Os vergonhosos 'zoológicos humanos' que existiram na Europa até 1958:pág bet

  • Dalia Ventura
  • BBC News Mundo
Legenda do áudio, Os vergonhosos 'zoológicos humanos' que existiram na Europa até 1958

pág bet Esta é uma história vil. E das piores, porque deixou graves sequelas que perduraram por muitos anos — talvez até séculos, dependendopág betpor onde se começar a contá-la.

No hemisfério ocidental, pode remontar ao zoológicopág betMontezuma, imperador da Tríplice Aliança Asteca, o nono governante da cidadepág betTenochtitlan, onde hoje fica a Cidade do México.

Segundo cronistas espanhóis como Antonio Solís e Rivadeneyra (1610-1686), alémpág betaves, feras e animais peçonhentos, o zoológicopág betMontezumapág betseu palácio tinha um jardim botânico e um "zoológico humano",pág betque o imperador asteca era entretido por "anões, corcundas e outros erros da natureza".

A descrição lembra a tradição dos freak shows (espetáculospág betaberrações), que datam do século 16.

O Zoológicopág betMoctezuma no mapapág betTenochtitlan, publicadopág betNurembergpág bet1524
Legenda da foto, O Zoológicopág betMoctezuma no mapapág betTenochtitlan, publicadopág betNurembergpág bet1524

A essa altura, as deficiências físicas não eram mais consideradas maus presságios ou temidas como evidênciapág betespíritos malignos, então as "monstruosidades" médicas se tornaram componentes padrãopág betespetáculos itinerantes.

Mas talvez um precursor mais apropriado para o que continuaria acontecendo maispág betquatro séculos depois das primeiras viagens da era dos descobrimentos tenha sido a incorporação que o cardeal italiano Hipólitopág betMédici fez ao zoológico da família.

Em pleno Renascimento italiano, ele se gabavapág better, alémpág bettodos os tipospág betanimais exóticos, vários "selvagens" que falavam maispág bet20 línguas, entre mouros, tártaros, indianos, turcos e africanos.

Ele havia dado um passo além na desumanização daqueles que eram diferentes: à grotesca exibiçãopág betpessoas nascidas com alguma deficiência física, ele acrescentou a possepág bethumanospág betoutras terras cuja aparência e costumes eram distintos dos da Europa.

Quadropág betGiorgio Vasari 'Lorenzo, o Magnífico, recebe homenagem dos embaixadores' (1556-8) mostra girafa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os Médici mantinham um zoológico aberto ao público que incluía esta girafa pintada no quadropág betGiorgio Vasari

O auge desse tipopág betdesumanização aconteceria, no entanto, centenaspág betanos depois, quando as sociedades ocidentais desenvolveram um apetite por exibir "espécimes" humanos exóticos que eram enviados para Paris, Nova York, Londres ou Berlim para o interesse e deleite do público.

O que começou como uma curiosidade por parte dos observadores se transformoupág betuma pseudociência macabrapág betmeados do século 19, quando pesquisadores buscavam evidências físicas para teorias raciais.

Milhõespág betpessoas visitaram os "zoológicos humanos" criados como partepág betgrandes feiras internacionais.

Nelas, era possível ver aldeias inteiras com habitantes levadospág betlugares distantes e pagos para representar dançaspág betguerra ou rituais religiosos diantepág betseus senhores coloniais.

Assim, foi criado um sentido do "outro"pág betrelação aos povos estrangeiros, o que ajudou a legitimarpág betdominação.

O exótico

É possível que essas exibições tenham sido relativamente inocentes no início: um encontro com o desconhecido e uma curiosidade, talvez até mútua.

Em 1774, um polinésio chamado Mai ou Omai chegou à Inglaterra com o capitão James Cook e foi apresentado pelo naturalista Joseph Banks à corte do rei George 3°.

'Omiah, o indígenapág betOtaheite, apresentado à Sua Majestadepág betKew por Banks e Solander,pág bet17pág betjulhopág bet1774'
Legenda da foto, 'Omiah, o indígenapág betOtaheite, apresentado à Sua Majestade por Banks e Solander,pág bet17pág betjulhopág bet1774'
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Era "engenhoso, encantador e astuto", como descreve Richard Holmes no livro The Age of Wonder.

"Sua beleza exótica... era muito admirada na sociedade, especialmente entre as damas aristocráticas mais ousadas."

Mas era um convidado ou um espécime?

Se havia algum espaço para a ambiguidade no início, esta desapareceu com as novas certezas da época colonial.

O emblema mais triste da era que viria foi a sul-africana Saartjie Baartman, conhecida como a "Vênus Hotentote".

Nascida por voltapág bet1780, foi levada para Londrespág bet1810 e exibidapág betfeiras na Europa.

Seu grande atrativo eram as nádegas enormes, quepág betuma épocapág betque glúteos grandes estavam na moda na Europa.

Quando o interesse pela "Vênus" africana foi minguandopág betLondres, ela foi enviada a Paris, onde foi analisada por antropólogos raciais. Em um dos catálogos da exposição, um desses cientistas a descreveu dizendo que ela tinha "nádegaspág betmandril".

Foi nesse período que começaram a pipocar teorias do chamado "racialismo".

Ela faleceupág bet1815, mas o show continuou.

Seu cérebro, esqueleto e órgãos sexuais permanecerampág betexposição no Museu da Humanidadepág betParis até 1974. Em 2002, seus restos mortais foram repatriados e enterrados na África do Sul.

Baartman inaugurou o períodopág betdescrição, medição e classificação, que logo levaria a uma hierarquização: a ideia discriminatóriapág betque existem raças melhores e piores.

O inferior

O clímax da história vem com o apogeu imperialista do final do século 19 e início do século 20.

Em ambos os lados do Atlântico, o público alimentado por noçõespág betevangelização cristã e superioridade cultural delirava com as recriações da vida colonial que se tornaram parte habitual das feiras internacionais.

Os visitantes podiam vislumbrar a vida "primitiva" e ter a sensaçãopág betque haviam "viajado" para lugares desconhecidos.

O alemão Carl Hagenbeck, comerciantepág betanimais selvagens e futuro empresáriopág betvários zoológicos europeus, foi um dos pioneiros dessa tendência, se destacando com exposiçõespág bet"populações exóticas" ao mostrá-las junto a plantas e animais comopág betseu "ambiente natural".

Em 1874, ele exibiu samoanos e sami (lapões) — e,pág bet1876, núbios do Sudão egípcio, uma mostra que teve enorme sucesso na Europa.

Cartazes das exposiçõespág betnúbios (1877), calmucos (1883) e somalis (1890) no Jardin Zoologique d'Acclimatationpág betParis, com detalhes do cartaz da mostra dos ashantis (1887)

Crédito, BIBLIOTHÈQUE NATIONALE DE FRANCE

Legenda da foto, Cartazes das exposiçõespág betnúbios (1877), calmucos (1883) e somalis (1890) no Jardin zoologique d'acclimatationpág betParis — e detalhes do cartaz da mostra dos ashantis (1887)

Sua ideiapág betmostrar "selvagenspág betseu estado natural" foi provavelmente a inspiraçãopág betGeoffroypág betSaint-Hilaire, diretor do Jardin d'aclimatationpág betParis, quepág bet1877 organizou dois "espetáculos etnológicos" que apresentavam núbios e inuítes (esquimós).

Naquele ano, o público dobrou para um milhão.

Entre 1877 e 1912, cercapág bet30 "exposições etnológicas" foram apresentadas no Jardin zoologique d'aclimatation.

Tambémpág betParis, a Exposição Universalpág bet1878 apresentou "aldeias negras", povoadas por pessoaspág betcolônias no Senegal, Tonquim e Taiti.

O pavilhão holandês dessa exposição incluía uma aldeia javanesa ("kampong") habitada por "nativos" que realizavam danças e rituais.

Em 1889, a Feira Mundial, visitada por 28 milhõespág betpessoas, também teve, entre os 400 indígenas expostos, javaneses que tocavam músicas tão sofisticadas que deixaram o jovem compositor Claude Debussypág betqueixo caído.

Nesse mesmo ano, com a permissão do governo chileno, 11 nativos do povo selknam ou ona, incluindo um meninopág bet8 anos, foram enviados para a Europa para serem exibidospág betzoológicos humanos.

Mulheres selk'nam capturadas

Crédito, Getty Images

Os indígenas tehuelche, selknam e kawésqar da Patagônia eram uma raridade, por isso foram fotografados, medidos, pesados ​​e forçados a "se apresentar" diariamente, entre 1878 e 1900.

Se sobrevivessem à viagem, muitos desses "espécimes" sul-americanos faleciam pouco tempo depoispág betchegar aos seus destinos.

Os selknam haviam sido capturados por Maurice Maitre, um dos negociantes que enriqueceu com essa modalidadepág bettráfico humano.

Alguns desses empresários, como o lendário "Buffalo Bill" Cody, organizavam espetáculos itinerantes — como os do Velho Oeste, outro exemplopág betestereótipo racial.

E alguns se distinguiam pelo tratamento dado a povos indígenas, como Truman Hunt, um ex-médico que se reinventou como empresário especializadopág beteventos que exibiam povos nativos nos Estados Unidos.

A pedido do governo, ele trouxe 1,3 mil filipinospág betdiferentes tribos para a Exposição Universalpág betSt. Louispág bet1904. Hunt depois levou 50 membro da etnia igorot para recriar uma "aldeia igorot"pág betplena Coney Island,pág betNova York, um evento que teve grande sucessopág betpúblicopág bet1905.

Fotopág betfilipinos e americanos misturados

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Extremos se encontram: civilizados e selvagens observando salva-vidas, família igorot na Feira Mundial, St. Louis, 1904', diz a legenda desta foto

No caso da Exibiçãopág betSt.Louis, segundo Claire Prentice, autorapág betThe Lost Tribe of Coney Island, a motivação era política.

Ao exibir os "selvagens", o governo esperava obter apoio público para suas políticas nas Filipinas, mostrando que os habitantes dos territórios recém-adquiridos estavam longepág betestar prontos para uma autogestão.

Mas na recriação da "aldeia"pág betConey Island, o interesse era puramente financeiro.

A cada um dos "nativos" era prometido um pagamentopág betUS$ 15 por mês para mostrarpág betcultura e costumes.

Hunt tratou tão mal os igorot que foi presopág bet1906, acusadopág betroubar deles US$ 9,6 milpág betsalário — epág better tirado dos membros da tribo, à força, centenaspág betdólares que eles haviam ganhado vendendo artesanato.

Racismo científico

As motivações para continuar exibindo seres humanos por décadas, enfatizando as "diferenças" entre os "primitivos" e os "civilizados",pág betHamburgo, Copenhague, Barcelona, ​​​​​​Milão, Varsóvia e outros lugares, passaram a ser outras.

Estavam ligadas, argumentam os acadêmicos, a três fenômenos inter-relacionados: a construçãopág betum imaginário do Outro, a teorizaçãopág betuma hierarquiapág betraças e a construçãopág betimpérios coloniais.

Eram frequentemente baseadas no racismo científico epág betuma versão do darwinismo social.

Em 1906, por exemplo, o antropólogo amador Madison Grant, diretor da Sociedade Zoológicapág betNova York, exibiu o pigmeu congolês Ota Benga no Zoológico do Bronx,pág betNova York, junto a macacos e outros animais.

A pedidopág betGrant, um conhecido eugenista, o diretor do zoológico colocou Ota Bengapág betuma jaula com um orangotango e o chamoupág bet"O Elo Perdido", para ilustrar que,pág bettermos evolutivos, africanos como Ota Benga estavam mais próximos dos macacos do que dos europeus.

Oto Benga

Crédito, Library of Congress

Legenda da foto, De acordo com uma placa do ladopág betfora da casa dos primatas, Oto Benga,pág bet23 anos, com 1,50 cmpág betaltura e 47 kg, trazido do Rio Kasai, Estado Livre do Congo, na África Central, pelo Dr. Samuel P. Verner, seria exibido 'todas as tardes durante o mêspág betsetembro'

Após protestos da Igreja Batista Afro-Americana, ele foi autorizado a andar pelo zoológico, mas quando passou a ser assediado verbal e fisicamente pelo público, seu comportamento se tornou violento, e ele foi retirado do local.

Em 1916, Grant publicou um livro no qual expunha a teoria da superioridade branca e defendia um forte programapág beteugenia.

Nesse mesmo ano, Ota Benga se suicidou com um tiro no coração.

Forapág betmoda

No entanto, as Exposições Coloniaispág betMarselha (1906 e 1922) e Paris (1907 e 1931) continuavam a exibir seres humanospág betjaulas, muitas vezes nus ou seminus.

Apág bet1931 foi visitada por 34 milhõespág betpessoaspág betseis meses.

Um número consideravelmente menorpág betpessoas compareceu à uma "contraexposição" organizada pela Liga Anti-Imperialista comunista, chamada "A verdade sobre as colônias", como um protesto contra as exposições coloniais.

Isso mostra que, aos poucos, as atitudespág betrelação aos zoológicos humanos estavam mudando.

Cartaz da Exposição Colonialpág betParispág bet1931

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Cartaz da Exposição Colonialpág betParispág bet1931

Estima-se que cercapág bet35 mil pessoas foram exibidas nesses zoológicos humanos.

A maioria deles cobravam ingresso — eram espetáculos, formaspág betentretenimento público. As "curiosidades" representavam o seu papel.

Mas, significativamente, havia barreiras entre o público e esses "artistas", para reforçar a noçãopág betseparação e, não precisa nem dizer,pág betdesigualdade.

Essas exposições etnográficas foram extintas após a Segunda Guerra Mundial. Curiosamente, foi Adolf Hitler quem as proibiu primeiro.

Em outros casos, lamentavelmente, nem sequer foi necessário proibi-las: deixarampág betexistir não por causapág betuma reavaliação ética, mas porque surgiram novas formaspág betentretenimento - e as pessoas simplesmente perderam o interesse.

A última exposição colonial foi a da Bélgica.

Menino branco acariciando um bebê congolês

Crédito, RMCA Tervuren

Legenda da foto, Legenda original: 'Um menino negro pertopág betseus pais, artesãos indígenas que exercem seu ofíciopág betfrente às cabanas construídas para eles nos jardins tropicais, tira uma soneca. Um menino branco acha seu irmãozinho negro tão amável...'

No verãopág bet1897, o rei Leopoldo 2º havia levado 267 congoleses para Bruxelas para exibirpág betseu palácio colonialpág betTervuren, a leste da capital.

Muitos morreram no inverno, mas tamanha foi a popularidade deles, que mais tarde se estabeleceria uma exposição permanente no local.

Para a Exposição Internacional e Universalpág betBruxelaspág bet1958, uma celebração dos 200 diaspág betavanços sociais, culturais e tecnológicos do pós-guerra, foi montada uma aldeia "típica",pág betque os espectadores observavam os congoleses, muitas vezes fazendo gozação.

"Se não reagiam, jogavam moedas ou bananas para eles pela cercapág betbambu", escreveu um jornalista da época.

Os congoleses se cansaram das condiçõespág betque eram mantidos e do abuso do público, e o zoológico humano fechou.

Foi o último da história.

Estima-se que cercapág bet1,4 bilhãopág betpessoas tenham visitado algum desses zoológicos humanos. Não à toa, acredita-se que eles desempenharam um papel importante no desenvolvimento do racismo moderno.

Este texto foi publicadopág bethttp://www.mi-rob.com/geral-63371607