A mulher denunciada por médicabet 5 reaisplantão e processada por aborto: 'Fui interrogada enquanto sangrava':bet 5 reais
- Nathalia Passarinho
- Da BBC News Brasilbet 5 reaisLondres

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Após tentar aborto caseiro, mulher se dirigiu a emergênciabet 5 reaisum hospital público
bet 5 reais Na pequena cidade onde Juliana mora, o julgamento mais difícilbet 5 reaisenfrentar é o dos vizinhos, colegasbet 5 reaistrabalho e pais dos colegas dos filhos.
A notíciabet 5 reaisque a jovem teria feito um aborto se espalhou rapidamente depois que ela passou a responder a um processo penal por interromper a gravidez, no início deste ano.
"A gente é julgada por milharesbet 5 reaispessoas. Às vezes, a gentebet 5 reaissi consegue lidar com o problema, só que muitas vezes é transferido para os familiares. Eles têm sofrido muito, meus filhos", disse ela,bet 5 reaisentrevista à BBC Brasil.
'Fui interrogada enquanto sangrava', diz mulher processada por aborto
"Assim como eu, eles são pré-julgados, condenados, crucificados, como se a população pudesse fazer justiça com as próprias mãos."
Esta reportagem integra uma sériebet 5 reaissete matérias sobre a realidade do aborto clandestino no Brasil:
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O aborto no Brasil só é permitido nos casosbet 5 reaisestupro, riscobet 5 reaisvida para a mãe e feto com anencefalia (por decisão do Supremo Tribunal Federal). A pena para uma grávida que provoca a interrupção da gravidez ébet 5 reaisaté três anosbet 5 reaisprisão.
Juliana estava recém-separada e namorava um rapaz, quando descobriu que estava grávida do terceiro filho. Ela diz que não tinha condições econômicas e psicológicas para ter mais uma criança.
"Eu sabia como que era a vidabet 5 reaister filhos, a responsabilidadebet 5 reaister dois filhos, a responsabilidade que sempre sobra para a mãe. Fica doente, é a mãe que tem que cuidar. Não pode faltar muito tempo do serviço, senão o emprego já desconta. E eu sabia que não queria ter uma terceira criança."
Depoisbet 5 reaistentar soluções caseiras, como chás, ela conseguiu comprar um remédio abortivo. Com medo da reação dos familiares e amigos, Juliana tomou as pílulas sozinhabet 5 reaiscasa. Não contou para ninguém.
Mas começou a sentir dores fortes como efeito do medicamento, que provoca contrações do útero a pontobet 5 reaisexpelir o feto. Assustada, decidiu buscar ajuda na emergênciabet 5 reaisum hospital público.
"O primeiro médico que me atendeu me ajudou. As medicações ainda estavambet 5 reaismim. Ele tirou, enrolou na luva, jogou fora. Falou que ia tratar como aborto instantâneo e que estava ali para me ajudar e não julgar", contou.

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'Assim como eu, eles são pré-julgados, condenados, crucificados', diz mulher sobre repressão vivida também pelos filhos após vizinhança descobrir que ela fez um aborto
Mas o plantão desse médico terminou enquanto Juliana ainda estavabet 5 reaisprocessobet 5 reaisaborto, ainda sob o efeito da medicação.
"Ele indo embora, as dores aumentaram. O processobet 5 reaisexpulsão do feto começou e aconteceu que expulsou (o feto), saiu", conta. A enfermeira que acompanhou o primeiro atendimento contou do aborto à médica que assumiu o plantão, que decidiu chamar a polícia.
Os policiais foram imediatamente ao hospital e interrogaram Juliana quando ela ainda sangrava. "Assim que eu tinha acabadobet 5 reaister o feto, eu tive uma convulsão. Eles (policiais) entraram na sala falando que era para eu confessar, senão eu ficaria algemada, que eu iria para um presídio", relatou.
Pressionada, Juliana acabou confessando ter tomado os remédios abortivos. "Foi aonde eu fui falando e dei o nome do rapaz que me vendeu. Foi autuado o crimebet 5 reaisflagrante."
Para não ser presa, ela teve que pagar uma fiança. O homem que vendeu os medicamentos passou a ameaçá-la e a notícia do aborto se espalhou pela cidade.
"Depoisbet 5 reaistudo isso, eu recebi ameaças do rapaz que vendeu a medicação, recebi chantagensbet 5 reaisfamiliares. Os médicos da minha cidade sabem o que aconteceu e não me tratam tão bem", conta.
Sem recursos para pagar um advogado, Juliana está sendo representada na Justiça pela Defensoria Públicabet 5 reaisSão Paulo. No mês passado, um pedido para arquivar o processo foi negado pelo Tribunalbet 5 reaisJustiçabet 5 reaisSão Paulo. A Defensoria disse que vai recorrer ao Superior Tribunalbet 5 reaisJustiça (STJ).

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Com medo da reação dos familiares e amigos, Juliana tomou pílulas abortivas sozinhabet 5 reaiscasa
Mas, independentemente da decisão judicial, Juliana diz que já se sente "julgada" e "condenada" pela sociedade.
"Muita gente que me olha torto, algumas lembram do fato, me tratam mal. Eu tenho medobet 5 reaisser condenada por um crime que eu não fiz. Porque eu acho que é o meu corpo. Eu tenho direito sobre o meu corpo", afirma.
"É muita acusação e pouco amparo. A gente tenta operar e não pode (pelo SUS). A prevenção, tanto da camisinha quanto a pílula, é 99% seguro. Mas e aquele 1%? E quando acontece e você não quer?", questiona.
Centenasbet 5 reaisprocessos iguais ao da Juliana
A históriabet 5 reaisJuliana não é um fato isolado. Centenasbet 5 reaisprocessos contra mulheres acusadasbet 5 reaisabortar tramitam na Justiçabet 5 reaistodos os Estados.
De acordo com um levantamento feito pelo Portal Catarinas nos tribunaisbet 5 reaisjustiçabet 5 reais2017, 18 Estados registraram 331 processos criminais pela práticabet 5 reaisautoaborto - aborto provocado pela gestante ou com o consentimento delas.
Conforme a pesquisa, São Paulo é o Estado com o maior númerobet 5 reaisprocessos por aborto provocado pela gestante - foram 250 entre 2015 a 2017, um aumentobet 5 reais25% no período.
A defensora Ana Rita Prata, coordenadora do Núcleobet 5 reaisPromoção dos Direitos da Mulher da Defensoria Públicabet 5 reaisSão Paulo, disse à BBC Brasil que,bet 5 reais70% dos casos, essas mulheres são denunciadas por um profissionalbet 5 reaissaúde após buscar ajuda nos hospitais.

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Há centenasbet 5 reaisprocessos contra mulheres acusadasbet 5 reaisabortarbet 5 reaistodo o país
Quando a denúncia não é feita pelo médico ou enfermeiro que atende na emergência, quem chama a polícia é um familiar ou vizinho, segundo a defensora.
"A prática acontece, todo mundo sabe, mas aquelas mulheres que chegam ao sistemabet 5 reaisjustiça é por uma denúnciabet 5 reaisalguém dabet 5 reaisconfiança oubet 5 reaisalguém que deveria cuidar e não julgar", afirmou à BBC Brasil.
Segundo a defensora, denunciar pacientes após o atendimento viola a ética médica. Ela é autorabet 5 reaisum pedido na justiça para anular 30 ações penaisbet 5 reaismulheres denunciadas por profissionaisbet 5 reaissaúde. O Tribunalbet 5 reaisJustiçabet 5 reaisSão Paulo (TJ-SP) negou o pedido e a Defensoriabet 5 reaisSão Paulo disse que vai recorrer ao Superior Tribunalbet 5 reaisJustiça (STJ).
"A denúncia viola o dever éticobet 5 reaissigilobet 5 reaisqualquer dos profissionaisbet 5 reaissaúde. Nesses casos que encontramos, foram médicos, enfermeiros e assistentes sociais. Os conselhosbet 5 reaisclasse dessas três profissões são enfáticosbet 5 reaisdizer que é dever ético manter o sigilo, não só não revelando o fato, mas também não entregando documentos sigilosos."
Procurado pela BBC Brasil, o Conselho Federalbet 5 reaisMedicina confirmou o entendimentobet 5 reaisque,bet 5 reaiscasosbet 5 reaisaborto, o sigilo é considerado necessário para garantir a saúde das pacientes.
Segundo a entidade, o Art, 66, II, da Leibet 5 reaisContravenções Penais "é claro" ao eximir os médicosbet 5 reaiscomunicar crimes caso a denúncia "exponha o cliente a procedimento criminal".
"Esse deverbet 5 reaismanutenção do sigilo decorre da necessidade do pacientebet 5 reaispoder confiar irrestritamente no médico. Caso o paciente temesse a revelaçãobet 5 reaisseus íntimos segredos, poderia vir a ocultar fatos importantes, colocandobet 5 reaisriscobet 5 reaisprópria saúde e até mesmo vida", informou o Conselho Federalbet 5 reaisMedicina,bet 5 reaisresposta encaminhada por e-mail à BBC Brasil.




