As últimas 'virgens juramentadas' da Albânia, que vivem como homens:jogo do fogo e da agua

Gjystina Grisha, or Duni

Crédito, BBC/Derrick Evans

Legenda da foto, Gjystina Grisha é uma das cercajogo do fogo e da agua12 virgens juramentadas ns Bálcãs

"Existem muitas pessoas solteiras no mundo, mas elas não são burrneshat", explica Grishaj, que agora tem 57 anos.

"Uma burrnesha dedica-se apenas àjogo do fogo e da aguafamília, ao trabalho, à vida e a preservarjogo do fogo e da aguapureza."

Gjystina colhendo ervas

Crédito, Valerjana Grishaj

Legenda da foto, Gjystina Grishaj aprendeu com o pai o uso das ervas medicinais

Para muitas mulheres nascidas tempos atrás, trocarjogo do fogo e da aguaidentidade sexual, reprodutiva e social era uma formajogo do fogo e da aguater liberdades que apenas os homens podiam experimentar.

Tornar-se uma burrnesha permitia que as mulheres se vestissem como homens, atuassem como chefesjogo do fogo e da aguafamília, movimentassem-se livremente nas situações sociais e aceitassem trabalhos que, tradicionalmente, eram abertos apenas para os homens.

Gjystina — ou Duni, como é conhecida pelos mais próximos — era uma jovem ativa e atlética, decidida a ser independente. Ela nunca imaginou ter uma vida tradicional, com casamento, trabalho doméstico ou usando vestidos.

Em vez disso, após a morte do seu pai, ela decidiu tornar-se uma virgem juramentada, para poder chefiar a família e trabalhar para sustentá-la financeiramente.

"Éramos extremamente pobres... Meu pai morreu e minha mãe tinha seis filhos", ela conta. "Para facilitar para ela, decidi me tornar burrnesha e trabalhar bastante."

Grishaj morajogo do fogo e da aguauma aldeia remota. O sinal do celular é esporádico, no melhor dos casos. Invernos rigorosos fazem com que a neve bloqueie a estrada para Lëpushë e cause cortesjogo do fogo e da aguaeletricidade.

Ela dirige uma pousada, trabalha na terra e cuida dos seus animais. Como burrnesha e chefe da família, Grishaj também pratica a arte das ervas medicinais para fazer chás e óleosjogo do fogo e da aguacura. Ela aprendeu a técnica com seu pai.

"Ele tinha muito cuidado com as ervas medicinais e passou as lições para mim. E eu quero que minha sobrinha Valerjana aprenda essa prática, mesmo tendo escolhido outro caminho", afirma ela.

Valerjana andandojogo do fogo e da aguauma ruajogo do fogo e da aguaTirana

Crédito, BBC/Derrick Evans

Legenda da foto, Para Valerjana Grishaj, a vida das mulheres na cidade tem 'mais vantagens' do que na zona rural

"Hojejogo do fogo e da aguadia, ninguém tenta se tornar uma virgem juramentada", segundo Valerjana Grishaj. "As jovens nem pensamjogo do fogo e da aguaser virgens juramentadas. Sou um exemplo real disso."

Valerjana Grishaj foi criada ao lado da tiajogo do fogo e da aguaLëpushë e percebeu que as opções para as mulheres na região eram mínimas. A expectativa era casar-se cedo.

"Sempre recordo um momento quando estava no sexto ano da escola primária. Uma amiga minha estava no nono ano e estava ficando noiva. Ela tinha apenas 14 anos", recorda ela. "Ela me disse que seu marido não iria permitir que ela continuasse os estudos e que ela precisava ouvir o seu marido, ficar com ele e obedecê-lo."

Em vezjogo do fogo e da aguase casar cedo ou tornar-se uma virgem juramentada, Valerjana Grishaj saiu da casa da família com 16 anosjogo do fogo e da aguaidade para estudar direção teatral e fotografia na capital da Albânia, Tirana.

"Em Tirana, as meninas e as mulheres têm mais vantagens e são mais emancipadas", ela conta. "Enquanto, na aldeia, a situação, ainda hoje, é um desastre."

Práticajogo do fogo e da aguaextinção

Não existem números exatos, mas estima-se que existam apenas 12 burrneshat remanescentes no norte da Albânia ejogo do fogo e da aguaKosovo. Desde a queda do comunismo nos anos 1990, a Albânia vem presenciando mudanças sociais que trouxeram mais direitos para as mulheres.

Valerjana Grishaj considera que o desaparecimento da tradição das burrneshat é algo positivo.

"Hoje, nós, meninas, não precisamos lutar para virar homens", afirma ela. "Precisamos lutar por direitos iguais, mas sem nos tornarmos homens."

Em 2019, a ativista dos direitos das mulheres Rea Nepravishta protestou durante os eventos do Dia Internacional da Mulherjogo do fogo e da aguaTirana. Ela saiu às ruas com um grande cartaz estampado com a palavra burrnesha riscada com uma grande cruz vermelha. Embaixo, a expressão "mulheres fortes".

"No idioma albanês, quando queremos descrever uma mulher como sendo forte, usamos o termo burrnesha", explica ela. "É uma palavra compostajogo do fogo e da aguaduas partes. 'Burre' significa homem... Não deveríamos nos referir aos homens para mostrar a força das mulheres."

Nepravishta acredita que o país está a caminho da abertura e deu "muitos passos adiantejogo do fogo e da aguaum curto períodojogo do fogo e da aguatempo".

Segundo a ONU Mulheres — a Entidade das Nações Unidas para a Igualdadejogo do fogo e da aguaGênero e o Empoderamento das Mulheres —, a participação feminina na tomadajogo do fogo e da aguadecisões políticas e econômicas na Albânia progrediu recentemente, com melhorias dos códigos e processos eleitorais. Ainda assim, a participação das mulheres permanece limitada e as diferenças salariais não foram combatidas adequadamente.

Em 2017, 23% dos parlamentares e 35% dos legisladores locais eram mulheres.

Os direitos das mulheres têm um longo caminho pela frente. "Sexismo, estereótiposjogo do fogo e da aguagênero... E violênciajogo do fogo e da aguagênero, infelizmente, ainda são muito presentes na Albânia", afirma Nepravishta.

Os dados da ONU Mulheres indicam que quase 60% das mulheres albanesas com 15 a 49 anosjogo do fogo e da aguaidade já sofreram violência doméstica. E o Bancojogo do fogo e da aguaDados dos Órgãosjogo do fogo e da aguaTratados das Nações Unidas revela que apenas 8% das mulheres são proprietáriasjogo do fogo e da aguaterras e elas ainda são marginalizadasjogo do fogo e da aguaquestões relativas a heranças.

Paisagem do vale com névoa e algumas casas

Crédito, BBC/Derrick Evans

Legenda da foto, A vida nas aldeias pode ser difícil, especialmente no inverno.

Status especial

As raízes da tradição das burrneshat originam-se no Kanun, uma antiga constituição adotadajogo do fogo e da aguaKosovo e no norte da Albânia no século 15, que organizou a sociedade albanesa. Segundo essa lei patriarcal, as mulheres eram consideradas propriedade do marido.

"Elas não tinham o direitojogo do fogo e da aguadecidir seu próprio destino, nemjogo do fogo e da aguaescolher suas próprias vidas", segundo Aferdita Onuzi, etnógrafa que estudou as burrneshat. "Se uma menina fosse ficar noiva, tudo era decidido sem sequer questioná-la; nem a idadejogo do fogo e da aguaque ela ficaria noiva, nem a pessoa com quem ela ficaria noiva."

Existem muitos conceitos errôneos que pairam sobre a tradição. Tornar-se uma virgem juramentada, normalmente, não era uma decisão baseada na sexualidade, nem na identidadejogo do fogo e da aguagênero, mas simjogo do fogo e da aguaum status social especial que era oferecido a quem fizesse o juramento.

"A decisãojogo do fogo e da aguauma meninajogo do fogo e da aguatornar-se virgem juramentada não tem nada a ver com a sexualidade", segundo Onuzi. "É simplesmente uma escolhajogo do fogo e da aguater outro papel, outra posição na família."

Mas tornar-se uma burrnesha também era uma formajogo do fogo e da aguaescaparjogo do fogo e da aguaum casamento arranjado, sem desonrar a família do noivo. "Esta decisão significava que elas poderiam evitar um conflito sangrento entre duas famílias", afirma Onuzi.

As regras que regiam os conflitos sangrentos haviam sido codificadas há muito tempo no Kanun, que ajudava a trazer ordem para a vida das tribos do norte da Albânia, particularmente durantejogo do fogo e da aguaincorporação ao Império Otomano.

Segundo a lei do Kanun, os conflitos sangrentos eram uma obrigação social para proteger a honra. Eles podiam começar com ações pequenas como ameaças e insultos, mas, às vezes, poderiam se intensificar até gerar um assassinato. A família da vítima poderia então buscar justiça, matando o assassino ou outro homem da família da parte culpada.

Para muitas jovens daquela época, o juramento do celibato evitava os conflitos sangrentos. "Era uma formajogo do fogo e da aguaescapar", segundo Onuzi.

As tradições evoluíram ao longo do tempo, transformando as decisões forçadasjogo do fogo e da aguaescolhas ativas.

"É muito importante observar a diferença entre as burrneshat clássicas, no sentido etnográfico, e as burrneshat atuais... Atualmente, é uma decisão totalmente pessoal", explica Onuzi.

Drande olhando para a câmera

Crédito, BBC/Derrick Evans

Legenda da foto, 'Sempre me senti como homem', afirma Drande

Gjystina Grishaj não foi obrigada a tornar-se burrnesha — ela própria decidiujogo do fogo e da aguavida. Ao crescer na Albânia comunista, ela percebeu que os homens, na época, tinham muito mais liberdade.

"Havia muitos momentosjogo do fogo e da aguaque você era considerada desigual", ela conta. "As mulheres eram muito isoladas, limitadas às tarefas domésticas e não tinham direitojogo do fogo e da aguafalar."

Sua família — particularmentejogo do fogo e da aguamãe — reprovou a decisão, preocupada porque ela estava sacrificandojogo do fogo e da aguapossibilidadejogo do fogo e da aguaser mãe e terjogo do fogo e da aguaprópria família. Mas, para Grishaj, o sacrifício foi recompensado. "Quando decidi me tornar burrnesha, ganhei mais respeito", ela conta.

Quanto às demais, elas decidiram tornar-se burrneshat porque se sentiam mais como homens.

"Eu nunca me associei às mulheres, mas sempre aos homens. Em bares, fumando...", afirma Drande, burrnesha que mora na cidade litorâneajogo do fogo e da aguaShëngjin, no noroeste da Albânia, e refere-se a si próprio no masculino. "Sempre me senti como homem."

Para Drande, adotar a prática foi uma formajogo do fogo e da aguausufruir das liberdades dos homens, como fumar cigarros e beber álcool, elementos enraizados na tradição das burrneshat.

E essas liberdades incluíam beber o tradicional destilado albanês rakia, historicamente restrito aos homens. Agora, Drande não só bebe o destilado, como produz o seu próprio.

Quando chegamos para entrevistá-lo, ele exibe orgulhoso um lote recente, conservadojogo do fogo e da aguauma garrafa plásticajogo do fogo e da aguaágua. "Isto vai deixar você mais forte", afirma.

Drande conta quejogo do fogo e da aguadecisãojogo do fogo e da aguatornar-se burrnesha trouxe mais aceitação da sociedade.

"Aonde eu fosse, recebia respeito especial e a sensação era boa", ele conta. "Eu era respeitado como homem e não como mulher... Eu me sentia mais livre dessa forma."

Drande tem orgulho dos sacrifícios que fez para tornar-se burrnesha, mas também reconhece sentimentosjogo do fogo e da aguasolidão. Ele conta que já teve dúvidas.

"Pensei por um momento como seria ter um filho que pudesse cuidarjogo do fogo e da aguamim...", ele conta. "Eu estava muito doente e não havia ninguém por perto para me ajudar. Mas foi apenas por um momento, uma fraçãojogo do fogo e da aguasegundo."

Naquele momento, enfrentando uma sociedade com opções limitadas para as mulheres, aquelas que se tornavam burrneshat viam a escolha como uma espéciejogo do fogo e da aguaempoderamento. Era "um tipojogo do fogo e da aguaprotesto convertidojogo do fogo e da aguasacrifício", segundo Onuzi.

Mas, ao decidirem ser homens, elas inadvertidamente fortaleciam normasjogo do fogo e da aguagênero, aceitando o papel inferior das mulheres.

Gjystina e Valerjana

Crédito, BBC/Derrick Evans

Legenda da foto, Gjystina Grishaj ainda espera transmitir parte do seu conhecimento tradicional parajogo do fogo e da aguasobrinha Valerjana, mesmo que ela tenha escolhido uma vida diferente

Mesmo na capital albanesa, a vida das mulheres jovens hojejogo do fogo e da aguadia pode ser difícil. Valerjana Grishaj estabeleceu uma presença online nas redes sociais, para ajudar a ampliar os direitos das mulheres. Mas o enviojogo do fogo e da aguamensagens positivas trouxe atenção negativa.

"Recebi muitas mensagensjogo do fogo e da aguahomens, até mensagens ameaçadoras, questionando por que eu falava sobre os direitos das mulheres", ela conta.

Valerjana Grishaj vem fotografandojogo do fogo e da aguatia e outras burrneshat, como formajogo do fogo e da aguadocumentar uma tradição que está morrendo.

"Espero que as gerações futuras se interessem por este tema, pois é parte da nossa história e das nossas tradições", afirma ela. "Hojejogo do fogo e da aguadia, você não precisa ser uma burrnesha para ter liberdade. Como mulher moderna, não é preciso prestar juramento."

Gjystina Grishaj não dá importância ao preço que ela pagou para ser respeitada — o sacrifício dajogo do fogo e da aguaidentidade feminina — mas, sim, à liberdade quejogo do fogo e da aguadecisão trouxe para ela.

"Não haverá mais burrneshat, eu serei a última", afirma ela.

Grishaj admite que, embora talvez não tomasse a mesma decisão hoje, ela faria tudojogo do fogo e da aguanovo se pudesse voltar no tempo.

"Tenho orgulhojogo do fogo e da aguaser uma burrnesha. Não tenho arrependimentos."

Esta reportagem faz parte do especial BBC 100 Women, que todos os anos destaca 100 mulheres inspiradoras e influentes ao redor do mundo.

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