Os 120 anosbet da galera'Os Sertões', apontado como primeiro livro-reportagem brasileiro:bet da galera

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Um texto redigido pela equipe do acervo do jornal O Estadobet da galeraS. Paulo enfatiza o nascedouro da obra durante os mesesbet da galeraque Cunha atuou na cobertura especial do conflito. "Ébet da galeraCanudos que começa a escrever as primeiras notasbet da galerasua obra-prima 'Os Sertões', cujas primeiras amostras públicas aparecem no Estado, aindabet da galera1898, sob o título 'Excertobet da galeraUm Livro Inédito'", afirma o texto publicado pelo acervo do jornal.
Segundo conta o biógrafobet da galeraCunha, o diplomata, cientista político e historiador Luís Cláudio Villafañe Santos, o jornalista "já saiubet da galeraSão Paulo [rumo à Bahia] com a intençãobet da galeraescrever um livro". "O jornal havia prometido a ele que publicaria um livro,bet da galeraformabet da galerafolhetim. Isso acabou não ocorrendo", comenta Santos, que no ano passado publicou a obra Euclides da Cunha - Uma Biografia.
Pioneirismo no gênero
Os Sertões seria escrito ao longobet da galeracinco anos,bet da galera1897 a 1902. "E, sim, se pode dizer que foi um pioneiro livro-reportagem porque tem muitobet da galeraum livro que procura ser mais do que literatura, procura ser um livrobet da galeranão-ficção. Uma não-ficção literária, um livrobet da galerajornalismo literário, para usar a expressão mais correta", afirma Santos.
Nesse sentido, Cunha vestiu a carapuça do jornalista que era. "No livro, está a ideiabet da galeraque ele estava relatando fatos, ainda que o fizessebet da galeraforma literária", comenta o biógrafo.

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Contudo, o interessante é notar que, ao longo do processobet da galeradepuração e escrita do livro, a própria visãobet da galeraEuclides da Cunha sobre a ocorrência histórica parece ter mudado substancialmente. Se durante o conflito, quando ele reportava ao jornal O Estadobet da galeraS. Paulo,bet da galeravisão era "oficialesca", na obra literária ele se coloca numa posturabet da galeradenúncia da violência impetrada contra os sertanejos.
Para isso é preciso entender o contexto. Para atuar na cobertura, o jornalista resgatoubet da galerapatente militar — era primeiro-tenente, mas havia deixadobet da galeraexercer — e assim foi que ele atuou e teve os acessos necessários ao trabalho. "O jornal o mandou como jornalista, mas ele também foi a Belo Monte como militar. Levou uniforme, teve ajudantebet da galeraordens e uma inserção dentro do comando militar", aponta Santos.
"Depois, a narrativa do livro acabou sendo imensamente diferente da narrativabet da galerasuas reportagens publicados ao longo da guerra", compara o biógrafo. "Antes, ele tinha uma visão pró-exército, oficialista, governista. E isso não se verifica quando ele escreveu o livro, cinco anos depois."
Para Santos, isso pode ter decorrido por conta da própria mudançabet da galeramentalidade da época. Àquela altura, já eram conhecidas as "muitas denúnciasbet da galeratodos os absurdos" cometidos durante as batalhasbet da galeraBelo Monte.
Estudioso da obrabet da galeraEuclides da Cunha reconhecido internacionalmente, o professor Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórniabet da galeraDavis, também concorda com a classificação pioneirabet da galeraOs Sertões como livro-reportagem. Segundo ele, a obra pode ser definida "como um livro que absorve, como nenhum antes dele, um tipobet da galeradiscurso que chamamosbet da galerareportagem".
"O discurso jornalístico é um entre tantos outros que compõem esta obra, sendo que o historiográfico é o que predomina, tanto pela intencionalidade do autor que o anuncia nas suas primeiras páginas como pela própria estrutura cronológica e interpretativa dos fatos", analisa Bernucci, autor de, entre outros, Discurso, Ciência e Controvérsiabet da galeraEuclides da Cunha.
Ele ressalta que as "outras linguagens" que podem ser detectadas no livro são "a da Bíblia, da geologia, da antropologia, da geologia, do folclore, da meteorologia e das práticas militares".
"O jornal, a partir do século 19, já se comportava como o romance moderno embet da galeraelaboração discursiva. Entravam nele o texto ficcional, o aviso publicitário, as declarações governamentais, comerciais e jurídicas, os relatórios militares, todos justapostos e ocupando um mesmo espaço cultural. Euclides se apropriou da estrutura multifacetada do jornal, fazendo coexistir vários tiposbet da galeradiscurso no seu livro", contextualiza o professor.
"Porém, diferentemente do que ocorre no jornal, as várias linguagensbet da galeraOs Sertões acham-se organicamente articuladas. Tanto é assim que, pelo fatobet da galeraos diversos tiposbet da galeradiscurso estarem tão imbricados nessa obra, torna-se praticamente impossível precisar onde termina a linguagem jornalística e onde tem início a linguagem historiográfica, por exemplo", completa ele.
Para Bernucci, "a dívida" que Euclides da Cunha tinha com os jornais da época era enorme, seja porque ele os utilizou como fontebet da galerapesquisa, seja porque ele próprio atuoubet da galeradiversos. "[Foi] um grande colaboradorbet da galeraconhecidos periódicos, como O Estadobet da galeraS. Paulo, e os cariocas Jornal do Commercio, Kosmos, O Paiz", enumera. "Via-se confortavelmente nesse meio jornalístico."
"Os Sertões nasceu nas próprias reportagens que o então 'correspondentebet da galeraguerra especial' do jornal O Estadobet da galeraS. Paulo enviava àquela publicação, bem como nos telegramas que cobriram pormenorizadamente os dois últimos meses do conflito", acrescenta o publicitário e pesquisador independente Felipe Rissato, co-autor, ao ladobet da galeraBernucci, do livro À Margem da História - Euclides da Cunha.

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De acordo com levantamento realizado por ele, a coberturabet da galeraCunha constoubet da galera31 edições do jornal — o jornalista teria enviado 64 telegramas à redação com seus relatos.
"Ele não era o único repórterbet da galeracampo nas operações, assim como não foi o único a publicar um livro a respeito da Guerrabet da galeraCanudos", ressalta Rissato. "Mas o jovem ex-militar, reformado no ano anterior,bet da galera1896, tinha posiçãobet da galeradestaque mesmobet da galeraoutras folhas, que reproduziam suas reportagens. Além disso, apesarbet da galeraseu livro aparecer somentebet da galera1902, cinco anos após a guerra, quando fundiu as reportagens, os telegramas e as anotações imprescindíveis que fizera na caderneta que levava consigo para o livro, Euclides manteve na narrativa recursos jornalísticos, como a objetividade mesmobet da galeradescrições detalhadas."
"O pioneirismo da obra se dá por ser uma novidade para a épocabet da galerarelação à forma como foi escrita, pois mistura elementos jornalísticos e literários", diz a especialistabet da galeradramaturgia Ana Sampaio Machado, professorabet da galeraéticabet da galeracomunicação na Escola Superiorbet da galeraPropaganda e Marketing (ESPM). "Ao descrever detalhadamente a paisagem, as pessoas e os fatos sem romancear, prezando pela organização, se encaixa no gênero jornalístico, porém não pode ser classificado como tal, porbet da galeraextensão, pela escolha do vocabulário incomum e pelo estilobet da galeraescrita."
Sucesso repentino
Oficialmente não há uma data exata do lançamento da primeira ediçãobet da galeraOs Sertões, mas Rissato aponta para a alta possibilidadebet da galerao livro ter saído do prelobet da galera2bet da galeradezembrobet da galera1902.
"A data exata é incerta, mas ficou como sendo 'oficial' a data da dedicatória mais antiga, 2bet da galeradezembro, encontradabet da galeraum exemplar oferecido ao cunhadobet da galeraEuclides, Octaviano", afirma o pesquisador. "No dia 3, já aparecia a primeira crítica,bet da galeraJosé Verissimo, no Correio da Manhã, do Riobet da galeraJaneiro."
O sucesso foi retumbante. Segundo o material publicado pelo acervo do Estadão, o livro foi "recebido com entusiasmo pelos críticos literários da época e a prime ira edição se esgotoubet da galeraalgumas semanas". No ano seguinte, Euclides da Cunha foi eleito como membro da Academia Brasileirabet da galeraLetras. Ele também foi convidado a integrar e tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. "Costuma se dizer que ele foi dormir desconhecido e acordou famoso. E isso é parcialmente verdade", comenta o biógrafo Santos.
Para o biógrafo, esse sucesso incrível surpreendeu a todos, inclusive ao próprio autor.
Não demorou muito para o livro ser alçado ao panteão dos clássicos da língua portuguesa. "Há vários fatores que contribuem para que seja considerado uma obra canônica da literatura nacional", explica Bernucci. "Poderíamos enumerar alguns desses pontos dizendo o seguinte: um clássico é aquele livro que não somente se lê, mas que é relidobet da galeradistintas épocas, consideração que faz ressaltar nele seu caráter imperecível ebet da galeracaracterísticabet da galeraartefato cultural duradouro, como as grandes pinturas. Outro fator: os clássicos trazem as marcas das leituras que precedem as nossas. Assim, não poderíamos deixarbet da galeraencontrarbet da galera'Os Sertões' os traçosbet da galeramuitos outros livros parecidos na cultura ocidental."
Ele ressalta ainda que o livro, ao longo dos 120 anosbet da galerasua trajetória, "vem se impondo também como obra que impactou outras culturalmente importantes". "Isto é, como livro fundamental e fundador na tradição dos debates sobre a nossa nacionalidade", aponta.

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Para o professor, o livro ainda "atinge uma dimensão universal para que possa ser chamadobet da galeraclássico". "O livro toca os nossos corações tanto pelas descrições e narrações dos fatos geograficamente localizados quanto por aquelas que, desbordando da esfera local, passam ao mundo dos sentimentos universais, como por exemplo o da solidariedade que todos devemos ter uns com os outros como povobet da galerauma mesma nação", diz.
"A Guerrabet da galeraCanudos representou o contrário desta noção, porque se configurou como uma verdadeira guerra civil,bet da galeraque como é típico, indivíduosbet da galeraum mesmo país lutam uns contra os outros, irmãos contra irmãos destruindo-se", comenta Bernucci.
"Creio também que toda grande obra literária traz algo que é a consciênciabet da galerasua própria linguagem. A linguagem euclidiana sinaliza direta e indiretamente as pulsaçõesbet da galerasua presença e o valorbet da galerasua importância, não só como veículobet da galeramensagens, mas também como instrumento ou meiobet da galeratransformá-las e defini-las", acrescenta o especialista. "Esta definição, grosso modo, serviria para demonstrar a diferença entre o discurso tipicamente jornalísticobet da galerafinsbet da galeraséculo, com o qual Euclides estava tão bem familiarizado, e a apropriação transformadora que o autor faz desse mesmo discurso, recarregando-obet da galeraqualidades estéticas."
Machado situa a importância da obra no fatobet da galeraque ela "tratabet da galeraquestões relevantes não apenas para a épocabet da galeraque se deram os acontecimentos relatados, mas para os nossos dias". "A Guerrabet da galeraCanudos foi a última revolta contra a República. Uma República, então, que se consolidou a partirbet da galerauma posturabet da galeraindiferença, incompreensão, desprezo e violência dirigida aos pobres", afirma ela.
"Euclides da Cunha foi para Canudos com as ideias propagadas nas grandes cidades. Mas quais eram essas ideias? Fake news", diz Machado. Ela ressalta que o que se propagava era que os jagunços — "o próprio termo já é pejorativo", frisa — estavam armados e "recebiam apoiobet da galerapotências estrangeiras que tinham interessebet da galeradestruir a República".
"Contudo, as armas que os camponeses tinham foram as que eles próprios tomaram dos soldados vencidos nas primeiras campanhas", contexualiza Machado.
Ela recorda que "chegou-se até mesmo a se dizer que os moradoresbet da galeraCanudos, católicos monarquistas, eram comunistas". "A obrabet da galeraEuclides da Cunha tem enorme força narrativa para o contexto atual. Seria ótimo se mais pessoas se sensibilizassem não apenas com a descrição do massacrebet da galeraCanudos, mas com os sofrimentos e mortes diárias que ocorrem pela indiferença e ódiobet da galeranossa sociedade", compara. "A situaçãobet da galeraCanudos persiste, mas está espalhada e devidamente disfarçada."

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Já Rissato situa a importânciabet da galeraOs Sertões no fatobet da galeraque a obra deu a Euclides da Cunha um statusbet da galerarepresentante da elite intelectual do Brasil. "A guerra ocorrida no sertão baiano passou para a história brasileira como o primeiro grande acontecimento com cobertura diária na imprensa, garantindo ao evento um caráterbet da galerainteresse então ainda não visto no país", pontua.
"A obrabet da galeraEuclides, por não ser unicamente jornalística, nem mesmo unicamente literária, recebendobet da galerahá muito o caráterbet da galera'inclassificável', reúne estudosbet da galerageologia, etnografia, sociologia, antropologia e uma sériebet da galeraciências, que permitiram ao autor, no ano seguinte àbet da galerapublicação, o ingresso na Academia Brasileirabet da galeraLetras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, colocando-obet da galeraposiçãobet da galeradestaque da nossa intelectualidadebet da galeratodos os tempos."
Ciência repletabet da galerafalhas e racismo
Mas, segundo o biógrafo Santos, foi essa misturabet da galeraconhecimentos que fez com que o autor se perdesse na parte científica do trabalho. "Ele foi muito ambicioso e tentou atuarbet da galeravárias frentes: geologia, geografia, botânica, filosofia das religiões, filosofiabet da galerageral, coisas militares e história também", afirma. "Ele criou uma historiografia sobre Belo Monte que vai durar muitíssimo."
Os Sertões foi divididobet da galeratrês partes: A Terra, O Homem e A Luta. "Suas chavesbet da galeraleitura são o que fazem do livro um tremendo sucesso. A primeira é que o próprio autor dizia que 'Os Sertões' era o consórcio entre a ciência e a arte, a ideiabet da galeraque a literatura não era só literatura, era também ciência. Ele propunha isso e, no início, a obra foi vista assim, não só como um livro literário, mas como um livro que estava contando a realidade", diz Santos. "Ele se orgulhavabet da galerater escrito um livro assim, dizia que era a nova literatura, que seria assim a literatura dali por diante."
Segundo o biógrafo, essa ideia um tanto enciclopédicabet da galeraEuclides da Cunha baseava-se no fatobet da galeraque a sociedade passou a querer uma explicação para o ocorridobet da galeraCanudos. "E Os Sertões, como um livrobet da galeraciências entre aspas, produz uma explicação que vai encontrar muito respaldo", conta. "E é curiosa porque acaba tirando a responsabilidade."
Isto porque uma das linhasbet da galeraargumentação do livro é que aquela sociedade, por ser "muito atrasada e isolada" na história, teria um encontro inevitável "com o século 20". E, nesse encontro, a sociedade "atrasada" iria se perder. Segundo Santos, era um meiobet da galera"retirar a culpa" pelo massacre.
Ao longo do tempo, contudo, a faceta "científica" do livro acabou sendo derrubada, justamente porque notou-se que a argumentação acadêmica do mesmo não se sustentava. "A face literária é extraordinária, insubstituível na bibliografia brasileira. Já a parte científica, embora extremamente ambiciosa, demonstrou ter problemas graves", pondera o biógrafo.
Engenheiro militar por formação, Euclides da Cunha tinha certos conhecimentos científicos, mas seguramente muito menores do que a ambição do livro pretendia abarcar. "Ele falabet da galerageologia, um assunto que entendia pouco. Falabet da galerabotânica, que ele não entendia nada. Falabet da galerahistória, um assuntobet da galeraque ele tinha visões complicadas. De antropologia,bet da galeraque também tinha visões muito complicadas. Falabet da galeraarte militar, um ponto onde ele tinha um lugarbet da galerafala por falar disso como militar", enumera Santos. "Ele atacabet da galeratodas as áreas, faz um livro que tenta ser enciclopédico."
"Aí tem um problema grave: como ele avança por muitas áreas do conhecimento, acaba sendo muito pouco profundo e até frágil", analisa. "Suas investidas pouco a pouco vão sendo postasbet da galeraquestão."
Logo após o lançamento, por exemplo, especialistas encontraram erros primáriosbet da galerabotânica na obra. E a própria descriçãobet da galeraBelo Monte, segundo o biógrafo Santos, "era fruto da imaginação" do autor, sem base historiográfica.
"A ciência presentebet da galeraOs Sertões vai caindo, por contabet da galeramuitas falhas", aponta Santos.
Nas áreasbet da galerasociologia e antropologia, contudo, estão os aspectos mais condenáveis. "A parte antropológica é, cientificamente, hojebet da galeradia muito mais do que ruim. É inaceitável", afirma Santos.
Residem nesses pontos a questão sobre a visão racista da obra. "A antropologiabet da galeraEuclides é baseada numa leitura racialista, ou seja, uma ideia muito antiga que já estavabet da galeraalguma medida até naquele momento já sendo superada", comenta Santos.
A obra basilar dessa ideia, Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, havia sido publicada pelo filósofo francês Arthurbet da galeraGobineau (1816-1882) quase cinco décadas antes. "Então já era uma visão complicada naquele momento", pontua Santos.
"Portanto, eu não concordo que dizer que ele era racista é um anacronismo. Anacronismo é você atribuir ao personagem passado ideias que ele não poderia ter naquele momento, mas naquele momento existiam outras possibilidades [de interpretação do mundo]", comenta o biógrafo.
Para ele, a segunda parte do livro, 'O Homem', é "um terror se lido hojebet da galeradia". "Precisamos dar um desconto pelo fatobet da galeraque essas visões estavam, na época, mais próximasbet da galerauma visão aceitável. Eram aceitáveisbet da galeragrande medida, mas deve-se dar a justa medida. Isso não quer dizer que, por viver naquele momento, ele necessariamente teriabet da galerater essa visão. Havia outras visões disponíveis que ele poderia ter usado para iluminar as ideias dele, mas ele escolheu essa. Curiosamente, ele escolheu essa", diz.
Bernucci, porbet da galeravez, acredita que leituras anacrônicas "prejudicam enormemente esta questão tão delicada". "'Racista', quando se aplica à visão que Euclides tinha das raças, seria uma palavra fácil para quem não se toma ao trabalhobet da galerase debruçar como eu e algunsbet da galerameus colegas com a vista cansada dos anosbet da galerapesquisa sobre o autor para ler abet da galeraobrabet da galeracontexto histórico,bet da galeraconjunto e com profundidade como ela deve ser lida", pondera.
"Acredito que as minhas leituras sempre foram justas e imparciais. A compreensão que Euclides tentava ter sobre o papel das raçasbet da galeranossa sociedadebet da galeramaneira particular, e tambémbet da galeramodo mais geral, está marcada por teorias raciais vindas da Europa nabet da galeraépoca. Nunca fui, e não é esta a ocasiãobet da galeraque deveria dissimular tal postura, um admirador sem reservasbet da galeraEuclides da Cunha", acrescenta. "Mas reconheço sempre nele um temperamento prodigiosamente dotadobet da galeraenergia mental e física para dar ao nosso país um impulso capazbet da galeradespertá-lo do obscuro remansobet da galeraque viviam as pessoas dos seus dias."
O professor recomenda que Os Sertões seja um livro lido "com as lentes do século 19", o mesmo que "produziu grande parte das teorias raciais que o autor utilizou". "As teorias sobre a raça negra se embatem com aquilo que Euclides, na prática, observava e sentia, já que ele nunca foi um racista", argumenta.
Para Machado, Euclides da Cunha "era um homem que partilhava as ideias predominantesbet da galeraseu tempo, e tais ideias são racistas". "Era uma época dominada pelo pensamento positivista, que acreditava no progresso redentor da ciência, com teorias que se colocavam contra a miscigenação e apregoavam que as condições climáticasbet da galeraum lugar ou físicas e psicológicasbet da galerasua população eram impeditivas ao progresso", comenta ela.
"Chegou-se até mesmo a desenterrar o corpobet da galeraAntônio Conselheiro e enviarbet da galeracabeça para ser estudada à luz dessas teorias. Estamos olhando para esse homem com a distânciabet da galeramaisbet da galeraum século. As gerações futuras também nos julgarão sob uma perspectiva diferente da nossa e provavelmente perceberão ideias inadmissíveis. É muito difícil perceber os viesesbet da galeranossas crenças, uma vez que estamos imersos na sociedade cuja formabet da galerapensar herdamos e ajudamos a construir."
"Euclides era um homembet da galeraseu tempo. Lia, estudava, refletia e pensavabet da galeraacordo com as correntes científicasbet da galeravoga. Ele não foi o único a se constatar que defendia teorias posteriormente caídasbet da galerarelação à mestiçagem dos povos, mas é preciso buscar estar inseridobet da galeraseu meio para formular qualquer afirmação ou julgamento", acredita Rissato. "Se a crítica for ponderada a partir desse prisma, será mais feliz e menos simplista."
"O livro nasceu comobet da galeraciência e arte, mas hoje é um livro sóbet da galeraliteratura. Toda a parte científicabet da galera'Os Sertões' não se sustenta minimamente. E a parte antropológica e sociológica e absolutamente inaceitável", diz Santos. "Isso não tira o mérito do livro hojebet da galeradia. É um livro que não pode ser lidobet da galeramaneira alguma como livrobet da galeraciência mas se sustenta muito como literatura. Continua sendo uma obra extraordinária, uma das maiores da literatura brasileira."

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Um autor e múltiplas visões
O biógrafo Santos comenta que, nos últimos anos, a leitura sobre a obrabet da galeraEuclides da Cunha evoluiu bastante. "Em minha biografia eu recolho um pouco dessas novas visões, especialmente sobre Os Sertões", diz.
Ele diz que um mito comum é que o autor tenha se horrorizado e denunciado o massacrebet da galeraCanudos quando chegou lá, a serviço do jornal O Estadobet da galeraS. Paulo. "Não foi nada disso. As reportagens que ele mandou da Bahia são do Euclides que apoia praticamente toda a campanha militar, partilha a visãobet da galeraque aquilo poderia ter sido um levante monarquista", comenta Santos.
"Ele foi um jornalista totalmente enquadrado ao que era a visão daquele momento, que ele tinha… Essa imagembet da galeraque a rebeliãobet da galeraBelo Monte era uma rebelião monarquista, uma nova Vendeia [insurreição contra a Revolução Francesa,bet da galera1793]", ressalta o biógrafo. "Em suas reportagens, ele vende essa ideia da revolta monarquista como uma ameaça à República."
A mudançabet da galeraposturabet da galeraEuclides da Cunha ocorreria jábet da galeraSão Paulo, nos anos seguintes, enquanto ele escrevia Os Sertõesbet da galerauma casabet da galeraSão José do Rio Pardo, no interior do Estado.
Santos lembra que o primeiro título provisório dado por Cunha parabet da galeraobra foi A Nova Vendeia, o que indica que, no princípio, ele ainda insistia nessa versão da história. "Mas nos cinco anos seguintes, a visão sobre o que aconteceu na Bahia, não só dele, mudou muito. Aquela visão monolítica da imprensabet da galeraque havia ocorrido um atentado contra a República, isso caiu por terra", contextualiza.
"A opinião pública mudou, com uma sériebet da galeradenúncias acerca dos horrores da guerra e da atuação do exército", acrescenta Santos.
Para o biógrafo, o próprio uso do termo Canudos, adotado por Euclides da Cunha e,bet da galeracerta forma, consagrado a partirbet da galerasua obra, é um indicativobet da galeratentar perpetuar a "história do vencedor".
Isto porque Canudos reforça o nome anterior do arraial, uma fazendabet da galerapropriedade privada onde surgiu um povoamento. Naquela época, o povoado fundado por Conselheiro era chamadobet da galeraBelo Monte. Usar o termo Canudos, como acabou consagrado durante a guerra, era uma maneirabet da galeradeslegitimar a própria ocupação que ali havia, no entendimento do biógrafo.
"No processobet da galeratrabalho do livro, Euclides adaptoubet da galeravisão à mudançabet da galeravisão que já tinha ocorrido na sociedade brasileirabet da galeramaneira geral. Ele reconhece que a ideia do massacre, aquilo tudo, havia sido um fato absurdo", diz Santos.
"Euclides não apresenta culpado. Ele relata as barbaridades mas não dá nome aos bois. Ele denuncia um crime, Os Sertões é a denúnciabet da galeraum crime, mas curiosamente ele denuncia um crime sem responsáveis", argumenta o biógrafo.
A obra acaba "jogando a culpa" do ocorrido sobre Antônio Conselheiro, o líder messiânico. Cunha acaba recriando uma figura literária, conferindo uma personalidade própria para Conselheiro, apresentando-o como um desequilibrado, louco. "Assim, se houve um culpado, teria sido Conselheiro, que teria arrastado aquelas pessoas à loucura. Mas nem ele poderia ser culpado, porque ele também estava louco", explica Santos. "E isso funcionou muito bem."
Para o biógrafo, essa narrativa não só foi bem aceita pela sociedade brasileira como também contribuiu para "aliviar a culpa".
"O livro inaugurou uma linha argumentativa que vai fazer muito sucesso na historiografia e na política brasileira: os crimes sem criminoso", comenta Santos.
O sucessobet da galeraOs Sertões virou alegria e tormento para Euclides da Cunha. Isto porque,bet da galeraacordo com seu biógrafo, isso fez com que ele, transformadobet da galerapersonagem relevante no Brasil, "passasse o resto da vida tentando escrever uma outra obra com a mesma qualidade". "Mas ele fica devendo. E isso o atormenta", comenta.
Bernucci lembra ainda que é preciso reconhecer que Os Sertões também se apresenta como um livro importante na defesabet da galeravalores como os ideais democráticos e a preocupação ambiental. "Por fim, apesar das críticas que possam ser feitas, fica aqui a última pergunta: embora com algumas imperfeições, se Euclides não tivesse deixado esse magnífico legado histórico e literário para nós, preservando a memóriabet da galerauma guerra absurda e cruel, quem poderia tê-lo feito?"
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