A triste trajetóriabet365 pt brKarapiru, o indígena que 'morreu duas vezes':bet365 pt br

Crédito, Scott Wallace/GettyImages
Ao saber da trágica mortebet365 pt brKarapiru, a antropóloga Aparecida Vilaça, professora do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Riobet365 pt brJaneiro), correu atrásbet365 pt brdiversas pessoas que fizeram parte da história do indígena para recuperar e recontarbet365 pt brhistória.
"Fiquei comovida porque ele não é único. As pessoas não têm ideia, mas essas histórias são muito comuns, vários outros indígenas passam por processos parecidos: invasões, massacres, fugas, morte por covid. Pode variar o trajeto, eles podem não ser conhecidos, como o Karapiru ficou ao ser resgatado, mas a tragédia é a mesma", diz Vilaça à BBC News Brasil.
"A história dele reflete os destinos dos povos originários do Brasil."
Mas diferentemente da maioria dos indígenas que passam por situações parecidas sem que quase ninguém fique sabendo, históriabet365 pt brKarapiru foi amplamente divulgada nos jornais nos anos 1980, quando ele foi resgatado. No entanto, como mostra a pesquisabet365 pt brVilaça, ele foi tratado mais como uma "curiosidade" do que como uma pessoa que havia passado por uma situação extremamente traumática.
O povobet365 pt brKarapiru, os Awá Guajá, está entre os povos mais ameaçados do mundo - hoje é composto por apenas 420 pessoas. Vilaça diz que queria reconstruir os passosbet365 pt brKarapiru não só como uma homenagem a ele, mas para destacar seu papelbet365 pt brsímbolo da resistênciabet365 pt brseu povo e dos sofrimentos vividos pelos indígenas no Brasil.
Ao longobet365 pt brmeses, a pesquisadora conversou com antropólogos e outras pessoas que conviveram com Karapiru e fez uma grande pesquisabet365 pt brdocumentos e jornais antigos para reconstruir a saga do indígena - que ela contabet365 pt brum ensaio que será publicado na 39ª edição da revista serrote, do IMS (Instituto Moreira Salles), lançadabet365 pt br18bet365 pt brnovembro.
Vilaça explica como a solidão extrema - terrível para qualquer pessoa - é ainda mais devastadora para membrosbet365 pt brpovos que vivem uma sociabilidade e uma proximidade física muito intensa.
"Assim como outros povos originários, os Awá Guajá não têm a mesma noçãobet365 pt brindividualidade que nós temos. Eles se enxergam como partebet365 pt brum todo, estão sempre juntos. A ideiabet365 pt brestar sozinho é muito terrível", explica a antropóloga.
"Eles vivembet365 pt brconstante troca -bet365 pt brcomida,bet365 pt brcoisas,bet365 pt brexperiências. É como se o seu corpo e das outras pessoas, dabet365 pt brfamília, ficassem misturados. Para eles a cura, por exemplo, pode virbet365 pt brestar pertobet365 pt brum parente saudável", diz Vilaça.

Crédito, Bonnie Jo Mount/The Washington Post via Getty Imag
Duas mortes
A históriabet365 pt brKarapiru é peculiar, explica ela, porquebet365 pt bralguma forma ele conseguiu sobreviver a dez anosbet365 pt brtotal solidão, longebet365 pt brcasa,bet365 pt bruma terra desconhecida. Mas depoisbet365 pt brtudo - do massacre, da perda da família, da solidão - ele nunca conseguiu se recuperar totalmente.
Sem conversar com ninguém por dez anos, longe dos seus, foi esquecendo até mesmobet365 pt brlíngua. Como relatou depois, "dormia no alto das árvores e esqueceu o nome das coisas".
Na solidão, perdeu uma das habilidades mais centrais para o seu povo - abet365 pt brcantar. "Todos os homem adultos do povo Awá-Guajá sabem cantar, é uma característica deles", explica Vilaça. "Cantar é essencial para vida, para os rituais", diz ela.
Vilaça contabet365 pt brseu ensaio que, muitos anos depoisbet365 pt brter sido resgatado, Karapiru disse que havia desaprendido a cantar ao antropólogo Uirá Garcia - principal estudioso do povo Awá-Guajá.
Garcia gravava cantos do povo parabet365 pt brpesquisa quando Karapiru contou o que aconteceu.
"Eu respondi que ele podia cantar o que quisesse", escreveu Garciabet365 pt brum registro encontrado por Vilaça. "Ele então voltou a repetir que realmente não sabia cantar e que havia 'morrido um pouco' depois dos dez anos que viveu afastadobet365 pt brpessoas iguais a ele."
"Outras pessoas que estavam conversando conosco perceberam o meu espanto ao encontrar um velho que não sabia cantar", escreve Uirá. "Tratarambet365 pt brconfirmar o que Karapiru havia dito: 'Sim, ele morreu um pouco e, por isso, não sabe mais cantar'".
Quando morreubet365 pt brcovid-19bet365 pt br2021, Karapiru morreu "pela segunda vez".
"A morte, sabem bem os indígenas, não é sempre um evento único e pontual, pode acontecer várias vezes durante a vida, deixando marcas que silenciam os cantos", reflete Vilaçabet365 pt brseu ensaio.
"Assim como Karapiru, grande parte dos indígenas do Brasil experimenta - desde o século 16, e hoje particularmente - novas e múltiplas experiênciasbet365 pt brmorte: abet365 pt brprópria, por tiros, intoxicação, covid-19 e outras doenças trazidas pelos brancos, ou aquela vivida no luto pela perdabet365 pt brum parente ou das terras ancestrais, invadidas e destruídas por fogo, desmate e buracosbet365 pt brmineração", escreve ela. "Em tentativas desesperadasbet365 pt brescapar, saembet365 pt brpequenos grupos ou sozinhos à procurabet365 pt brum lugar protegido, cada vez mais difícilbet365 pt brencontrar."

Crédito, Scott Wallace/Getty Images
'Meu lugar'
Os relatos das pessoas que conviveram com ele, conta Vilaça, sãobet365 pt brque, apesarbet365 pt brtudo o que sofreu, Karapiru era uma pessoa "doce" e pacífica, com um constante sorriso.
No entanto, as marcas da tragédia que viveu não se resumiam aos traçosbet365 pt brchumbo das balas que foram encontradosbet365 pt brsuas costas muito tempo depois. Ficar sozinho e estar perdidobet365 pt bruma floresta desconhecida, deslocadobet365 pt brseu território, afetou Karapiru profundamente.
"As relações estão imbricadas no território. É o lugar que constrói a memória, o seu corpo, as pessoas, os espíritos", explica Vilaça.
Os Awá vivem da caça e da coleta e são excelentes caçadores. Embora não criassem roçados e não se assentassembet365 pt brum local só, o povo tinha um local delimitado para suas parambulações - uma grande extensãobet365 pt brterras entre os rios entre os rios Turiaçu, Caru, Gurupi e Pindaré, no Maranhão.
Segundo o trabalho do antropólogo Uirá Garcia, os Awá chamam esse seu territóriobet365 pt brharakwaha, ou "meu lugar", que na verdade é um "conjuntobet365 pt brlugares com a memória do povo: aldeias antigas, vestígiosbet365 pt branimais caçados, árvores desconhecidas".
"Quando Karapiru foi abruptamente retirado desse lugar, ele se tornou um refugiado", diz Vilaça.
Mesmo depoisbet365 pt brser resgatado pela Funai, ao longo dos 30 anos que viveu com os Awá Guajá Karapiru nunca conseguiu se reintegrar totalmente, como contou à Vilaça o antropólogo Sidney Possuelo, sertanista que ajudou a levar Karapirubet365 pt brvolta para o territóriobet365 pt brseu povo.
Karapiru descobriu que seu filho havia sobrevivido, mas ele não conhecia mais ninguém. "Seus parentes não estavam lá, ele não tinha mais redesbet365 pt brparentesco, seu grupo foi dizimado. Embora estivesse com seu povo e tenha se tornado um membro querido da comunidade, continuou, num certo nível, estrangeiro", conta Vilaça.
"É como se eu estivesse perdida e, quando me resgatassem, eu fosse levada não pro Riobet365 pt brJaneiro onde estão minha família e meus amigos, mas para algum lugar onde não conheço ninguém, me deixassem no interior do Paraná, por exemplo", diz Vilaça à BBC News Brasil.
"Assim que ele voltou ao Maranhão, ofereceram-lhe uma casa e uma mulher como esposa, mas volta e meia ele fugia - como é comum entre os homens Awá-Guajábet365 pt brsituaçãobet365 pt brraiva, medo ou tristeza", relata Vilaça no ensaio da serrote. "De acordo com o que disseram a Sydney, ele acabou por construir para si um tapiri (uma espéciebet365 pt brabrigo) fora da aldeia, onde permanecia por dias, isolado."
Quando adoeceubet365 pt br2020, Karapiru foi internado longebet365 pt brsua comunidade. Como muitos dos pacientes internados com covid, não pôde se despedirbet365 pt brninguém. Morreu sozinho, assim como viveu durante tantos anos.

Crédito, Scott Wallace/Getty Images
Perseguição brutal
Alémbet365 pt brrelatos da vida e da mortebet365 pt brKarapiru, Vilaça recuperou também,bet365 pt brseu ensaio na revista serrote, o contexto do massacre ao qual ele sobreviveu.
Durante a ditadura militar, nos anos 1960, a descobertabet365 pt brreservas minerais na região do Maranhão onde o povo vivia levou a uma intensa pressão sobre o território. Foi nessa época que foi criada a ferrovia Carajás-Ponta da Madeira, levando ao aumento populacional na região.
"Naquele período inicial, dezenasbet365 pt brindígenas morreram vitimados por doenças e assassinatos que, embora amplamente registrados pela imprensa, permaneceram sem punição", escreve Vilaça.
A pesquisadora destaca que hoje, meio século depois, os povos indígenas estão novamente sob uma grande ameaça por causa do recente avançobet365 pt brgarimpos ilegais,bet365 pt brgrileiros e do desmatamento.
Vilaça diz que é preciso chamar atenção para a dos muitos outros "que não tiveram a mesma resistência física, a mesma 'sorte'bet365 pt brcairbet365 pt brmãos benevolentes, e acabaram mortos, levando consigo lembranças e conhecimentos que jamais serão passados adiante.". E para a tragédia das centenas que, assim como Karapiru, sobreviveram a todas essas ameaças mas morrerambet365 pt brcovid-19, que afetou os povos indígenas desproporcionalmente.

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