De Ângela Diniz a Mariana Ferrer, como a Justiça põe mulheres no "banco dos réus"arbety confiavelcasosarbety confiavelviolência:arbety confiavel

Sistema judiciário

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Não é incomum que a reputaçãoarbety confiavelmulheres sejam usadasarbety confiaveljulgamentos para defender réus homens ou justificar seu comportamento

Há muito tempo os estereótiposarbety confiavelgênero são usados para atribuir à própria autora das denúncias uma parcelaarbety confiavelculpaarbety confiavelcrimesarbety confiavelviolência contra a mulher, diz Estela Aranha, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiroarbety confiavelCiências Criminais no Rioarbety confiavelJaneiro (Ibccrim-Rio).

A advogada afirma que tesesarbety confiaveldefesa dos agressores e decisões judiciais estão recheadasarbety confiavelelementos que colocam a postura da mulher — do comportamento emocional e sexual ao tipoarbety confiavelroupa que ela veste ou o horárioarbety confiavelque estava foraarbety confiavelcasa — como um agente desencadeador do crime.

"Como se o homem não fosse responsável, como se a mulher fosse 'a tentadora'. Isso vem da narrativa do pecado original, é uma narrativa históricaarbety confiavelconstruçãoarbety confiavelestereótiposarbety confiavelgênero."

Nesse sentido, a professoraarbety confiavelDireito da Unifesp Maíra Zapater lembra que, até 2005, o Código Penal brasileiro trazia a figura da "mulher honesta":arbety confiavelcrimes sexuais, só seria considerada vítima aquela juridicamente reconhecida como honesta.

A modelo e influencer digital Mariana Ferrer e o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho

Crédito, Reprodução/Instagram/Facebook

Legenda da foto, Advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho ofendeu a modelo e influencer digital Mariana Ferrer durante audiência; professoraarbety confiavelDireito Probatório diz que, naquele momento, 'o que estevearbety confiavelperspectiva foi o comportamento dela, e não o do acusado'

"E você pode imaginar o campo fértil que os juízes machistas e misóginos tinham para definir o que era uma mulher honesta, porque a lei não definia, cabia ao juiz", ela diz.

O fatoarbety confiavelos demais participantes da audiênciaarbety confiavelFerrer terem ouvido as palavras da defesaarbety confiavelsilêncio, sem intercederarbety confiavelfavor da jovem, opina Flaviane Barros, professora da PUC Minas e da UFOP, evidencia ainda outra característica recorrente no ordenamento jurídico brasileiro: a ação dos preconceitos sobre o julgamento dos agentes jurídicos.

"As pesquisas sobre enviesamento cognitivo são muito avançadas. Os elementosarbety confiavelpreconceito, daquele que não respeita e não dá valor à voz femininaarbety confiaveluma vítimaarbety confiavelestupro estão ali, na mente daquele julgador", afirma a advogada.

Janaína Matida, professoraarbety confiavelDireito Probatório da Universidad Alberto Hurtado (Chile), pontua que as altas instâncias jurídicas do país têm o entendimento normativoarbety confiavelque a palavra da mulher que denuncia violência tem grande peso sobre a decisão judicial.

"Isso nos levaria a achar que mulheres estão protegidas no casoarbety confiavelcrimes sexuais, mas existe um paradoxo: quando elas vão buscar ajuda, são recebidas (pela polícia e pelo sistema judiciário) não como uma vítima, mas mas como uma mentirosa", diz.

Isso ajuda a explicar, argumenta Matida, os altos índicesarbety confiavelfeminicídio no país, uma vez que a conjuntura desencoraja as mulheres a denunciar quando sofrem as primeiras agressões ou ameaças.

O estereótipoarbety confiavelgênero não apenas influencia a postura dos agentes do direitoarbety confiavelcasosarbety confiavelcrime contra a mulher, mas alimenta uma tese não raro usada por advogadosarbety confiaveldefesa que nem sequer se encontra na lei penal — a legítima defesa da honra.

'Legítima defesa da honra' ao tentar matar a ex a facadas

Um desses casos chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF)arbety confiavelsetembro deste ano.

Em maioarbety confiavel2016, uma mulher saiuarbety confiavelum culto religiosoarbety confiavelNova Era (MG) e deparou com um homem com quem mantivera um relacionamento até a semana anterior.

Segundo a sentença do caso, ele a empurrou contra a parede e a golpeou seis vezes com uma faca — três facadas foram na cabeça, duas nas costas e uma no tórax.

O homem suspeitava que a vítima (que sobreviveu ao ataque) o traía com outra pessoa durante o relacionamento.

Ao depor, a vítima afirmou que "há dois anos viviam um relacionamento tumultuado,arbety confiavelvirtude dos ciúmes exagerados do autuado; que a declarante era proibida atéarbety confiavelconversar com o próprio irmão, (...) que o autuado chegou a dizer a outras pessoas que ia jogar álcool e colocar fogo na declarante", tambémarbety confiavelacordo com a sentença.

Presoarbety confiavelflagrante, o agressor foi a júri populararbety confiaveljunhoarbety confiavel2017.

Mas os jurados o absolveram, aceitando a tesearbety confiavelque o crime havia ocorrido por "legítima defesa da honra" do acusado — por conta da suspeita (não confirmada)arbety confiavelque era traído. Ele foi libertado.

O Ministério Público recorreu. "Ainda que se aceite, privilegiando a versão do réu, que a vítima ofendeu-lhe a honra (...), admitir a reação violenta do agente, que lhe desfere inúmeros golpes, como uma resposta válida (...) seria compactuar com a involução dos costumes,arbety confiaveldescrédito à pretensão (...)arbety confiaveluma sociedade amparada pelo respeito aos valores e direitos fundamentais do ser humano", afirma o recurso do MP.

Protestoarbety confiavelfavorarbety confiavelMariana Ferrer,arbety confiavelBrasília,arbety confiavel4arbety confiavelnovembro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Protestoarbety confiavelfavorarbety confiavelMariana Ferrer,arbety confiavelBrasília,arbety confiavel4arbety confiavelnovembro;arbety confiavel1980, movimento feminista protestou com o slogan 'quem ama não mata' pressionou por um novo julgamento no casoarbety confiavelÂngela Diniz

O Tribunalarbety confiavelJustiça mineiro chegou a decidir pela realizaçãoarbety confiavelum novo julgamento popular, mas, quando o caso foi parar no STF, a 1ͣ turma da Corte decidiu, por maioriaarbety confiavelvotos,arbety confiavel29arbety confiavelsetembro, que a decisão do tribunal do júri era soberana ao absolver o homem, segundo a Constituição Federal.

Voto vencido na decisão, o ministro Alexandrearbety confiavelMoraes afirmou durante a sessão que "até décadas atrás, no Brasil, a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens violentos que mataram suas namoradas e esposas, o que fez o país campeãoarbety confiavelfeminicídio".

O argumento da defesa da honra, explica Zapater, não está previsto no Código Penal brasileiro e, por isso, está geralmente circunscrito aos julgamentosarbety confiaveltribunaisarbety confiaveljúri.

O júri é um direito do acusado, diz a professora,arbety confiavelser julgado por seus pares.

Ao contrário do juiz, que precisa fundamentar na leiarbety confiavelsentença, seja para absolver ou condenar, os jurados não precisam justificar na leiarbety confiaveldecisão. Isso implica que eles podem absolver o réu mesmo que entendam que ele seja culpado.

Como consequência, os tribunaisarbety confiaveljúri acabam, diz Zapater, revelando "determinados conceitos e preconceitos" da sociedade e que podem ser mobilizados pela defesa.

"Se a gente tem uma sociedade que entende que homens podem defender aarbety confiavelhonra se se sentirem traídos por mulheres, isso eventualmente vai ser mobilizado no tribunal do júri", ela ressalta.

E, ainda que não se empregue a expressão da "defesa da honra", que tem caídoarbety confiaveldesuso, acrescenta a professora, é frequente nas defesas a presença da ideiaarbety confiavelque o homem se viu humilhado.

O argumento é usado inclusive para evocar um atenuante da pena previsto na lei, do crime cometido sob influênciaarbety confiavel"violenta emoção", provocado por ato injusto da vítima.

Essa foi a base para absolviçãoarbety confiavelum homemarbety confiavel39 anos acusadoarbety confiavelmatar a ex-mulher a facadasarbety confiaveljaneiroarbety confiavel2015arbety confiavelPiracicaba (SP).

Depoisarbety confiavelconfessar o crime à polícia, ele foi julgado por um júri popular, que teve "clemência" e entendeu que o réu perdeu a cabeça e agiu sob "forte emoção" contra a ex-mulher, conforme disse seu advogado na época ao site G1.

Segundo ele, o casal vinha tendo "vários desentendimentos" e, naquele momento, o homem "não conseguiu se controlar". A mulher,arbety confiavel29 anos, foi mortaarbety confiavelfrente ao seu localarbety confiaveltrabalho com golpes no tórax, na barriga, nas costas e pescoço.

Protestoarbety confiavelSParbety confiavel2016 pedindo combate à violência contra a mulher

Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto, Protestoarbety confiavelSParbety confiavel2016 pedindo combate à violência contra a mulher; dados apontam que essa violência tem se agravado no país durante a pandemia

Caso Ângela Diniz: 'mulher fatal'

Um caso considerado simbólico no estudo da violência contra a mulher no Brasil e no uso do argumento da defesa da honra é a mortearbety confiavelÂngela Diniz,arbety confiavel1976, no litoral fluminense.

Ela foi assassinada com quatro tiros na cabeça por seu companheiro, Raul Fernando Doca Street, depoisarbety confiaveluma discussãoarbety confiavelque ela teria tentado terminar o relacionamento.

Na época, Doca Street afirmou que agiu para preservararbety confiavelhonra.

No julgamento, seu advogado, Evandro Lins e Silva, argumentou que os jurados "rapidamente" perceberiam que o crime fora "provocado pela vítima", descrita por ele como uma mulher fatal e como uma "Vênus lasciva", que "encanta, seduz e domina".

Doca Street, porarbety confiavelvez, foi retratado como um "homem cegamente apaixonado".

Condenado a dois anosarbety confiavelprisão, ele cumpriu apenas parte da pena por ser réu primário.

O caso dominou as atenções do público na época e,arbety confiavelreação ao veredito, grupos feministas começaram a protestar sob o sloganarbety confiavel"quem ama não mata", pressionando por justiça no caso.

Um segundo julgamento foi convocado, e Doca Street foi condenado a 15 anosarbety confiavelprisão.

A professora Janaína Matida afirma que o caso Diniz foi um "exemplo clássico das generalizações e estereótipos" que recaem sobre as mulheres durante o processo jurídico.

"Precisamos pensararbety confiavelmecanismos para neutralizar esse machismo, pelo perigoarbety confiavelque esses raciocínios moldem como se procuram (provas), ou seja, como se investiga, ou como se determina (o desfecho do caso na Justiça)."

Isso passa pelo estabelecimentoarbety confiavelprotocolos, diz a advogada Estela Aranha, que coloquem, por exemplo, prazos para elaboraçãoarbety confiavellaudos e para a coletaarbety confiavelprovas, para que eventuais indícios do crime que possam levar a condenações sejam efetivamente preservados.

Para a economista Hildete Pereiraarbety confiavelMelo, que fez parte do grupoarbety confiavelmulheres que se mobilizouarbety confiavel1980 para exigir um novo julgamento no caso Ângela Diniz, é chocante ver a história se repetir tantas décadas depois.

Ela e outras ativistas feministas estão organizando protestos no país para este domingo (8/11)arbety confiavelsolidariedade a Mariana Ferrer.

Apesar da dificuldade que se coloca diantearbety confiaveluma eventual mudança cultural,arbety confiaveluma transformação da forma como a sociedade brasileira enxerga a mulher, Hildete diz que "não desanima" e relembra as conquistas das últimas décadas — o sufrágio feminino, a revogação do estatuto da mulher casada (que dava ao marido o direitoarbety confiavelpermitir ou não que a esposa trabalhasse), o direito ao divórcio.

"Nossa grande vitória é que a questão está posta, isso que não existia nos anos 70."

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