Governo Bolsonaro ameaça prestígio internacional do país, dizem diplomatas brasileiros:uol esporte flamengo

O soft power brasileiro

Segundo o professor Marco Vieira, diretoruol esporte flamengopesquisa do Departamentouol esporte flamengoCiência Política e Relações Internacionais da Universidadeuol esporte flamengoBirmingham (Reino Unido), ao longo das últimas décadas o Brasil conseguiu propagar junto à comunidade internacional uma imagemuol esporte flamengopaís preocupado com o meio ambiente, pacifista, não intervencionista, capazuol esporte flamengodialogar com atores diversos e defensoruol esporte flamengoórgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU).

Essas características permitiram, segundo ele, que o Brasil ocupasse posiçõesuol esporte flamengodestaqueuol esporte flamengoorganismos internacionais e obtivesse vantagens econômicasuol esporte flamengonegociações comerciais com grandes potências, como Estados Unidos e Europa.

Atualmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são presididos por dois brasileiros: José Graziano da Silva e Roberto Azevêdo, respectivamente.

Um diplomata com maisuol esporte flamengo30 anosuol esporte flamengocarreira no Itamaraty, que prefere não se identificar por temer retaliações, disse à BBC News Brasil que essas características nacionais garantiam vantagensuol esporte flamengonegociações, já que o Brasil não conta com outros instrumentosuol esporte flamengobarganha, como poder econômico e arsenal militar.

"Essa imagemuol esporte flamengoBrasil facilitava enormemente o meu trabalho, porque eu podia entrar numa sala onde havia negros e índios, japoneses, latinos, europeus ou russos e ter sempre esse cartãouol esporte flamengovisitas", disse.

Mudançasuol esporte flamengocurso

As novas atitudes do Brasiluol esporte flamengopolítica externa e questões sociais vêm causandouol esporte flamengoforos internacionais estranhamento e dúvidas entre diplomatas estrangeiros.

Segundo especialistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, três aspectos do discurso do governo Jair Bolsonaro têm potencial para, no curto prazo, provocar prejuízos à reputação consolidada pelo Brasil no ambiente diplomático internacional:

- A posturauol esporte flamengorelação a minorias (gays e indígenas,uol esporte flamengoespecial)

- Um discurso que minimiza os impactos do aquecimento global

- O alinhamento com Estados Unidos e a forte aproximação com Israel, deixandouol esporte flamengolado a tradição históricauol esporte flamengoneutralidade

Em organismos internacionais, a reação a essa ruptura com a tradição diplomática brasileira veio na formauol esporte flamengocomentários preocupadosuol esporte flamengorepresentantesuol esporte flamengooutros países e na reduçãouol esporte flamengoconvites para que o Brasil participeuol esporte flamengodebates sobre temas sociais.

Um diplomata que trabalha junto à delegação brasileirauol esporte flamengoum foro internacional disse, também a sob condiçãouol esporte flamengoanonimato, que um colega estrangeiro chegou a dar uma "dica" aos brasileiros: eles deveriam se aproximar da delegação iranianauol esporte flamengoquestõesuol esporte flamengogênero "para deixar que, publicamente, eles (o Irã) fizessem o trabalho sujouol esporte flamengofalar contra os direitos da mulher".

O mesmo diplomata disse ter ouvido um colegauol esporte flamengoum país africano lamentar as mudanças, dizendo que o Brasil "era a maior inspiração do mundouol esporte flamengodesenvolvimento" e pedindo para que os brasileiros "não se retraíssem e continuassem exercendo liderançauol esporte flamengofavor desses países".

Um ministrouol esporte flamengoprimeira classe, topo da carreira diplomática, que já representou o Brasiluol esporte flamengovários postos no exterior, afirmou que alguns diplomatas tentam amenizar as instruções recebidas pelo governo, quando atuamuol esporte flamengoforos internacionais.

"Colegas meus que trabalhamuol esporte flamengoforos que discutem temas sociais estão procurando, da melhor maneira, se desincumbir das orientações e instruçõesuol esporte flamengoum governo que tem uma visão conservadora na pauta social", disse à reportagem, sob anonimato.

"Mesmo assim, pela maneira como a gente está se pronunciandouol esporte flamengodeterminados foros, a gente já não é chamado para algumas salas (de debates e negociações)."

'Países dão um desconto ao Brasil'

Esse mesmo diplomata relata, porém, que ainda predomina uma posturauol esporte flamengo"tolerância"uol esporte flamengorelação ao Brasil, manifestadauol esporte flamengotomuol esporte flamengobrincadeira por colegas diplomatasuol esporte flamengooutros países.

"As pessoas meio que dizem: 'Ah, política é um desastre no meu país também, não tem jeito'. É como se as pessoas tivessem uma tolerância, a partir do reconhecimentouol esporte flamengoque o Brasil é maior que isso."

Outro diplomata diz que, por vezes, os colegas estrangeiros parecem expressar "compaixão" pela situação dos representantes brasileiros.

"É como se estivessem dando um desconto para a gente, tipo relevando. Mas essa postura obviamente tem limites. Inevitavelmente, o perfil e a intensidade do relacionamento do Brasil com os parceiros mundo afora vai diminuindo."

Ele cita um possível reconhecimentouol esporte flamengoJerusalém como capitaluol esporte flamengoIsraeluol esporte flamengodetrimentouol esporte flamengodemandas palestinas como um exemplouol esporte flamengopolítica que pode comprometer as relações com países árabes e muçulmanos.

"O capital político e econômico-comercial com os parceiros árabes e muçulmanos virariam pó e iriam por água abaixo, com graves consequências para nossas exportações e também para o apoio a pleitos brasileiros diversos internacionalmente, como na eleiçãouol esporte flamengomembros não permanentes no próximo biênio para o Conselhouol esporte flamengoSegurança da ONU e na defesauol esporte flamengopautas importantes para o paísuol esporte flamengoáreas como meio ambiente/clima, direitos humanos, acesso a mercados/Organização Mundial do Comércio e agricultura", diz.

Aquecimento global

Para Marco Vieira, da Universidadeuol esporte flamengoBirmingham, essa mudançauol esporte flamengoposiçãouol esporte flamengorelação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder,uol esporte flamengopotencial,uol esporte flamengoisolar o Brasil e trazer consequências econômicas.

O Brasil era visto como uma liderançauol esporte flamengoquestões ambientais, sendo ouvido e escolhido para sediar grandes eventos internacionais sobre o tema, como a Rio+20,uol esporte flamengo2012, que reuniu líderes dos principais países do mundo.

Em 2016, o governo brasileiro ratificou o Acordouol esporte flamengoParis, se comprometendo cortar as emissões do paísuol esporte flamengo37% até 2025, euol esporte flamengo43% até 2030, tendo como base o anouol esporte flamengo2005.

Mas durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou dizer que retiraria o Brasil do Acordouol esporte flamengoParis. Ele recuou ante as reações negativas dentro e fora do país, mas declarações do hoje presidenteuol esporte flamengoque a Amazônia deve ser explorada economicamente euol esporte flamengoque há terras indígenas demais receberam grande repercussão no exterior, principalmente na Europa.

"Se o Brasil for encarado como um país que vai contra os interesses da humanidade como um todo e um deles, se não for o principal, é a mudança climática, poderá ser isoladouol esporte flamengooutras discussões, sendo visto como um país irresponsável."

Para Marco Vieira, da Universidadeuol esporte flamengoBirmingham, essa mudançauol esporte flamengoposiçãouol esporte flamengorelação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder,uol esporte flamengopotencial,uol esporte flamengoisolar o Brasil e trazer consequências econômicas.

"Já há movimentos na União Europeiauol esporte flamengocondicionar a importaçãouol esporte flamengocommodities brasileiras ao compromisso com a proteção ambiental", exemplifica.

No último dia 23, o Brasil levou um baque nas negociações por um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. O governo francês endureceuuol esporte flamengoposição nas conversas, dizendo que não ratificará nenhum acordo que, entre outros pontos, prejudique os "engajamentos ambientais da Europa no Acordouol esporte flamengoParis".

Afinal, soft power é tão importante assim?

Nem todos os especialistas concordam que o prestígio e a influência para além dos campos econômicos e militares seja determinante no protagonismo dos países no cenário internacional.

Para o professor Marcus Viniciusuol esporte flamengoFreitas, da China Foreign Affairs University,uol esporte flamengoBeijing, o Brasil ganhou maior visibilidade no exterior nos últimos anos por três fatores: criação dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), curiosidade do mundouol esporte flamengorelação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o crescimento econômico razoável na primeira década do ano 2000.

"Quando se diz que o Brasil está perdendo seu soft power, você cria uma camisauol esporte flamengoforça para que o governo atueuol esporte flamengodeterminadas áreasuol esporte flamengoque a opinião pública internacional considera relevante, mas que não resolve os problemas internos do país", disse à BBC News Brasil. Mas, para ele, isso "não coloca ninguém na salauol esporte flamengoreunião para definir destino ou governança global".

Freitas diz que o atual governo erra na "estratégiauol esporte flamengocomunicação", prendendo o Brasil a uma "narrativa negativa". Mas, para ele, o que vai,uol esporte flamengofato, influenciar o protagonismo do país no exterior não é isso, mas sim a capacidade ou nãouol esporte flamengoo governo aprovar reformas e garantir a retomada do crescimento econômico e se tornar um polouol esporte flamengoinvestimentos.

Marco Vieira, da Universidadeuol esporte flamengoBirmingham, discorda. "Soft power abre portas. uol esporte flamengo O Brasil teve ganhos reais nauol esporte flamengorelação com paísesuol esporte flamengodesenvolvimento ao promover mecanismosuol esporte flamengocooperação entre nações emergentes", diz.

Que novas alianças pode colher o governo Bolsonaro?

É fato que o Brasil não está sozinhouol esporte flamengorelativizar o aquecimento global, nemuol esporte flamengodefender negociações bilateraisuol esporte flamengodetrimentouol esporte flamengoacordos multilaterais, euol esporte flamengopromover posições conservadorasuol esporte flamengoquestõesuol esporte flamengocostumes e nos direitosuol esporte flamengominorias.

O principal exemplo é nada menos que os Estados Unidos, maior potência mundial. O presidente Donald Trump retirou o país do Acordouol esporte flamengoParis e vem minando a importância das Nações Unidas, da OMC euol esporte flamengooutros organismos internacionais.

E a Europa tem presenciado movimentosuol esporte flamengodesintegraçãouol esporte flamengoblocos regionais, como o Brexit, e a ascensãouol esporte flamengolíderesuol esporte flamengodireita, particularmente na Hungria e na Itália.

Marco Vieira, da Universidadeuol esporte flamengoBirmingham, afirma que é possível que as características tradicionalmente associadas a soft power (respeito a direitos humanos, democracia e liberalismo, por exemplo) sejam gradualmente substituídas, caso haja uma continuidade na expansãouol esporte flamengoideias associadas à direita do espectro político no plano internacional.

"As contestações aos princípios que geraram soft power no passado podem acabar criando um novo sistema normativo, oposto ao sistema atual. Não é irrelevante que os Estados Unidos estejam liderando esse movimento", afirma.

No entanto, para ele, essa transformação, se ocorrer, só será consolidada no longo prazo.

"O governo Bolsonaro só vai conseguir ter soft power se o modelo internacional se transformar e se reconstituir dentro dessa compreensãouol esporte flamengodireita radical, cristã, ocidental e branca. Mas isso levaria anos e anos para ocorrer."

Enquanto isso o desafio será conciliar parcerias estratégicas para o Brasil, como a relação com a China, países árabes e alguns dos principais países da União Europeia, com os novos vínculos que o governo pretende ou busca construir.

"Tenho a impressãouol esporte flamengoque não há uma visão estratégica para o Brasiluol esporte flamengorelações internacionais. O que o Brasil pretende alcançar e ser nos próximos anos?", questiona Marcus Vinicius, da China Foreign Affairs University.

"Sem isso, corremos o riscouol esporte flamengoacender vela para o santo errado. Não podemos, por exemplo, abrir mão da China."

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