'Posso continuar preso para jantar?': o pedido que acendeu debate sobre Justiça para pobres:sport x guarani

Mão fechando as gradessport x guaraniuma prisão

Crédito, Getty Images

Em contraponto, algumas pessoas também criticaram a Justiça por ter soltado uma pessoa que praticou um delito violento, pedindo que Sotero levasse o jovem "para jantarsport x guaranicasa".

"Estou há anos na estrada, e já vi muita coisasport x guaraniaudiências. Mas essa história me surpreendeu. Normalmente, as pessoas querem sair correndo da prisão, mas esse rapaz foi tão espontâneo e tão sincero ao falar da fome que chocou todo mundo na audiência", diz Luciano Sotero Santiago, promotor que pediu a soltura.

A juíza Elâine Freitas acatou o pedido, e disse que o jovem poderia ficar na penitenciária para jantar enquanto os trâmites burocráticos da soltura eram resolvidos.

'A maior preocupação era a fome'

O serventesport x guaranipedreiro João (nome fictício), negro,sport x guarani20 anos, foi presosport x guaraniflagrante na madrugada do dia 4sport x guaranijunho após roubar um celular usando uma faca. Ele confessou o crime na delegacia, segundo a polícia. O caso, que aconteceu na cidadesport x guaraniSanta Luzia, região metropolitanasport x guaraniBelo Horizonte, foi revelado pelo portal UOL.

No Boletimsport x guaraniOcorrência, a vítima — uma estudantesport x guarani22 anos — contou que foi abordada por João após os dois saíremsport x guaranium ônibus. "Ele usava uma faquinha. Pegou celular, a faquinha caiu no chão e ele fugiu", contou a jovem. Preso minutos depois, o pedreiro foi reconhecido pela vítima na delegacia. O celular foi devolvido.

Na audiênciasport x guaranicustódia, que define se a pessoa vai permanecer detida enquanto responde ao processo, a juíza decidiu soltá-lo a pedido do promotor Luciano Sotero e da defensora Mirelle Morato Gonzaga. A magistrada determinou que João utilize uma tornozeleira eletrônica e não se aproxime da vítima. Ele ainda será julgado pelo crime e, se condenado, pode retornar à prisão.

Sotero diz que se baseou na Constituição e Código Penal para pedir a liberdade do pedreiro. "Ele é primário e confessou o delito. O código permite medidas cautelares, não existe antecipação da pena. E a prisão preventiva deve ser usada apenassport x guaranicasos excepcionais, extremos", explica.

Mulher segura tigela vazia

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Aumento da fome no Brasil: 33 milhõessport x guaranibrasileiros não têm o que comer todos os dia

Durante a audiência, João afirmou que tomava remédios para dormir, pois ficava muito "agitado" à noite, embora não tivesse prescrição porque nunca se consultou com um psiquiatra. A juíza então expediu um ofício à prefeiturasport x guaraniSanta Luzia pedindo que o jovem tenha acompanhamento médico, alémsport x guaranisolicitar um examesport x guarani"sanidade mental."

Quando soube que seria solto, João tomou a palavra e pediu para ficar mais tempo detido para se alimentar na cadeia. "Vou pegar ônibus para ir embora. Quero jantar", disse.

A defensora Mirelle Morato Gonzaga conta que a fala surpreendeu a todos. "Ele não demonstrou querer ser solto naquele momento. A maior preocupação foi com a fome,sport x guaraniter algo para comer naquela noite."

A juíza Elâine Freitas o tranquilizou dizendo que os trâmitessport x guaranisoltura iriam demorar um pouco, dando tempo para que ele jantasse no presídio.

O rapaz disse morar com o paisport x guaranium bairrosport x guaraniperiferiasport x guaraniSanta Luzia — perdeu a mãe quando era criança. Desempregado e com Ensino Fundamental incompleto, vivesport x guaranibicos esporádicos como serventesport x guaranipedreiro. A reportagem entrousport x guaranicontato com a família dele, mas ela não quis falar sobre o assunto.

Acesso a direitos básicos

Segundo o promotor Luciano Sotero, o casosport x guaraniJoão reflete a faltasport x guaraniacesso da população pobre a direitos básicos, como alimentação, saúde e educação.

"Muitas vezes a pessoa só consegue se consultar com um médico ou voltar a estudar quando é presa. Mas hoje chegamos ao pontosport x guaranialguém só conseguir comer na prisão", diz Sotero, que atua na Promotoriasport x guaraniMinas Gerais há 11 anos.

"Não se tratasport x guaranidiminuir o sofrimento da vítima, mas me pergunto o que é pior: um roubo ou a faltasport x guaraniperspectivassport x guaranivida,sport x guaranialimentação, saúde, educação pública? A diferença é que o roubo é crime, e o restante não", diz.

Para Maurício Dieter, professorsport x guaranicriminologia da USP, o caso contradiz o "principio da mínima elegibilidade" do direito penal — ou seja, a ideiasport x guaranique as condiçõessport x guaraniuma prisão são piores do que fora dela.

"Quando a pessoa é presa, ela espera que a vida na cadeia seja pior do que se ela estivesse livre. A ideia do encarceramento vem daí. Mas nossa sociedade admite o contrário. O Brasil consegue oferecer jantar para uma pessoa na prisão e não fora dela", diz.

Já Sotero acredita que manter o pedreiro encarcerado seria "acabar com a vida dele".

"Há bandidos, tantosport x guaraniclasse média quanto da baixa, que realmente precisam ser apartados da sociedade. Mas quando você coloca na cadeia um jovem marginalizado, invisível e sem perspectivasport x guaranivida, o que vai acontecer com ele? Vai ficarsport x guaranium presídio superlotado, sem condições mínimas, controlado por facções. Para não sofrer a abusos, para se proteger, terá que fazer acordos e vai sairsport x guaranilá devendo... A tendência é que cometa crimes piores", diz.

Justiça x criminalidade

Corredorsport x guaranicadeia Tremembé 2
Legenda da foto, O Brasiltem quase 1 milhãosport x guaranidetentos, a terceira maior população carcerária do mundo

Uma das críticas que se faz à Justiça criminal brasileira é que, embora o encarceramento e o númerosport x guaranicondenações tenham se intensificado nas últimas décadas, os índicessport x guaranicriminalidade não diminuíram nas ruas. Esse é um posicionamento oposto aosport x guaranisetores da sociedade, da política, do MP e da Justiça que pregam um endurecimento da repressão policial e das punições como resposta e prevenção à violência.

Em 2005, havia 296.919 detentos no Brasil. Em 2020, eram 919.651, altasport x guarani209% — os dados são do Conselho Nacionalsport x guaraniJustiça (CNJ). O númerosport x guaranivagas no sistema, no entanto, ésport x guarani442 mil — metade do contingente detido.

No período, o númerosport x guaranihomicídios continuou no mesmo patamar — cercasport x guarani51 mil por ano,sport x guaranimédia. Em 2017, o Brasil bateu seu recorde históricosport x guaranimortes violentas: 65.602 pessoas foram assassinadas,sport x guaraniacordo com o Atlas da Violência.

Já as condenações por tráficosport x guaranidrogas também aumentaramsport x guaranimaneira significativa, mas o número e a força das facções que controlam o mercado ilegal também cresceu. Em 2005, 14% dos presos foram condenados por delitos relacionados ao tráfico, segundo o Levantamento Nacionalsport x guaraniInformações Penitenciárias (Infopen). Jásport x guarani2019, tráfico representava 27,4% — entre as mulheres, o índice chega a 54,9%.

Embora o Código Penal preveja maissport x guaranimil crimes no país, apenas três deles correspondem a 71%sport x guaranitodo o sistema carcerário: tráfico, furto e roubo. Já delitos contra a pessoa, como homicídio, respondem por 11,3% do total.

"Furto, roubo e tráfico acontecem nas ruas: a polícia prendesport x guaraniflagrante sem investigar, e a Justiça condena com provas frágeis. Quem é preso nessas circunstâncias? Os pobres que transitam pelo espaço público. O sistema criminal é seletivo, e funciona para gerir a miséria e o território. O que explica policiais andando com fuzissport x guaranibairros periféricos? O 'combate ao tráfico'. Emsport x guaraniimensa maioria, as pessoas presas não são grandes traficantes milionários, mas sim jovens pobres que atuam no varejo", diz Dieter.

Para ele, o encarceramentosport x guaranimassa "não é uma coincidência", mas um projeto da sociedade. "Nós temos o númerosport x guaranipresos que queremos ter. Não é por acaso que a maioria seja pobre, negra e semianalfabeta. O sistema foi pensado para ser assim, é isso que se espera dele", diz.

Nesse contexto, defensores e criminalistas costumam comparar punições por furto àssport x guaranidelitos envolvendo tributação. Se alguém furtar comida, por exemplo, pode ser detido e condenado à cadeia. Porém, quem tem dívidas tributáriassport x guaraniaté R$ 20 mil sequer é processado.

"Uma pessoa pobre dificilmente vai dever R$ 20 milsport x guaraniimposto. Quem deve imposto no Brasil? A parcela mais rica da população. Mas se alguém furtar um pedaçosport x guaranicarne para o filho comer vai responder criminalmente", diz Sotero.

Fachada do Supremo Tribunal Federal, com destaque para imagem que representa a Justiça vendada

Crédito, Dorivan Marinho/SCO/STF

Perfis

O pedreiro João é um exemplo do perfil majoritário dos presos. Segundo o Anuário Brasileirosport x guaraniSegurança Pública, doissport x guaranicada três são negros — apenas 51% concluíram o ensino fundamental. Já 62,3% têm entre 18 e 34 anos.

É um perfil é oposto ao dos magistrados que julgam essas pessoas.

Uma pesquisa do CNJsport x guarani2018 ouviu cercasport x guarani11 mil profissionais: 80% deles se declararam brancos, e 18%, negros. A maioria é homem (62%) e tem origem na camada mais rica — 51% têm o pai com ensino superior completo ou mais, e 42% tem a mãe na mesma faixasport x guaraniescolaridade. Um quinto dos magistrados tem pais que atuaram na mesma carreira.

"Vigora no Judiciário e no MP um perfilsport x guaranihomens brancos, heteronormativos. As mulheres, esport x guaraniespecial as mulheres negras, são subrepresentadas. Isso com certeza se reflete nas decisões: um juiz julga a partirsport x guaranivalores que ele tem", diz a promotora Celeste Leite dos Santos, idealizadora do Estatuto da Vítima, conjuntosport x guaranimedidas, ainda a ser votada no Congresso, que visa assegurar a proteção e a promoção dos direitos das vítimassport x guaranicrimes.

Para Sotero, os operadores do direito vivem "apartados da realidade do país". "Promotor e juiz ganham um salário muito acima da média. Andamsport x guaranicarro importado, moramsport x guaranicondomínios fechados. No tribunal, usam elevador privativo, gabinete com ar-condicionado, cafezinho... A justiça é um retrato da sociedade: racista, classista, preconceituosa. Se o sistema só trabalha com punição, excluindo outros direitos, vira uma máquinasport x guaranimoer pobres."

Já Mauricio Dieter, da USP, acredita que não basta mudar o perfil do Judiciário e do MP para resolver a situação, como a políticasport x guaranicotas no Judiciário. "A única solução que vejo são menos condenações, menos processos, menos encarceramento... A massa dos presos não está ali porque cometeu crime, mas pelo que ela é. A Justiça não é a solução, mas sim parte do problema", diz.

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