O grande compositor negro do século 16 apagado da história:bet355 bet

"Existem muitas coisas que você poderia dizer sobre a pessoa agradável e a figura excepcional que ele era", afirma o compositor, maestro e especialistabet355 betmúsica antiga Joseph McHardy, recente defensorbet355 betLusitano.

O que sabemos é que Lusitano era um padre católico, compositor e teórico musical. Em 1551, ele deixou Portugal e mudou-se para Roma, capital musical multicultural da Europa na época, muito provavelmente seguindo um rico mecenas, o embaixador português.

Lusitano parece ter se dado muito bembet355 betRoma, publicando uma coleçãobet355 betmotetos — composições sacras para corais polifônicos (nas quais as vozes cantam diversas camadasbet355 betmelodias independentes simultaneamente).

Em seguida, Lusitano se envolveubet355 betum debate público importante sobre as regras da composição e o usobet355 betjustaposiçõesbet355 betdiferentes sistemas ou chavesbet355 betafinação com um compositor rival, o italiano Nicola Vicentino. Imagine uma disputa no Twitter da Renascença, mas com nada menos que um quadrobet355 betjuízes oficial composto por eminentes artistas do coral da Capela Sistina.

Ao final do julgamento do duelo intelectual, Lusitano foi unanimemente declarado vencedor — uma vitória improvável, já que, como estrangeiro, ele era um azarão, comparado com Vicentino e suas boas conexões.

Mas, insatisfeito com o desfecho, Vicentino liderou uma campanhabet355 betdifamação contra Lusitano, desacreditando o músico português e suas ideias. No famoso tratado impressobet355 bet1555, Vicentino inventou uma versão enganosa do debate, dando a impressãobet355 betque ele, na verdade, era quem tinha as melhores ideias. Este foi o documento que permaneceu — ebet355 betversão foi posteriormente reproduzidabet355 betmuitos livros.

Pouco depoisbet355 bet1553, Lusitano se converteu ao protestantismo, uma decisão inédita para um compositor ibérico daquela época. Ele também se casou e mudou para a Alemanha. Sabe-se que ele compôs músicabet355 bettrocabet355 betpagamento lábet355 bet1562 — e se candidatou a um empregobet355 betStuttgart.

Mas, embora seus feitosbet355 betRoma indiquem que Lusitano conquistou bastante respeito porbet355 betmúsica ao longo da vida,bet355 betobra não foi publicada ou apresentada tanto quanto abet355 betseus contemporâneos. Sua música parece não ter se difundido pela Europa.

Isso fez com que Lusitano fosse apreciado pelos musicólogosbet355 betPortugal, mas não chegasse a estudiososbet355 betfala não portuguesa. Houve momentos esporádicosbet355 betinteresse acadêmico, mas que nunca renderam uma atenção prolongada, nem partituras modernas e acessíveis que pudessem ser compartilhadas com facilidade, nem apresentações daquilo que realmente interessa:bet355 betmúsica.

Os novos defensoresbet355 betVicente Lusitano

Isso só mudou bem recentemente. Durante a pandemiabet355 betcovid-19, dois amantes da música renascentista redescobriram Lusitano separadamente — e estão apresentando concertos e gravações dabet355 betobra —, enquanto um espetáculo que revisita as composiçõesbet355 betLusitano está agorabet355 betturnê pelo Reino Unido.

No que descreve como os "piores dias" do primeiro lockdown, Rory McCleery, fundador do conjunto vocal britânico The Marian Consort, leu na revista VAN um artigo sobre Vicente Lusitano,bet355 betautoria do acadêmico Garrett Schumann, da Universidadebet355 betMichigan, nos Estados Unidos.

Ansioso por descobrir mais, McCleery ficou encantado ao saber que Liber primus epigramatum, a coleçãobet355 betmotetos composta por Lusitanobet355 bet1551, havia sido digitalizada e disponibilizada na internet.

"Sempre fui inclinado a encontrar compositores da Renascença que passaram despercebidos", conta.

"É sempre superemocionante quando você encontra um compositor, começa a examinarbet355 betmúsica e vê que, na verdade, ela é muito boa. Você quer divulgá-la — a música está aí para ser compartilhada."

E ele compartilhou. O grupo The Marian Consort incluiu uma músicabet355 betLusitano, Inviolata, integra et casta es,bet355 bet seus concertosbet355 betdezembrobet355 bet2020. Provavelmente, foi a primeira vez que ela foi apresentada ao vivo no Reino Unido.

No último verão do hemisfério norte, eles a incluírambet355 betum concerto celebrando outro compositor da Renascença, muito mais famoso: Josquin des Prez. Foi perfeito, já que a obrabet355 betLusitano mantém um diálogo claro com abet355 betPrez. Em Inviolata, Lusitano partebet355 betuma composição altamente técnicabet355 betJosquin des Prez, com cinco partes, expandindo-abet355 betforma impressionante para oito vozes.

"Lusitano claramente gostavabet355 betexperimentar, e tudo isso é muito inteligente. Você resolveu um cubo mágico, e agora vou resolver quatro cubos mágicos ao mesmo tempo...", brinca McCleery.

"Mas, para mim, o fascinante é que é uma música muito bonita, alémbet355 betmuito inteligente."

O grupo The Marian Consort vai lançar um álbum completo com músicasbet355 betLusitano no segundo semestrebet355 bet2022 — e já se associou à organização Classical Remix para apresentar um novo espetáculo chamado Lusitano Remixed,bet355 betgaleriasbet355 betarte e espaços musicais no Reino Unido.

O aclamado compositor e cantorbet355 betópera Roderick Williams foi escolhido para comporbet355 betprópria resposta à Inviolata,bet355 betVicente Lusitano. Ela é executada por oito caixasbet355 betsom dispostasbet355 betcírculo, uma para cada cantor, que o ouvinte pode moverbet355 betlugar.

Minha experiência na Capela Samuel Worth,bet355 betSheffield, no Reino Unido, foi espacial e imersiva — mergulhando vocêbet355 betum som surround crescente, mas permitindo também contato próximo e íntimo com cada voz individualmente.

"Como muitas pessoas, eu nunca havia ouvido falarbet355 betLusitano", admite Williams ao comentar sobrebet355 betmúsica, que começa com Prez, depois inclui Lusitano, até "explodir" nabet355 betprópria interpretação contemporânea.

"A ideia do grupo The Marian Consortbet355 betpesquisar sobre ele surgiu porque ele foi esquecido pela história, por malícia, por ignorância. Estamos começando a acordar, todos nós, para a ideiabet355 betque havia compositores que não eram brancos no passado", afirma.

McCleery não foi o único a ter um encontro fortuito com Lusitanobet355 bet2020. Durante os protestos do movimento Black Lives Matter, Joseph McHardy viu no Twitter uma fotografiabet355 betalguém segurando um cartaz mostrando compositores negros ao longo da história, com a legenda "ensinem esses compositores" — incluindo Lusitano,bet355 betquem ele nunca havia ouvido falar. McHardy pesquisou na internet, encontrou o artigobet355 betSchumann e entroubet355 betcontato com ele.

Desde então, a dupla vem trabalhando na tarefa colossalbet355 bettransformar os livrosbet355 betpartiturasbet355 betLusitano — com todas as partes vocais individuais separadas para seus motetos —bet355 betuma partitura unificada com notação moderna, para que possa ser compreendida e executada com mais facilidade.

Estão planejadas uma edição escolar e uma gravação, que provavelmente serão lançadas no iníciobet355 bet2023. Três concertos da obrabet355 betLusitano estão sendo apresentados por semana pelo conjunto vocal negro e etnicamente diverso Chineke! Voices.

Seriabet355 betse esperar alguma rivalidade entre dois especialistas musicais que descobriram simultaneamente a mesma figura esquecida. Mas, na verdade, ambos parecem estar contentes por mais gente poder ter a possibilidadebet355 betouvir a músicabet355 betVicente Lusitano.

"A horabet355 betLusitano chegou — ele é o espírito da época, o que é fantástico, porquebet355 betmúsica realmente merece ser mais conhecida", diz McCleery.

E os dois músicos também estão convictosbet355 betque este interesse renovado não se deve apenas ao fato surpreendentebet355 betque Lusitano era um compositor com descendência africana — mas à qualidade dabet355 betmúsica.

A beleza da músicabet355 betLusitano

"É muito difícil escolher as obras [a serem incluídas] porque todas elas são muito boas!", afirma McHardy, prometendo que o álbum do grupo Chineke!, assim como os concertos, vão oferecer 90 minutosbet355 bet"polifonia da Renascença da melhor qualidade".

Ele também quis incluir obras variadasbet355 betLusitano — algumas das suas "obras-primas realmente complexas, com oito partes", mas também músicas significativas parabet355 bethistória, como o moteto Regina coeli, cromático e aventureiramente incomum, que se acredita ter sido a razão daquela rixa com Nicola Vicentino.

Mas o que exatamente atrai na músicabet355 betLusitano?

"Basicamente, ela é realmente bonita", afirma Rory McCleery.

"Existem frases musicais muito longas que parecem se prolongar pela eternidade. Mas o uso do cromatismo também é interessante, [com] momentos levemente ardentes — o equivalente musical ao toquebet355 betum metal sobre o outro."

Se você alguma vez ouviu Lusitano, provavelmente terá sidobet355 betobra mais cromática, Heu me domine, que vem atraindo interesse desde a décadabet355 bet1980, exatamente pelabet355 betdissonância experimental. Na verdade, este estudo vembet355 betum tratado teórico sobre contraponto e improvisação escrito por Lusitano — seu propósito maior era ilustrar um ponto, e não criar uma composição para ser executada.

"É uma obra muito interessante. Mas não é tão representativa [da músicabet355 betLusitano]", diz Schumann.

Ele também usa a palavra "bela" para tentar resumir a riquezabet355 betcamadas da polifoniabet355 betLusitano:

"É simplesmente muito, muito bonito."

"'Opulenta' é uma boa palavra para defini-la", concorda McHardy.

Então vale a pena revisitarbet355 betmúsica. Mas, para a audiência contemporânea, é claro que a identidade e a biografiabet355 betVicente Lusitano, com todas as suas lacunas, também são uma fontebet355 betenorme fascinação.

O que sabemos sobre comobet355 betascendência pode ter afetado suas perspectivasbet355 betcarreira — durantebet355 betprópria vida e desde então? Grande parte são especulações, mas é provável que Lusitano tenha enfrentado preconceitos. Ebet355 betidentidade certamente representou uma desvantagembet355 betsituações específicas.

Vicente Lusitano teria sido impedidobet355 betconseguir um empregobet355 betuma das principais igrejasbet355 betPortugal devido às suas origens.

"O decreto do Papa permitindo que homens com descendência africana fossem ordenados padres os proibia especificamentebet355 betreceber benefícios na igreja portuguesa", explica McHardy.

Uma das obras que McHardy está gravando, Quid Montes, Musae?, é uma rara composição secular, baseadabet355 betum poema que pede para as musas que se mudem para a Itália com o embaixador português. McHardy especula se o próprio Lusitano teria escrito a letra — outro ponto incomum para um compositor musical naquela época, que pode dar uma ideiabet355 betcomo ele se sentia, tendo ascendência africanabet355 betPortugal.

"Ela falabet355 betPortugalbet355 betlinguagem um tanto depreciativa: feras devoradoras e rochas inabitáveis, tudo é assustador e promete a morte...", explica McHardy.

"Superficialmente, você diz: 'Tudo bem, é alguém da Renascença escrevendo um texto neoclássico'. Mas, se você colocar no seu contexto — que isso foi escrito e talvez tenha sido cantado por alguém que foi discriminado [pelo] racismo legal e social português —, acho que há algo mais por trás disso. Parecebet355 betvoz pessoal."

Sobre a forma como as origens étnicasbet355 betVicente Lusitano podem ter afetadobet355 betrecepção... bem, esta é uma história com dois lados.

Lusitano é descrito como "pardo"bet355 betum manuscrito não publicado sobre músicos portugueses, escrito por João Franco Barretobet355 betmeados dos anos 1600. Mas,bet355 bet1752, Diogo Barbosa Machado, autor da primeira enciclopédia impressabet355 betcompositores portugueses, preferiu não repetir este detalhe. Por isso, qualquer pessoa que lesse sobre Lusitano depois desta publicação provavelmente nem saberia dabet355 betorigem africana.

Sóbet355 bet1977 que a musicóloga portuguesa Maria Augusta Alves Barbosa recuperou o manuscrito original não publicado — e este fato ficou amplamente conhecido.

Não incluir a identidade racialbet355 betVicente Lusitano na publicação do século 18 teria sido uma decisão racista? Possivelmente, sim. Garrett Schumann se pergunta se poderia ter sido um atobet355 betexclusão cometido por Machado, buscando promover uma determinada visão do seu país pela música.

"Naquela época, Portugal era extremamente legalista sobre as categorias raciais porque estava tentando excluir pessoas com descendência africana dos direitosbet355 betpropriedade, o que pode ter sido uma motivação política. Mas [também] é uma partebet355 betum esquema mais amplobet355 betfazer parecer que as únicas pessoas que participavam dessa tradição eram homens brancos", afirma Schumann.

Isso nos leva a um ponto que Schumann considera ainda mais deprimente: o fatobet355 betque, ainda hoje, ele continua a enfrentar resistência à ideiabet355 betque Vicente Lusitano tinha descendência africana.

"As pessoas vêm falando com certeza que ele era negro há pelo menos 50 anos — e isso ainda é considerado controverso! Os estudiososbet355 betmúsica se recusam a acreditar", diz ele.

"E a razão da dificuldade das pessoas para engolir isso é que elas aprenderam que não havia compositores negros, o que não é verdade. Existem provasbet355 betque havia compositores negros [não publicados] na Europa no século 14. Lusitano é um marco importante, mas não é o começo da história", esclarece Schumann.

Mas nem tudo é negativo. Parece haver uma demanda crescente do público para descobrir uma história musical mais diversa — e também novos esforços das pessoas que programam concertos para exibir uma variedade maiorbet355 betobras.

E, pelo menos agora, nós podemos eliminar a noçãobet355 betque simplesmente só havia compositores brancos compondo música na Renascença, como ressalta Joseph McHardy.

"Nós encontramos a música para vocês, aqui está: é bonita, soa bem e você pode ler muito bem... Isso pode avançar um pouco as coisas", ele reconhece.

"Agora, as pessoas precisam decidir se querem apresentá-la ou não. O que é uma situação diferentebet355 betdizer 'não encontrei nada'."

"Acho que, quanto mais a músicabet355 betLusitano for ouvida, mais pessoas vão se interessarbet355 betapresentá-la", conclui Schumann.

"É uma música muito boa."

bet355 bet Leia a versão original desta reportagem bet355 bet (em inglês) no site BBC Culture bet355 bet .

- Texto originalmente publicado em http://roberthost1.accountsupport.com/vert-cul-62069401

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