Da janela do sobrado a donas da folia: como as mulheres driblaram o machismo na história do Carnaval:cx bet

  • Rafael Barifouse
  • Da BBC News Brasilcx betSão Paulo
Desfilecx betcorso na avenida Beira Mar, no Rio,cx bet1922

Crédito, Guilherme Santos/Acervo MIS-RJ

Legenda da foto,

A tradição dos 'corsos' carnavalescos começou no Riocx betJaneiro e se espalhou para outras cidades do país

cx bet Em 2014, depois que viralizou no Facebook a fotocx betque um homem segurava um cartaz com a frase "eu não mereço mulher rodada", Renata Rodrigues e Débora Thomé decidiram criar um evento na rede social para protestar com humor contra o machismo do post. O sucesso da ideia, que atraiu centenascx betparticipantes, as levou a fundar "o primeiro bloco feminista" do Carnaval do Rio.

"O Carnaval é um espaço muito machista. Quando chegamos, tinha muita mulher segurando estandartecx betbloco, mas quase nenhuma tocando ou na produção", diz Renata.

Hoje, Renata, Débora e mais duas amigas são responsáveis pela organização do Mulheres Rodadas, que se prepara neste ano para seu sexto desfile com uma banda formada por 11 mulheres e apenas um homem. Não há uma restrição para a participação masculina entre os instrumentistas, mas a liderança é feminina.

"Os homens já têm esse espaço nos outros blocos. Aqui, fazemos como a gente acha melhor."

Essa é uma transformação recente na história centenária do Carnaval, uma festa na qual, no início, mulheres "de família" não deveriam participar — e, mesmo quando isso mudou, coube a elas um papel secundário e por vezes invisível aos olhos da maioria,cx betuma folia dominada por homens.

Isso porque, mesmo que o Carnaval seja visto muitas vezes como uma chancecx betalguém ser o que desejar ecx betsubverter os papéis sociais que exerce no resto do ano, a ideia não passacx betum mito, dizem pesquisadores.

"Apesarcx betse dizer que o Carnaval subverte mecanismoscx betcontrole social, ele reflete a vida — e a maneira como os sexos se veem — nos outros 365 dias do ano. A mulher é subjugada no emprego e na família e também é subjugada no momentocx betfesta", diz Olga von Simson, professora do Departamentocx betCiências Sociais da Faculdadecx betEducação da Universidade Estadualcx betCampinas (Unicamp) e autoracx betCarnavalcx betBranco e Negro (Edusp).

Entrudos, bailes e corsos

Desfile do Mulheres Rodadas

Crédito, Divulgação

Legenda da foto,

O bloco feminista Mulheres Rodadas foi criado por duas amigas após um post machista viralizar nas redes sociais

Pule Podcast e continue lendo
BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

A origem do Carnaval brasileiro remonta aos entrudos, tradição trazida pelos portugueses na época da colonizaçãocx betque as pessoas saíam às ruas nos dias que antecediam a Quaresma para travar batalhas com baldes, seringas e bisnagas d'água, alémcx betlimões e laranjas-de-cheiro, bolas feitascx betcera com água perfumada dentro. Esse costume logo se espalhou do Riocx betJaneiro para outras cidades do país.

"Mas poucas mulheres participavam, porque, durante todo período colonial, a rua era um espaço masculino. O papel da mulher era ficarcx betcasa", diz Luiz Felipe Ferreira, criador do Centrocx betReferência do Carnaval e professor do Institutocx betArtes da Universidade do Estado do Riocx betJaneiro (Uerj).

O pesquisador explica que era mais comum as mulheres participarem do chamado entrudo familiar, que ocorria dentro das residências. "Essas festas também eram uma formacx betcontato social e uma chance das mocinhas assumirem a iniciativa nas relações amorosas, ao jogar um limão-de-cheiro no rapazcx betque elas estavam interessadas", afirma Ferreira.

Esse tipocx betfesta reinou sozinha até a primeira metade do séculocx bet19. A partircx betentão, as antigas tradições ligadas aos portugueses foram aos poucos dando lugar ou se misturando com novos costumes importados da Europa. Entre eles, um Carnaval mais sofisticado e elegante, com bailes a fantasia e desfilescx betcarros alegóricos, organizados pelos homens que estavam à frentecx betsociedades carnavalescas.

Nos bailes, as mulheres podiam assistir à festa dos camarotes, mas não pular Carnaval no salão. Também era das janelas dos sobrados que elas viam os carros alegóricos desfilarem pelas ruas.

A participação feminina, entretanto, não era totalmente vetada nos cortejos. "As prostitutas polonesas e francesas das casas mais ricas e sofisticadas desfilavam luxuosamente despidas nos carros. Foram elas, inclusive, que ensinaram aos homens como se fazia um Carnaval, porque muitos deles nunca tinham ido à Europa", diz Von Simson.

A cientista social conta que não demorou para que mulheres cariocas, insatisfeitas por não poderem participar do Carnaval, procurassem o escritor Josécx betAlencarcx betbuscacx betuma solução. Ele propôs, então, que fossem feitos bailescx betque elas "pudessem tomar parte e não ser meras espectadoras".

Os arquivos da Biblioteca Nacional apontam ainda que,cx bet1907, surgiu no Rio um novo tipocx betcelebração que seria adotadacx betoutras cidades brasileiras. Nos "corsos", as famílias mais ricas da cidade desfilavamcx betluxuosos carros abertos pela antiga Avenida Central.

A iniciativa partiu das filhas do então presidente Afonso Pena e foi copiada pelos outros donoscx betautomóveis na época. Os ocupantes jogavam confete, serpentina e lança-perfumecx betquem estava nos outros carros ao longo do trajeto, enquanto as classes populares assistiam a tudo do chão.

"Mesmo assim, as mulheres participavam dos bailes e desfiles como acompanhantes do pai ou do marido,cx betum papel secundáriocx betfilha ou mulher", diz Ferreira.

As matriarcas do Carnaval

Grupocx betfoliões no Carnavalcx betrua do Rio,cx bet1914

Crédito, Augusto Malta/Acervo MIS-RJ

Legenda da foto,

Com os blocos e cordões, começou a se afrouxar o controle sobre a participação das mulheres na folia

O controle sobre a participação da mulher no Carnaval começou a se afrouxar com o surgimento dos cordões, blocos e ranchos carnavalescos, na segunda metade do século 19.

Organizados por gruposcx betamigos e famílias das camadas sociais menos abastadas, os cordões e blocos desfilavam a pé pelas ruas da cidade.

A presença feminina foicx betinício bastante restrita ou mesmo nula nestes cortejos, porque eles eram proibidos pela polícia. Foi somente mais tarde, nas primeiras décadas do século 20, com o fim da repressão, que as mulheres começaram a participarcx betmaior número.

Já nos ranchos, que faziam desfiles mais organizados e traziam elementos até então inéditos, como enredo e instrumentoscx betsopro e cordas, a participação das mulheres foi mais precoce.

Elas cumpriam papéis fundamentais nestes festejos, confeccionando as fantasias e adereços e organizando eventos para arrecadar o dinheiro necessário para bancar o cortejo — mas não só.

O Carnaval como conhecemos hoje existecx betgrande parte graças às "tias", mulheres baianas que abriam suas casas para a reunião dos sambistas ao longo do ano e ofereciam assim um espaço seguro para que eles se reunissem sem serem perseguidos pela polícia.

"As tias são o epicentro dessa cultura do Carnaval. Suas casas eram espaçoscx betsociabilização e proteção", diz a jornalista Bárbara Pereira, doutoracx bethistória social pela Universidade Federal do Estado do Riocx betJaneiro.

Uma das mais famosas entre essas matriarcas do samba é Hilária Batistacx betAlmeida, a Tia Ciata. Mas havia muitas outras, diz Pereira, que entraram para os registros históricos apenas como apoiadorascx betseus maridos ou simplesmente foram esquecidas.

"Muitos dos relatos que temos hoje sobre o início do Carnaval foram feitos por homens, e quase não há registros da participação das mulheres, porque estes homens não as enxergavam. Elas foram invisibilizadas", afirma a pesquisadora.

As mulheres vão para a avenida

Desfile do Mulheres Rodadas

Crédito, Divulgação

Legenda da foto,

Desfile do Mulheres Rodadas, no Riocx betJaneiro

O Carnaval passaria por uma nova transformação entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1930, quando foram fundadas as primeiras escolascx betsamba — e, com elas, as mulheres começaram a conquistar um espaço próprio nos desfilescx betCarnaval.

"O matriarcado na história do samba fez que houvesse uma presença feminina significativa desde o início das escolas, com a ala das baianas e a ala das pastoras, que cantavamcx betcoro o samba-enredo junto com o puxador", diz o historiador e escritor Luiz Antônio Simas.

Isso abriu caminho para que as mulheres conquistassem com o tempo outros postos nos desfiles das escolascx betsamba. Simas destaca que a primeira mulher a sair na bateria foi Dagmar da Portela,cx bet1939.

Já os primeiros sambas-enredo assinados por autoras são da décadacx bet1950. Carmelita Brasil, na Unidos da Ponte, foi a pioneira da composição, e,cx bet1965, Dona Ivone Lara tornou-se a primeira mulher a assinar um samba-enredo por uma grande escola.

"Aos poucos, como repercussãocx betmudanças na estrutura da sociedade brasileira, as mulheres vão conquistando espaços tambémcx betum meio bem machista como o do samba", diz Simas.

Foi a partir dos anos 1930 que as mulheres brasileiras conquistaram direitos políticos ecx betreceber salários iguais. Passaram a não mais tercx betpedir autorização aos maridos para trabalhar, ter contacx betbanco ou viajar sozinhas. E foram reconhecidas legalmente como iguais aos homens.

Ao mesmo tempo, na Avenida, elas ganham cada vez mais protagonismo nos desfiles, como passistas, rainhascx betbateria e destaquescx betcarros alegóricos.

Esses postos são frequentemente vistos apenas como mais uma expressão do machismo no Carnaval, que trata as mulheres como objetos sexuais. Mas Bárbara Pereira, que pesquisou as passistascx betseu doutorado, diz que não é dessa forma que elas próprias se enxergam.

"Essas mulheres têm orgulhocx betserem passistas, porque muitas vezes é uma tradição passadacx betmãe para filha. E, a partir dos anos 1990, com o aumento da escolaridade feminina, muitas delas não são mulatas-show, mas estudantes e trabalhadoras que sambam porque querem sambar", diz a pesquisadora.

Ao mesmo tempo, as mulheres estão vencendo gradativamente o preconceito nas escolascx betsamba ao tocar instrumentos considerados "de homens", como surdo, caixa-de-guerra e tarol, e assumirem as funçõescx betcarnavalescas, diretoras e mestrescx betbateria, puxadoras e, inclusive, presidentescx betagremiações.

"Mas ainda são poucas nestas posições, porque persiste a ideiacx betque há nas escolas lugarcx betmulher ecx bethomem, especialmente nos postoscx betpoder, como a diretoria, ecx betmais prestígio, como a composição", diz historiadora Marília Belmonte, que pesquisa a velha guarda e a ala das baianascx betseis escolascx betsambacx betSão Paulo.

As mulheres conquistam espaço no Carnavalcx betrua

Desfile do Mulheres Rodadas

Crédito, Divulgação

Legenda da foto,

Desfile do Mulheres Rodadas, no Riocx betJaneiro

Belmonte diz que um movimento semelhante começou a ocorrer também com os blocoscx betrua,cx betmeio a um debate recente e mais amplo sobre o papel das mulheres na sociedade atual.

"Isso gera uma maior conscientização entre as mulheres e faz com que elas questionem o machismo e busquem ter maior representação no Carnaval, ocupando espaços antes reservados aos homens e criando seus próprios blocos, onde conseguem se expressar sem serem cerceadas nem sofrer assédio", diz a historiadora.

Atualmente, já existe maiscx betuma dezenacx betblocos pelo país que são organizados por mulheres ou até mesmo exclusivamente femininos, como Ilú Obácx betMin, Mulherescx betChico, Não é Não, Pagu, Filhas da Lua, Toco-xona e Siga Bem, Caminhoneira.

Renata Rodrigues, do Mulheres Rodadas, diz que o Carnavalcx betrua mudou nos seis anoscx betque seu bloco feminista desfila no Riocx betJaneiro.

"Existe hoje uma discussão muito mais ampla sobre o assédio e uma consciência maiorcx betque não é porque a mulher está pulando Carnaval que ela pode ser assediada ou violentada. Isso aconteceu porque as mulheres que apareceram no Carnaval colocaram esse assuntocx betpauta", diz.

Ao mesmo tempo, isso fez da folia um espaço mais seguro para as mulheres e no qual elas se sentem mais confortáveis para exibir o corpo conforme quiserem.

"Nós vemos hoje muito mais mulheres com o corpo à mostra. Com o maior númerocx betmulheres, elas se sentem protegidas e capazescx betdizer 'o corpo é meu, não quero que me toque'. É um corpo que não está ali para ser consumido. É um corpo político, que carrega uma mensagemcx betliberdade."

Também há mais mulheres participando ativamente do Carnaval, tocando instrumentos, montando suas bandas e fanfarras e criando seus próprios projetos. "Temos muito orgulhocx better ajudado nesta transformação junto com outros coletivoscx betmulheres."

O Mulheres Rodadas realiza oficinas ao longo do ano para ensinar mais mulheres a tocar instrumentos. O desejocx betsuas criadoras agora é passar a oferecer também cursos para que elas ocupem postoscx betcomandocx bettoda a cadeia do Carnaval.

"Ainda somos franca minoria na gestão. Queremos ter cada vez mais mulherescx betposiçãocx betliderança, mas é justamente neste espaço que é mais difícil conseguir avançar."

Línea

Crédito, Getty Images

  • cx bet Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube cx bet ? Inscreva-se no nosso canal!
Pule YouTube post, 1
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimoscx betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticacx betusocx betcookies e os termoscx betprivacidade do Google YouTube antescx betconcordar. Para acessar o conteúdo cliquecx bet"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdocx betterceiros pode conter publicidade

Finalcx betYouTube post, 1

Pule YouTube post, 2
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimoscx betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticacx betusocx betcookies e os termoscx betprivacidade do Google YouTube antescx betconcordar. Para acessar o conteúdo cliquecx bet"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdocx betterceiros pode conter publicidade

Finalcx betYouTube post, 2

Pule YouTube post, 3
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimoscx betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticacx betusocx betcookies e os termoscx betprivacidade do Google YouTube antescx betconcordar. Para acessar o conteúdo cliquecx bet"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdocx betterceiros pode conter publicidade

Finalcx betYouTube post, 3