Rebelião da Ilha Anchieta: o primeiro grande massacrebet c365prisão da história do Brasil:bet c365

  • Daniel Salomão Roque
  • De São Paulo para a BBC News Brasil
Uniformizados, os detentos quebram pedras numa estrada

Crédito, Arquivo Público do Estadobet c365São Paulo

Legenda da foto, Uniformizados, os detentos quebram pedras numa estrada. O discursobet c365regeneração pelo trabalho justificava todas as medidas tomadas pela direção do presídio

bet c365 São Paulo, 20bet c365junhobet c3651952. Às 8h30 daquela sexta-feira, um grupobet c365presos assumia o controle do Instituto Correcional da Ilha Anchieta, no litoral norte do Estado. A penitenciária, localizada num terreno íngreme, a 700 metros do continente, contava então com um expediente reduzido.

Graças aos festejosbet c365São João, apenas 17 funcionários civis e 28 militares prestavam serviço no dia —bet c365datas comuns, esse número dobrava. Portugalbet c365Souza Pacheco, o chefebet c365disciplina, permanecia na ilha, assando leitões para uma confraternização familiar. Depois disso, ele talvez se dedicasse a seus afazeres mais cotidianos — espancamentos e sessõesbet c365tortura.

Ninguém foi capazbet c365barrar os 453 detentos que ali cumpriam pena. Os encarcerados libertaram companheiros, saquearam cofres, destruíram edificações, queimaram prontuários e fugirambet c365canoas. Às 13h, 129 presos já haviam alcançado as praias no municípiobet c365Ubatuba, a 220 quilômetros da capital paulista — 108 seriam recapturados, quinze morreriam e seis desapareceram. Nove guardas foram executados — um deles, Bento Moreira,bet c365circunstâncias desconhecidas.

No dia 3bet c365setembrobet c3651955, a penitenciária encerrou suas atividades. Uma semana depois, o filme Mãos Sangrentas, dirigido pelo argentino Carlos Hugo Christensen, representaria o Brasil no Festivalbet c365Veneza. Trata-sebet c365uma coprodução internacional, livremente inspirada no caso: o galã mexicano Arturobet c365Córdova interpreta um dos fugitivos, e Tônia Carrero, uma prostituta apaixonada por ele. O longa-metragem circulou, com relativo sucesso, pela Europa Ocidental, América Latina e Estados Unidos.

"A imprensa francesa e a americana haviam repercutido todo o processobet c365captura dos presos", afirma Dirceu Franco Ferreira, doutorandobet c365História Econômica pela Universidadebet c365São Paulo (USP) e autorbet c365Rebelião e Reforma Prisionalbet c365São Paulo (Editora Revan).

"Tanto na França como nos Estados Unidos, o assunto estava na ordem do dia. Foi um períodobet c365grandes sublevações nos presídios daqueles países, e talvez por isso a cobertura jornalística tenha assumido um caráter anedótico, com muitas fantasias sobre homens que se embrenhavam nas serras e atravessavam o mar".

No Brasil, as manchetes vinham carregadasbet c365superlativos. Segundo a revista O Cruzeiro, aquela havia sido a "maior evasão do mundo". Os fugitivos,bet c365acordo com o Diário da Noite, eram "os mais perigosos elementos do crime e da delinquênciabet c365São Paulo".

Para José Guilherme Viegas, correspondente do jornal A Noite, o motim excedia "a tudo que se pode imaginarbet c365matériabet c365violência e selvageria", ofuscando "combet c365brutalidade a tudo o que já foi descrito nos romancesbet c365aventura e nas produções cinematográficas".

Páginabet c365jornal antigo anunciando o crime

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, As primeiras notícias sobre o motim chegaram ao público no dia 21bet c365junhobet c3651952. Mas os números divulgados nem sempre correspondiam à realidade

Hoje, uma análise do episódio passa por critérios diversos. "Em termosbet c365óbitos, os números parecem até tímidos, quando nos recordamosbet c365massacres posteriores", avalia Ferreira. "Por outro lado, aquela fuga era algo sem precedentes, e só pode ser comparada a experiências mais contemporâneas. Além disso, a rebelião teve um impacto fundamental na história do sistema carcerário paulista, pois acelerou projetos ambiciosos que já estavambet c365pauta há bastante tempo."

Classes perigosas

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O mais significativo desses projetos, esboçadobet c3651928, foi entregue apenas três décadas depois: a Casabet c365Detenção do Carandiru, abertabet c36511bet c365setembrobet c3651956,bet c365um terreno próximo à Penitenciária do Estado. No dia 2bet c365outubrobet c3651992, às vésperas das eleições municipais, 111 presos seriam chacinados no pavilhão 9 — essa é considerada a pior tragédia já ocorrida num presídio brasileiro.

As fotografias do massacre, com suas vítimas nuas e corredores lavadosbet c365sangue, ocupam no imaginário nacional um espaço antes preenchido pelos registros da Anchieta. Complementadas por imagensbet c365preto e branco, as narrativas dos anos 1950 estabeleciam um contraste entre a exuberante geografia local e a psique supostamente bárbara dos encarcerados.

Assim, o locutorbet c365Mãos Sangrentas, já na abertura do filme, anunciava às plateias o que elas veriam ao longo dos minutos seguintes: "Uma ilhabet c365paz e beleza. Paisagem cheiabet c365poesia. Praias luminosas. Uma ilhabet c365sonho. Ninguém poderia imaginar as feras que ela oculta. Nem tigres, nem leões. Feras humanas. Homens transformadosbet c365feras pelo destino e pela sociedade. Nossa história é apenas o relatobet c365um fato real."

Cartaz mexicano do filme Mãos Sangrentas

Crédito, Internet Movie Database

Legenda da foto, Cartaz mexicano do filme Mãos Sangrentas, livremente inspirado no caso. Arturobet c365Córdova interpreta um dos fugitivos, e Tônia Carrero, uma prostituta apaixonada por ele

Semelhante perspectiva tinha raízes no século 19: "A Ilha Anchieta nasce como um espaçobet c365regeneração dos vícios urbanos", explica Ferreira. "A princípio, seu objetivo era isolar os vagabundos, alcoólatras e degenerados, para que se ocupassem ao ar livre".

O Código Criminalbet c3651830, sancionado pouco antes da abdicaçãobet c365Dom Pedro 1º, já previabet c365seu artigo 311 a penabet c365"prisão com trabalho logo que houverem casasbet c365correção nos lugaresbet c365que os réus estiverem cumprindo as sentenças".

O Código Penalbet c3651890, promulgado no início da República, ampliaria essa premissa, estipulando, para "vadios" e "capoeiras", até três anosbet c365reclusãobet c365"colônias penais que se fundarembet c365ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo para esse fim ser aproveitados os presídios militares existentes".

São Paulo atravessava então um períodobet c365grandes mudanças — suas indústrias se expandiam, assim como suas lavouras cafeeiras e contingente populacional:bet c3651890, a capital contava com 70 mil habitantes;bet c3651920, eles seriam 580 mil.

A estrutura urbana, porém, não absorveu um crescimento tão acelerado. Frente ao desemprego, à pobreza e à criminalidade, os governantes reivindicavam a criaçãobet c365institutos para disciplinar as chamadas "classes perigosas". A Penitenciária do Estado, que inauguraria o Complexo do Carandiru, atraiu para si boa parte das verbas — seu projeto arquitetônico abrangia refeitórios e alojamentos para 1,2 mil indivíduos.

Mas, antes que o prédio iniciasse suas atividades, empreendimentos menos onerosos saíram do papel — entre eles, a Colônia Correcional da Ilha dos Porcos, uma das primeiras instituições carcerárias a serem fundadas no municípiobet c365Ubatuba,bet c36514bet c365fevereirobet c3651907. Dali a quatro décadas, seus pavilhões seriam ampliados, e a cadeia ganharia o nome pelo qual se tornou mais conhecida — Instituto Correcional da Ilha Anchieta. Suas celas, agora, confinavam não apenas supostos vagabundos, mas também indivíduos à esperabet c365um julgamento, ou condenados a penas mais longas.

"É um processo bem típicobet c365países que se forjam na colonização", observa Ferreira. "Essa experiência dilapida territórios e encara os trabalhadores como uma grande massa a ser desgastada ao limite. Sempre que possível, as classes populares serão excluídas do convívio social e trancafiadas num recinto especialmente concebido para matá-las. Quando o povo sobrevive, é só uma questãobet c365sorte."

Segurança máxima?

O presídio da Ilha Anchieta,bet c365foto dos anos 1940

Crédito, Arquivo Público do Estadobet c365São Paulo

Legenda da foto, O presídio da Ilha Anchieta,bet c365foto dos anos 1940

Nos anos 1940, o sistema penitenciário paulista encontrava-se à beira do colapso,bet c365meio a uma atividade policial cada vez mais intensa. Para driblar a superlotação, o governo estadual abriu xadrezes provisóriosbet c365cidades do interior, detendo cercabet c36550 mil pessoas ao ano.

"As carceragens das delegacias já não suportavam mais", afirma Ferreira. "Eram galpões improvisados e precários, verdadeiros depósitos humanos. Se você gasta muito dinheiro na polícia, sem um investimento equivalente nas prisões, o que acontece? Você degenera o sistema prisional, e as rebeliões estouram."

A transferência para a Ilha Anchieta tornou-se, assim, uma punição comum a detentos envolvidosbet c365brigas, fugas e motins: "Eles ficavam pelo menos quinze dias trancados nas solitárias, para depois enfrentar castigos físicos e o que haviabet c365pior nos trabalhos forçados", explica o historiador. "Criou-se toda uma aura, como se aquilo representasse um presídiobet c365segurança máxima, mas isso nunca correspondeu à realidade. Como prova, temos as quase 130 pessoas que escaparambet c365lá".

Em inquéritos conduzidos pelo Departamento Estadualbet c365Ordem Política e Social (Deops) e pela Assembleia Legislativa do Estadobet c365São Paulo (Alesp), os presos relatariam às autoridades as causas da fugabet c365massa: uma rotinabet c365fome, negligência médica e, sobretudo, espancamentos.

Em uma visita às instalações locais, os deputados paulistas enojaram-se com o aspecto da cozinha e o mau cheiro das celas. Constataram, igualmente, que a enfermaria não dispunha nem sequerbet c365antibióticos, e que todo o discursobet c365prol da labuta se resumia a uma falácia: "A laborterapia, como a compreende a moderna ciência penal-penitenciária, não existe na ilha", sentenciarambet c365relatório. "Cortar lenha no mato, para acender velho e rudimentar fogão, não é trabalho que recupere ou regenere criminosos".

O prisioneiro Eurico Silva Filho, vulgo Capitão Carnera Negro, comparava o diretor do instituto, Fausto Sadi Ferreira, a um "chefebet c365campobet c365concentração". Alcino Cândido Gomes, vulgo Mocoroa, queixava-sebet c365dores nas costas e sangue nas fezes — sequelasbet c365uma surra que lhe custara dois mesesbet c365internação. José Ballinger, vulgo Alemão, alegou não ter "relaçõesbet c365amizade com outros detentos, por medobet c365ser identificado como sem vergonha ou pederasta" — afinal, seus colegas Gerico e China Show haviam "sido espancados por isso".

Jorge Floriano, o China Show, tinha olhos puxados, trabalhava como funileiro e cumpria sete anosbet c365cadeia por furto. No inquérito do Deops, refere-se a si mesmo como "uma das maiores vítimas desse regime" — pelo menos um funcionário, o almoxarife José Teixeira Pinto, testemunhara sessõesbet c365tortura nas quais o detento, com feridas abertas, era obrigado a tomar banhobet c365mar.

O delegado Benedito Nunes Dias,bet c365seu livro O Motim da Ilha - Episódios Policiais (Editora Soma), narra uma suposta origem para a alcunha do presidiário: "Ele próprio gostavabet c365demonstrar resistência física e fortalezabet c365ânimo ao ser punido disciplinarmente. Praticava faltas para ser castigado e, quando isso acontecia, o 'china' dava show, daí o apelido China Show".

A obra também aponta Floriano como "segundo homem do movimento" — o primeiro seria João Pereira Lima.

Pereira Lima nascerabet c3651921, no município paulistabet c365Serra Negra. Em 1938, alistou-se como voluntário na Força Pública,bet c365onde teria sido expulso por má conduta. Condenado pelo homicídiobet c365Teodomiro Freitas, sargento do Exército que se embriagava num prostíbulo da capital, empreendeu uma sériebet c365fugas até conquistar a liberdade,bet c365maiobet c3651946.

Pouco depois, foi contratado como escriturário numa agência do banco Bradesco — ali, preenchia formulários, orientava clientes e exercia funçõesbet c365controle administrativo. Seu registro profissional, anexado no inquérito da Alesp, aponta que ele tinha formação primária, era casado com uma professora, vivia no bairrobet c365Santana e pedira demissãobet c3651947.

No ano seguinte, foi indiciado por dois assaltos e conduzido ao presídio da Avenida Tiradentes, no Centro da cidade. Em 23bet c365maiobet c3651948, junto a outros detentos da instituição, liderou um motim que culminaria num longo tiroteio. Embora não tenha deixado mortos, o enfrentamento com as tropasbet c365choque durou quatro horas, sendo descrito pelo Correio Paulistano como "um dos mais graves acontecimentos dos últimos tempos".

Ao Deops, Pereira Lima alegaria ter oito passagens pela Ilha Anchieta — a última, três meses antes da rebelião.

"Infelizmente, somos obrigados a fazer isso"

Às 7h daquela sexta-feira, 20bet c365junhobet c3651952, 117 presos se dirigiam ao Morro do Papagaio, um local utilizado para o corte e armazenamentobet c365lenha na ilha. Três praças militares e dois guardas civis, alheios aos planos dos encarcerados, os escoltariam durante o trajetobet c365noventa minutos. Mas, naquela manhã, os homens não estavam dispostos a trabalhar.

Às 8h30, o quinteto foi dominado. Geraldo Braga, um dos guardas, levou golpesbet c365machado na cabeça; os demais funcionários, imobilizados com cipó, teriam seus armamentos subtraídos. Hilário Rosa, único soldado a oferecer resistência, foi morto a tiros, o que contrariava uma ordem prévia,bet c365se evitar ruídos — a menosbet c365um quilômetro, localizava-se o quartel da Força Pública, e a invasão fracassaria caso as autoridades ouvissem qualquer disparo.

Jorge Floriano, o China Show

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Jorge Floriano, o China Show, declarava-se 'uma das maiores vítimas' do regime instaurado na Ilha Anchieta. O detento foi submetido a inúmeras sessõesbet c365tortura

Gerico e Pereira Lima logo atravessaram a porta do edifício. Enquanto o pânico se instaurava entre militares, os presos iam saqueando a reservabet c365armas. China Show deu início a um tiroteio, e outros quatro soldados morreram. Os rebeldes, por fim, se dividiram.

Um grupo marchou até a casa do diretor, abrindo fogo contra as paredes do imóvel. Do ladobet c365fora, Pereira Lima anunciava uma proposta, imediatamente aceita: ele garantia a integridade físicabet c365todos os moradores da ilha, sobretudo mulheres e crianças, contanto que Sadi Ferreira deixassebet c365residência.

Não muito longe, Gerico coordenava o ataque ao presídio. Alguns funcionários haviam fugido; outros, escondiam-se nos armários e banheiros dos pavilhões. Sem maiores dificuldades, os revoltosos quebravam cadeados, libertando dezenasbet c365detentos.

Arrastado pelas massasbet c365direção ao pátio, o carcereiro Oswaldo Santos, vulgo Fairbanks, morreu depoisbet c365um linchamento. Segundo testemunhas ouvidas pelo Deops, seus agressores gritavam:

"Mata essa peste."

"Vou matar esse desgraçado para não sofrer mais."

"Não vou lhe matar, que não sou covarde. Vou fazer só o que você fez para mim."

Amedrontado na cozinhabet c365casa, Portugalbet c365Souza Pacheco já não assava leitões. Às 9h30, o chefebet c365disciplina se uniu aos quatro filhos para rezar. Sua esposa, Odete, também estava lá, e narraria aos investigadores a morte do marido.

Ao pisar no quintal, Pacheco deubet c365cara com Gerico, descrito como um sujeito "preto e forte,bet c365nariz chato, com chapéubet c365palha na cabeça, armadobet c365mosquetão". As janelas da residência foram quebradas, e um preso, conhecido pela alcunhabet c365Durinho, perguntou a Odete se ela possuía armamentos.

A viúva, exibindo ao detento uma Bíblia, teria dito que ali "havia apenas a armabet c365Cristo". Durinho, segundo o Deops, respondeu: "A paz esteja convosco. Feche bem a porta e fique quietinha, pois a senhora nada tem a temer. Infelizmente, somos obrigados a fazer isso".

Amarrado à carroceriabet c365um caminhão, o corpobet c365um fugitivo é exposto a dezenasbet c365curiosos.

Crédito, Assembleia Legislativa do Estadobet c365São Paulo

Legenda da foto, Amarrado à carroceriabet c365um caminhão, o corpobet c365um fugitivo é exposto a dezenasbet c365curiosos.

Quando os disparos enfim ressoaram, nuvensbet c365fumaça cobriam o céu. Eram 10h30, e o fogo havia tomado os corredores do prédio administrativo. Logobet c365frente, Benedito Filadelfo, vulgo Sacudo, e William Saud, vulgo Patolinha, desentenderam-se com Melquíades Alvesbet c365Oliveira, sargento por eles acusadobet c365"esculachar os presos". O militar foi morto a tirosbet c365espingarda e golpesbet c365sabre.

No armazém, os detentos se enfiavambet c365vestimentas roubadas, para despistar a população assim que chegassem ao continente. Dali a alguns momentos, pilhariam o barracãobet c365pesca, retirando as canoas, lanchas e jangadas com os quais se lançariam ao mar.

"O massacre poderia ter sido bem pior", acredita Ferreira. "Se os presos fossem mesmo tão bárbaros, chacinariam várias famílias que moravam ali na Ilha Anchieta. Mas, pelo que mapeei, essas mortes ocorreram todas por vingança, restringindo-se a um grupobet c365funcionários envolvidosbet c365castigos corporais. Antes, eles chicoteavam o China Show, e, agora, o China Show corria atrás deles com uma Winchester."

Democracia e barbárie

As notícias não tardaram a chegar ao gabinetebet c365Elpídio Reali, então secretáriobet c365segurança do Estadobet c365São Paulo. No dia 21, para os trabalhosbet c365recaptura, ele mobilizou o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, as polícias Civil e Militar, além dos habitantesbet c365municípios litorâneos que se dispusessem a pegarbet c365armas contra os detentos.

"Houve um esforço desproporcional", afirma Ferreira. "Os caras deslocaram até submarinobet c365guerra para reprimir presos comuns. E a imprensa legitimava essa abordagem, dizendo que os fugitivos portavam material bélico pesadíssimo".

A operação foi marcada por espancamentos, assassinatos à queima-roupa e supostos suicídios — nenhum deles investigado pelo Deops. Os corpos, muitas vezes disformes, eram expostosbet c365praça pública, ou mutilados sob pretextobet c365identificação datiloscópica.

Sacudo,bet c365retaliação à mortebet c365Melquíades, seria executado numa diligência policial. Francisco Barriento, vulgo Espanhol, não aderira ao motim e aguardava um alvarábet c365soltura, mas perdeu a vida ao render-se com as mãos para o alto.

Geraldo Fonsecabet c365Souza, vulgo Diabo Louro, levou um tiro na perna e outro na omoplata, dentro da própria cela.

Benedito Ferreirabet c365Barros, após repetidas pancadas na cabeça, dorso e abdome, morreu na Penitenciária do Estado, onde outros dois revoltosos, Sebastião Araújo e Rubens Rosa, teriam se matado. José da Silva, um dos assassinosbet c365Fairbanks, alegadamente se enforcou num banheiro do Instituto Correcional da Ilha Anchieta.

"Para anunciar um reestabelecimento da ordem, era necessário prender o líder", explica Ferreira. "Mas a rebelião tinha várias lideranças,bet c365modo que os policiais elegeram Pereira Lima, o último a ser encontrado. E assim ele se transforma num grande troféu da pacificação, um símbolo daquela massa carcerária que vinha ameaçando o litoral."

Incólume a violências e linchamentos, Pereira Lima teve melhor sorte que seus companheiros. No município paulistabet c365Cunha, o ex-bancário foi introduzido numa viatura, tirando fotos com os representantes da lei. Ao Deops, afirmou ter sido muito bem tratado por Nicolau Mário Centola, o chefe da diligência.

A capturabet c365Pereira Lima: o fugitivo está no centro da viatura, entre um motorista e o delegado Nicolau Mário Centola

Crédito, Arquivo Público do Estadobet c365São Paulo

Legenda da foto, A capturabet c365Pereira Lima: o fugitivo está no centro da viatura, entre um motorista e o delegado Nicolau Mário Centola

"Devido a uma tradiçãobet c365enfrentamento com as autoridades, esses fugitivos já eram célebres na crônica policial da época", argumenta Ferreira. "Diferente, por exemplo, dos 111 mortos no Carandiru, todos anônimos e réus primários".

O historiador observa que não houve rebelião no dia 2bet c365outubrobet c3651992, mas sim uma briga, que se alastrou pelo Pavilhão 9: "Como não havia rebelião, não havia liderança. E como não havia liderança, não havia reivindicações. E como não havia reivindicações, não havia o que ser negociado. Essa foi a chave para que a polícia massacrasse todo mundo ali dentro."

Singularidades à parte, Ferreira acredita que Anchieta e Carandiru tenham pontosbet c365comum: ambas as instituições foram vetoresbet c365barbáriebet c365momentos pretensamente democráticos da história nacional.

"Isso gera um efeito político avassalador, explicitando os limites da nossa civilização. Aquilo que a gente chamabet c365constituição cidadã, o Estado rasga na bala do fuzil. É esse o recado que eles estão dando desde sempre."

- Este texto foi publicadobet c365http://www.mi-rob.com/brasil-63250947