A brasileira que virou símbolo LGBT e cujo assassinato levou a novas leismelhores casas apostasPortugal:melhores casas apostas
- Mamede Filho
- de Lisboa para a BBC Brasil

Crédito, Arquivo I Panteras Rosa
A brasileira Gisberta foi mortamelhores casas apostas2006 por um grupomelhores casas apostas14 adolescentes entre 12 e 16 anos
melhores casas apostas Há dez anos, Portugal despertava para a crua realidade da intolerância e do ódio contra os homossexuais. O assassinatomelhores casas apostasuma transexual no Porto chocava a sociedade. Agredida e violada sistematicamente por 14 adolescentes durante dias, seu corpo foi encontrado no fundomelhores casas apostasum poçomelhores casas apostas15 metros. A vítima: Gisberta Salce Junior, uma imigrante brasileiramelhores casas apostas45 anos.
Gisberta transformou-semelhores casas apostassímbolo da discriminação múltipla: imigrante ilegal, transexual, prostituta, sem-teto e soropositiva. Seu assassinato causou um profundo impacto na sociedade portuguesa. Gerou o debate sobre a transfobia, mudou o olhar para as questões da igualdademelhores casas apostasgênero. Abriu o caminho para transformações que garantiriam maior inclusão e direitos aos homossexuais e transgêneros.
"O assassinato da Gisberta estabeleceu um antes e um depoismelhores casas apostasPortugal. Mudou a maneira como a sociedade olhava para as mulheres trans, mudou o modo como a imprensa cobria os transexuais, estimulou a criaçãomelhores casas apostasleis que tratassem da igualdademelhores casas apostasgênero", afirma à BBC Brasil o ativista português Sérgio Vitorino, do movimento social Panteras Rosa.
Nos anos que se seguiram à morte da brasileira,melhores casas apostas22melhores casas apostasfevereiromelhores casas apostas2006, o legislativo português criou uma sériemelhores casas apostasleis voltadas para a igualdademelhores casas apostasgêneros, com o objetivomelhores casas apostasgarantir a pessoas trans maior acesso à Justiça, à educação e ao emprego. Além disso, foi aprovada a concessãomelhores casas apostasasilo a transexuais estrangeirosmelhores casas apostasriscomelhores casas apostasperseguição.
"Portugal transformou-se num dos países mais avançados do mundo no tratamento à igualdademelhores casas apostasgênero. As leis criadas nos últimos 10 anos possibilitaram que um número grandemelhores casas apostashomens e mulheres trans conseguissem se integrar à sociedade", explica Nuno Pinto, investigador do ISCTE - Instituto Universitáriomelhores casas apostasLisboa e diretor da associação lusa Ilga (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgênero).
Medo da violência
Gisberta nasceu Gisberto,melhores casas apostasSão Paulo, caçulamelhores casas apostasuma família com oito filhos. Ainda na infância dava sinaismelhores casas apostasque estava num corpo que não correspondia àmelhores casas apostasidentidademelhores casas apostasgênero. Após a morte do pai, confessou à família, ainda na adolescência, que gostariamelhores casas apostasser mulher. Aos 18 anos, com medo da crescente violência contra transexuais na capital paulista, optou por se mudar para a França.
Mais tarde, já depoismelhores casas apostasrealizar tratamento hormonal e fazer implantemelhores casas apostassilicone nos seios, Gisberta mudou-se para o Porto, no Nortemelhores casas apostasPortugal. Rapidamente enturmou-se na cena gay local. Fazia apresentaçõesmelhores casas apostastransformismomelhores casas apostasbares e boates. A vida como artista, contudo, não gerava dinheiro suficiente para pagar as contas. Como complementomelhores casas apostasrenda, recorreu à prostituição.
A imigrante brasileira possuía vistomelhores casas apostasresidência e adaptou-se à vidamelhores casas apostasPortugal. Os contatos com a família eram raros. Com o passar dos anos, no entanto,melhores casas apostassituação começou a se deteriorar.

Crédito, Arquivo I Panteras Rosa
Passeatas e manifestações públicas lembram o assassinato da brasileira durante os anos
Os sinais no corpomelhores casas apostasque era portadora do vírus HIV impossibilitaram a brasileiramelhores casas apostasse sustentar pela prostituição. O nome masculino e o corpomelhores casas apostasmulher impossibilitavam que obtivesse trabalho. Desempregada, não conseguiu renovar o vistomelhores casas apostasresidência e passou ao statusmelhores casas apostasimigrante ilegal. Sem dinheiro para pagar as contas, tevemelhores casas apostasdeixar o apartamentomelhores casas apostasque morava no Porto.
Depoismelhores casas apostaspassar por alguns hospitais para tratarmelhores casas apostasdoenças provocadas pela Aids, encontrou abrigomelhores casas apostasum prédiomelhores casas apostasobras abandonado no Porto. No fimmelhores casas apostasdezembromelhores casas apostas2005, três adolescentes começaram a frequentar o edifício para pichar suas paredes. Um deles reconheceu Gisberta, que havia improvisado um barracão com seus pertences no local, agora seu lar.
Filhomelhores casas apostasuma mulher que se prostituía, Fernando conheceu Gisberta quando tinha a idademelhores casas apostas6 anos e ficava aos cuidadosmelhores casas apostasuma babá que amparava crianças nessa situação. A brasileira era conhecida dessa babá e passou a relacionar-se com a mãe do garoto.
Fernando e seus dois amigos frequentavam a escola e uma instituição administrada pela Igreja Católica chamada Oficinamelhores casas apostasSão José. As visitas passaram a ser regulares, e Gisberta confidenciou que estava debilitada pelo HIV e o consumomelhores casas apostasdrogas 'pesadas',melhores casas apostasespecial cocaína. Comovidos, eles passaram a levar comida para ela e chegaram até mesmo a cozinhar no prédio abandonado, segundo consta no processo que tratou do crime.
Algum tempo depois, os garotos contaram a colegas sobre Gisberta, que descreveram como "um homem que 'tinha mamas' e 'parecia mesmo uma mulher'". As visitas, que até então eram solidárias, transformaram-se num incompreensível atomelhores casas apostasviolência extrema e gratuita. Os 14 jovens – entre os 12 e os 16 anos – dividiram-semelhores casas apostasgrupos que revezavam-se para espancar, violentar e humilhar a brasileira.
Durante três dias, Gisberta foi agredida a pedradas, pauladas e chutes. Foi sexualmente torturada com o usomelhores casas apostaspedaçosmelhores casas apostasmadeira e teve o corpo queimado com cigarros. Entre 21 e 22melhores casas apostasfevereiro, os jovens voltaram ao prédio abandonado. A brasileira não respondia a qualquer estímulo. Ao julgarem que estava morta, planejaram como desaparecer com o corpo.
Primeiro pensarammelhores casas apostasqueimá-lo, mas desistiram por medomelhores casas apostasque a fumaça atraísse a atençãomelhores casas apostasseguranças que trabalhavam num parque próximo. Depois imaginaram enterrá-lo, mas não tinham as ferramentas necessárias. Então, optaram por atirá-la ao fosso do prédio, que estava cheiomelhores casas apostaságua. Gisberta estava inconsciente, mas ainda viva. Morreu afogada.
'Brincadeiramelhores casas apostasmau gosto'

Crédito, Google Street View
O prédiomelhores casas apostasobrasmelhores casas apostasque Gisberta foi assassinada, no Porto, ainda se encontra abandonado
O corpomelhores casas apostasGisberta foi descoberto no mesmo dia. Um dos adolescentes confessou o crime a uma professora da escolamelhores casas apostasque estudava. No dia seguinte, os jornais tratavam do assassinato do "travesti" e do "imigrante sem-teto" no Porto.
O caso ganhou proporções inéditas na mídia e na sociedade portuguesas nos meses seguintes. Associaçõesmelhores casas apostasdefesa dos direitos dos homossexuais organizaram manifestações pelo país e fizeram vigíliamelhores casas apostasfrente ao prédio onde Gisberta fora assassinada. A imprensa acompanhava todos os desdobramentos do caso, enquanto lutava contra os próprios estereótipos sobre os transexuais.
"No começo, para a imprensa a Gis era 'o Gisberto', um trans soropositivo morto. Não havia fotos dela nas reportagens, apenas os estereótipos. Nós fizemos uma campanha, conseguimos fotos e distribuímos para os jornais e TVs. Foi assim que ela ganhou uma cara, foi humanizada e passou a ser tratada melhor com o passar dos meses", conta Sérgio Vitorino.
A autópsia do corpo da brasileira confirmou lesões na cabeça, pescoço, membros inferiores e superiores, laringe e traqueia, abdômen, intestinos e rins. Além disso, identificou múltiplas equimoses, infiltrações hemorrágicas, escoriações e infiltrações sanguíneas. Mas a causa mortis foi afogamento, o que ajudou os acusados.
Os menores, que antes tinham sido acusadosmelhores casas apostashomicídio qualificado, tiveram a acusação alterada para ofensas corporais qualificadas. O único que poderia ser julgado como adulto foi o mais velho, que tinha 16 anos - mas o restante do grupo testemunhou que ele apenas assistiu às agressões, mas não chegou a participar.
Ele, então, foi condenado a oito meses por omissãomelhores casas apostasauxílio, ou seja, por não ter ajudado a uma pessoa que corria riscomelhores casas apostasmorte. Entre julho e setembromelhores casas apostas2007, apenas um ano e meio após o assassinato, todos estavam livres.
"O juiz disse, textualmente, que o assassinato foi 'uma brincadeiramelhores casas apostasmau gostomelhores casas apostascrianças que fugiu ao controle'. Gisberta foi amarradamelhores casas apostasum pedaçomelhores casas apostasmadeira e atirada ao fosso, mas o julgamento, no fim, determinou que quem a matou foi a água, e não as pessoas que a atiraram lá", recorda Vitorino.

Crédito, Arquivo I Panteras Rosa
O brutal assassinatomelhores casas apostasGisberta transformou-semelhores casas apostaspeçamelhores casas apostasteatro, documentário e música interpretada por Maria Bethânia
A frustração com o resultado do julgamento mobilizou os movimentosmelhores casas apostasdefesa da igualdademelhores casas apostasgênero. Leismelhores casas apostasproteção a homens e mulheres trans foram aprovadas. Desde 2011, para que uma pessoa consiga mudar o nome e gêneromelhores casas apostasseus documentos basta um parecer médico.
No Brasil, a cirurgiamelhores casas apostastrocamelhores casas apostassexo não é necessária, mas a alteração não é tão simples. É preciso ter laudo psiquiatra e psicológico, além do testemunhomelhores casas apostasamigosmelhores casas apostasque a pessoa é tratada pelo nome que escolheu.
"Nos últimos anos, Portugal passou a enxergar os transexuais com um olhar humano. Quando vemos uma notícia sobre homens e mulheres trans na mídia, na maior parte dos casos é sob a perspectiva dos direitos humanos. Ainda existe um longo caminho a percorrermelhores casas apostasmuitos aspectos, mas houve uma evolução notável nessa última década", avalia Nuno Pinto.
"Claro que o caso Gisberta tem um papelmelhores casas apostasdestaque nessas mudanças. A história dela está presente no fortalecimento da causa LBGTmelhores casas apostasPortugal, no amadurecimento da mídia, nas leis que foram aprovadas. Houve um antes e um depois da Gisberta", avalia Vitorino.
A história da brasileira foi transformadamelhores casas apostaspeçamelhores casas apostasteatro,melhores casas apostasdocumentário e na canção Baladamelhores casas apostasGisberta, composta pelo português Pedro Abrunhosa e interpretada por Maria Bethânia.
Seu corpo está enterradomelhores casas apostasSão Paulo. Masmelhores casas apostaspresença ainda é marcantemelhores casas apostasPortugal, onde se transformou numa bandeira para a igualdademelhores casas apostasgênero e os direitos humanos.




