dos boxesbet7k trabalhe conoscolá há 11 anos.

"Os nossos principais produtos aqui são a pescada branca e o camarão sete-barbas pescados na praia, mas a gente vende também peixesbet7k trabalhe conoscooutras regiões e importados, como o salmão, que compramos nos entrepostos", diz.

Para Diegues, da USP, alémbet7k trabalhe conoscolutarem para manter seus territórios tradicionais e seu modobet7k trabalhe conoscovida, os caiçaras ainda precisam vencer o preconceito.

Um exemplo desta marginalização ainda constabet7k trabalhe conoscoalguns dicionários, que registram "sujeito ordinário, sem serventia", "malandro", vagabundo" e "bronco" como significados do termo caiçara.

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